quarta-feira, 30 de abril de 2014

OS CÃES DA NICOLE SCHLAEPFER

Recebemos recentemente um email de uma leitora que é criadora de pastores alemães brancos, proprietária de um campeão do mundo e que vamos dividir com os restantes leitores, aproveitando a oportunidade para comentar aquilo que ela nos disse e que não tivemos oportunidade de dizer no artigo “ O MELHOR E O PIOR DO PASTOR SUIÇO: ANÁLISE TÉCNICO-FUNCIONAL”, editado em 21/06/2011. Disse a Nicole:
“PASTOR ALEMÃO EM BOAS PALAVRAS”. Olá, primeiro gostaria de dizer que sou uma grande admiradora dos seus pastores negros e que certo dia deparei-me no seu blog com um lindo artigo sobre os pastores alemães brancos (http://acendurabrava.blogspot.com.br/2011/06/o-melhor-e-o-pior-do-pastor-suiço.html). Não pude conter a minha emoção ao ver tal reconhecimento vindo de um criador de pastores negros. Eu e o meu pai criamos pastores alemães brancos há 20 anos e temos lutado (sozinhos) durante esse tempo para manter o padrão original, brigando com a FCI e contra tanta discriminação relativa a um cão por causa da sua cor. Apesar disso temos vencido os “suíços” com o padrão alemão nas competições da FCI. O que é contraditório é que foi o próprio presidente do Kennel que criou o “Suíço”, quem atribuiu o título de campeão mundial ao meu pastor alemão branco, contradizendo todos os padrões suíços. Enfim, muito obrigado. Espero um dia ter um pastor alemão negro (não temos aqui). Seguem algumas fotos dos meus cães.”

Vamos lá falar de discriminação, porque é disso que se trata. Para se compreender a exclusão da variedade branca do Pastor Alemão é preciso compreender o maior dos pressupostos para a criação desta raça: o trabalho, porque foi criada por um militar e bem cedo foi apadrinhada e aproveitada para fins bélicos, vindo a ser preferida por todos os exércitos europeus, mesmo daqueles que usaram outros cães na I Grande Guerra, notoriamente menos válidos diante da prestação do Pastor Alemão que mais tarde viria a ser “o cão de guerra” por eleição. Esse apadrinhamento militar, aliado aos históricos sentimentos germânicos relativos ao progresso, à supremacia da prática, da perfeição e da uniformização, que muito facilitaram a adopção do eugenismo, diante do desastre que se abateu sobre os molossos brancos recrutados pelo exército italiano, ganhou peso e expressão, porque a variedade branca, ao destacar a sua silhueta, tornar-se-ia num alvo fácil de abater.
Para além da razão militar (ainda bem que as guerras utilizam cada vez menos cães), outra razão se levantou, a relativa à transmissão e evolução da cor branca que induz à consequente despigmentação dos cães, uma vez que ela tende a aumentar e perpetuar-se no seu manto. Para explicarmos esta questão vamos valer-nos do que sucede no Boxer, cujo estalão admite a presença 30% da cor branca no manto dos seus exemplares, o que ontem como hoje, tem perpetuado o surgimento de cães totalmente brancos que acabam por não ter registo. Sempre que um comum pastor preto-afogueado apresenta marcas brancas no peito ou nas patas (por vezes também na ponta da cauda), essas marcas são consideradas indesejáveis pelo estalão, porque remontam à proto-selecção, denunciam a ascendência em animais totalmente brancos ou à presença ainda que ténue do factor branco. Esse rótulo de “indesejáveis” impossibilita cada vez mais o nascimento de exemplares brancos oriundos de exemplares padronizados, muito embora dois progenitores brancos possam gerar cães preto-afogueados, já que as diferentes variedades cromáticas se fizeram presentes na génese da raça. Pretendia-se evitar os cães malhados, preocupação que alguns criadores do Pastor de Shiloh desleixaram e que culminou no Shiloh Panda, muito embora ele seja um bastardo (via Malamute do Alasca) diante do Pastor Alemão Branco.
As razões operacional e estética acabaram por discriminar o Pastor Alemão Branco até aos dias de hoje, revestindo-o de “suíço” ou “canadiano”, escondendo-o por detrás do Pastor de Shiloh e doutras variedades cromáticas aceites pelo estalão do Deutsche Schäferhund, como é o caso de alguns exemplares cinzentos uniformes (azuis) e doutros de manto vermelho aceites por alguns Kennel Clubs, apesar de se poder chegar a ambos pela presença da variedade negra quando beneficiada pela parcialmente cinzenta (lobeira), o que lhes perpétua a máscara e lhes aviva o tom. E o despudor não acaba aqui, porque nos cães ditos de trabalho, quando importa alcançar cães maiores, alguém se lembra do branco, porque o factor está associado ao gigantismo e os cães de pata branca virão a ser os maiores das ninhadas. Já é tempo de acabar com a hipocrisia, de reintegrar os pastores brancos que não foram transfigurados pelos pareceres e distorção “suíços”, de devolver a biodiversidade presente nos alvores da raça e de considerar como parte integrante dela os Pastores Alemães Brancos que sempre estiveram no seu ceio, ainda que muitas vezes omissos, como acontece nos nossos dias.
Para que o Pastor Alemão Branco não se extinga e acabe “suíço” de uma vez por todas, por força da endogamia que produz a alteração, é necessário enveredar-se por uma “política de quadro aberto”, caracterizada por beneficiamentos entre a variedade branca com as restantes admitidas pelo estalão da raça, a bem da sua continuidade e perpetuação, o que em termos laborais só traz vantagens, ainda que choque com os pruridos de alguém. Parece ignomínia o que acabámos de dizer, mas se o é, há quem se borrife nisso, porque pela calada da noite, gente conhecedora e creditada, inconfessa e bem intencionada assim procede por esse mundo fora. De que outro modo como poderiam os Pastores Brancos acompanhar a evolução da raça, agarrando-se ao estalão de 20 de Setembro de 1899 ou ao de 28 de Julho de 1901?
Mais sábios, honestos e justos foram os criadores dos Pastores Belgas, menos atormentados pelo eugenismo negativo, que consideraram quatro variedades dentro da mesma categoria (Pastores Belgas): o Groenendael, o Tervuren, o Laekenois e o Malinois, admitindo registar um Tervuren filho de pais groenendael e vice-versa, apesar da sua incidência ser cada vez menor. Em face disto, o que obstará para que os Pastores Alemães Brancos sejam considerados uma variedade da raça? Somente as amarras aos erros do passado, a burrice e a teimosia! Os esforços da Nicole deverão ser endereçados à SV (Verein für Deutsche Schäferhunde), porque se ela aceitar a abolição da discriminação, não será a FCI que a manterá nem tampouco os suíços. Estamos convencidos que mais cedo ou mais tarde a justiça será feita, isto se houver mais gente como a Nicole e o seu pai.
Por aqui toda a gente sabe que somos adeptos dos cães de trabalho e que não nos enganamos com aqueles que sendo de beleza se adornam com mais-valias desportivas, que apenas servem para decorar o pedigree e que estão ao alcance de qualquer cão, independentemente da sua qualidade individual, do seu grupo somático ou propósito racial. Por causa disso criámos e treinámos Pastores Alemães ao longo de décadas, experimentando cães das mais variadas linhas e de todas as construções cromáticas, indivíduos pertencentes à variedade dominante, às recessivas e às desprezadas pelo actual estalão da raça. De acordo com a nossa avaliação, o Pastor Alemão actual peca por falta de equilíbrio emocional, variando entre o bonacheirão e o briguento quer desprezando qualquer provocação ou entendendo tudo como tal. Essa lacuna depois de constatada veio a ser colmatada com o contributo das variedades unicolores, naturalmente mais seguras e por isso mesmo mais concentradas, com maior capacidade de aprendizagem e com superior impulso ao conhecimento. Graças a isso chegámos aos cães de manto vermelho, noutras latitudes considerados como cor de areia, solid red ou dourados, pastores vermelhos unicolores de excelente qualidade, de que oportunamente falaremos amiúde, também eles oriundos dos pastores brancos outrora aceites, ainda que os nossos nada tivessem de branco na construção, como atrás já o dissemos e fizemos saber.
Pelas nossas mãos só passaram uma dúzia de pastores alemães brancos, todos eles descendentes de pais preto-afogueados (capa preta), propriedade de um casal idoso que morava para as bandas de Carnaxide. Posteriormente adquirimos duas cadelas dessa variedade e doutra procedência, no intuito de as testarmos dos pontos vista cognitivo e reprodutor. Treinámos somente dois “pastores suíços” e até nos esquecemos que não eram alemães! Temos aconselhado a compra de Pastores Alemães Brancos e quem os adquiriu muito nos tem agradecido. Há um só Pastor Alemão, apesar de nele haver cinco cores sólidas diferentes e combinações bicolores ainda mais numerosas. Mais do que na cor ou nas angulações, o Deutsche Schäferhund distingue-se dos demais pela sua versatilidade, marcha suspensa, capacidade de aprendizagem, facilidade na constituição binomial, raro sentido de alerta e apego aos donos. Agora que são conhecidas as maleitas produzidas pela endogamia na raça, a melhor das soluções aponta para o retorno à biodiversidade que ela ainda apresenta, o que dispensa de imediato a hibridação e implicará num certo retorno ao passado, ao concurso das outras variedades cromáticas desleixadas ou excluídas da actual selecção livres desse handicap, como é o caso do Pastor Alemão Branco, um beneficiador por excelência e que poderá vir a ter um papel nisso determinante. Ainda é possível voltar atrás e corrigir os erros do passado. Bem-hajas Nicole, não estás só: o teu combate é também nosso!

ELES FIZERAM-NO!

Eles fizeram-no! A Câmara de Lisboa pôs finalmente à disposição dos munícipes proprietários caninos dois parques para o exercício e sociabilização dos seus animais, um em Benfica e outro no Jardim Romântico do Campo Grande, agora melhorado, mais asseado mas menos romântico por estreitaram e encurtaram a sua atracção principal: o lago. A abertura do espaço aconteceu em Novembro do ano passado, quando menos se esperava e quando os mais cépticos julgavam ser impossível. Dele constam uma passerelle própria para todos os cães, um túnel de execução binomial, três verticais de 50cm consecutivas, apertadas e em curva para a direita, uma mesa e meia dúzia de postes que tanto possibilitam o slalom dos cães como os dos binómios. A delimitação do espaço é apropriada e a sua área seria aceitável se não se encontrasse já hoje super-povoada. O piso peca por falta de drenagem mas sobra sombra para o bem-estar de donos e cães.
O que é de louvar, apesar de tardio e ser único, é o bebedouro para os cães, apropriadamente colocado fora do recinto, elaborado em inox e bem concebido, considerando a sua altura, desenho, dimensões e higiene. Faltam outros pelos jardins da Capital, como estranhamente faltam bebedouros para os viandantes e turistas nos muitos jardins que Lisboa tem para oferecer. Quem optar por se deslocar a pé de Lisboa para Cascais ao longo da marginal, desprezando o “passeio marítimo”, apesar dos muitos jardins que terá pela frente, vai sentir essa falta, porque os chafarizes não existem, estão desactivados, avariados ou simplesmente alguém lhes deu sumiço, pelo que se lamenta que a água salgada seja imprópria para beber.
No nosso modesto entender, que outros mais doutos terão outro parecer, nem que sejam doutores por andarem carregados de livros e executores por conta do partido, diante do número de cães existente na Capital, urge multiplicar os espaços a eles destinados, até porque o seu número é bem maior do que o número de ciclistas de fim-de-semana e dos tenistas nas horas vagas ou no final do dia, tanto isolados quanto somados. Seria de todo conveniente, agora que existe essa sensibilidade, que se procedesse à construção de um parque canino igual na primeira metade do Jardim do Campo Grande, aquela que vai da rotunda do Monumento à Guerra Peninsular até à transversal que dá acesso à Avenida do Brasil, a mesma que comporta as desprezadas piscinas municipais, porque muitos dos munícipes que têm cães são idosos e há muito que deixaram de ser “papa-léguas”, ainda que gostassem de continuar a sê-lo, porque assim melhor se distrairiam do assalto às suas pensões.
E porque não levar a cabo iguais espaços em Monsanto, uma vez que cães e espaços verdes combinam plenamente? Será que os senhores autarcas que sobre nós governam ignoram que os cães precisam de pistas de manutenção e que a cinoterapia é importante para a saúde e bem-estar das pessoas? Em Monsanto os incómodos seriam menores, os parques poderiam ser maiores e melhor equipados, não havendo lugar a choque ambiental e a corte de árvores, reduzindo-se em simultâneo o risco de incêndios. Quer os senhores autarcas se lembrem disso ou não, quiçá não têm conhecimento, grande é número de pessoas com cães que ali se desloca diariamente, em rota de colisão com apaixonados, piqueniqueiros, cavalos, pedestres e ciclistas, numa molhada vândala que à cautela põe todos à espreita!
Não queremos usar frases gastas ou pensamentos por demais utilizados, como aquele atribuído a Ghandi que diz conhecer-se a grandeza de uma nação pelo modo como trata os seus animais, porque se tornaram por demais conhecidos e banalizados, mas agrada-nos de sobremaneira que a Câmara de Lisboa se tenha lembrado dos cães dos seus munícipes ao ponto de mandar construir-lhes dois parques, infra-estruras que nunca vimos nos países muçulmanos que visitámos e que por ali causariam certamente alguma estranheza. Sempre nos batemos pela existência desses espaços e vamos continuar a fazê-lo até que todos tenham acesso a um recinto público para os seus cães, porque é injusto, irrisório e abusivo cobrar licenças sem ter nada para dar em troca. De qualquer modo, pese embora a delonga, a Câmara de Lisboa está de parabéns e espera-se que as câmaras de outras cidades do País sigam o seu exemplo.

AVANTE JAVALIS E COELHOS

Não temos por norma comentar notícias vindas nos jornais diários, muito menos as publicadas pelo “Correio da Manhã”, porque são por norma sensacionalistas, ausentes de algum rigor e destinadas a quem se deleita com as telenovelas. Mas como a notícia metia cães e alguém nos chamou à atenção, lá acabámos por lê-la, esforço recompensado para hilaridade que nos ofereceu. Ao que consta, e isto não tem graça nenhuma, um tal de Manuel Baltazar, lá para os lados de São João da Pesqueira, tratado como “monstro” nas crónicas e presumível autor de um duplo homicídio e de mandar mais duas mulheres para o hospital (as assassinadas foram a sua sogra e uma tia e as hospitalizadas a ex-mulher e a filha), continua a monte e a polícia tarda em lhe deitar a mão. A notícia de primeira página dizia: “ CÃES DO MONSTRO NA CAÇA AO DONO”, o que acabou também por espevitar-nos a curiosidade.
Ao que parece e não sabemos de que iluminado partiu a ideia, a polícia serviu-se de três cães de caça do presumível assassino para o encontrar, ignoramos a raça de dois deles mas o captado perfila-se um Podengo, raça muito usada na caça a salto ao coelho. Toda a gente sabe e os caçadores em particular, que os podengos nacionais destinados à actividade cinegética valem mais pelo instinto do que pelo apego aos donos, caçando normalmente em matilha, sendo comum vê-los perdidos e a deambular pelas estradas, porque se afastam demasiado dos caçadores, mesmo com a caça à sua frente. A maneira como são tratados também obsta à cumplicidade desejável, uma vez que passam a maior parte do tempo acorrentados ou encerrados em míseros canis, sendo por norma transportados em reboques ricos em exíguas jaulas, invariavelmente de chapa e superlotadas. Não nos parece que os cães do agora a monte Manuel Baltazar houvessem alcançado melhor tratamento, atendendo à idade do homem, à tradição e ao modo como eventualmente tratou os seus familiares. Diante destes factos era mais do que sabido estar tal caça condenada ao fiasco, como veio a acontecer. Empenhada em capturar o homem, a GNR mandou agora avançar a cavalaria.
A opção da polícia por aqueles cães na caça ao homem, a ser verdade, mais parece uma iniciativa típica do Entrudo ou uma acção levada a cabo por um aldeão tido como “esperto”, que expõe ao ridículo as forças da autoridade e que não esconde o seu desespero. Um leitor do “Correio da Manhã” on-line tornou público o seu comentário à notícia, sem contudo saber que ele viria a ser o mais votado. Depois de questionar a polícia da possibilidade de usar outros cães, de rotular a sua acção de vergonhosa e de considerar que o presumível homicida lhe tem dado “bailinho”, aquele leitor avança com novas soluções, sendo uma delas esperar pelo Verão para lançar fogo à mata, porque o homem ou morrerá queimado ou então terá que sair lá. Como última opção adianta que a polícia se alie aos javalis e aos coelhos, já que o foragido é caçador (ler mais em: http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/nacional/portugal/caes-do-monstro-na-caca-ao-dono). Depois do que ele disse, nada mais temos para dizer, todavia estranhamos a presença dos jornalistas no meio daquelas operações, seriam eles avisados, estariam ali de férias ou cairiam ali de pára-quedas? Independentemente do caso, uma coisa é certa: a polícia saiu mal na fotografia.

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking semanal dos textos mais lidos ficou assim escalonado:
1º _ OS 7 FACTORES RECORRENTES NOS ATAQUES CANINOS MORTAIS, editado em 17/01/2014
2º _ A CURVA DE CRESCIMENTO DAS DIVERSAS LINHAS DO PASTOR ALEMÃO, editado em 29/08/2013
3º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011
4º _ PRAXES UNIVERSITÁRIAS: A RECRUTA DA PORNOCHACHADA?, editado em 07/02/2014
5º _ O DOX, A LINGUAGEM GESTUAL E NÓS, editado em 23/04/2014

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país ficou assim ordenado:
1º Brasil, 2º Portugal, 3º Estados Unidos, 4º Alemanha, 5º França, 6º Espanha, 7º Argentina, 8º Índia, 9º Angola e 10º Reino Unido.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

FLAGRANTES DA VIDA REAL

Duas jovens, a quem a novidade de algumas leis veio mesmo a calhar, circulavam num espaço público descontraídas nos seus afectos e pouco ou nada importunadas com o espanto que causavam, moças de 25 anos, bem diferentes entre si, uma mais arranjada e feminina e a outra mais máscula e pouco cuidada, dir-se-ia pouco limpa, seca de carnes e de modos. Distraídas pelo fogo da paixão, deixaram o seu cão afastar-se trinta metros, um molosso alupinado, grande e pujante, negro e branco, notoriamente hostil e à procura de confrontos. Feliz nos seus intentos, rosnando majestoso, o bicho avançou para cima de dois cães à sua frente que se encontravam atrelados. Afortunadamente foi barrado por um transeunte. Momentos depois, resoluta, a jovem mais masculinizada jogou-o ao chão e deitou-se sobre ele, obrigando-o a permanecer deitado de lado, com o joelho dela por cima dele. Quando confrontada por ter o cão à solta e o tratar daquela maneira, ela respondeu: “o cão não é perigoso, só tem um ano de idade, ajo assim para o acalmar e a partir daqui já não falo mais com o senhor!” Depois de ter amochado o animal por alguns minutos, atrelou-o e dirigiu-se à sua companheira que se encontrava afastada, partindo dali as duas abraçadas, acalentadas por um voluptuoso beijo que trocaram. Não restam dúvidas: tal como acontece com as pessoas, há cães com pouca sorte!

A SENSIBILIZAÇÃO QUE A CRISE FAVORECEU

Costuma ouvir-se que “há males que vêm por bem” e assim está a acontecer com os rafeiros em Portugal, por força da crise económica que se abate sobre a maioria dos portugueses. Hoje as feiras do animal, onde se oferecem cães e gatos, são mais concorridas que as exibições ou provas caninas, já que as últimas têm menos participantes e menor número de interessados. Depois de longas décadas de sensibilização, as associações de recolha de animais viram o seu esforço premiado, não tanto pelas suas campanhas mas pela austeridade que por cá grassa e que tem levado muitos à aquisição de cães sem raça definida, porque são gratuitos, mais rústicos, mais saudáveis e menos exigentes. Bastará a quem duvidar, caso queira sair à rua, aquilatar do seu número nos espaços públicos, onde em média passeiam 12 rafeiros para cada cão de raça, havendo locais onde é difícil encontrar algum com raça definida, apesar dos seus criadores, a dar as últimas e com a corda ao pescoço, os venderem agora a um preço quase simbólico. E quem não quiser sair à rua, já que nas cidades pôr o pé fora de portas implica em gastar dinheiro e ele está caro, poderá certificar-se disso pela consulta dos preços anunciados no “OLX”. 
Há 15 anos atrás, um Retriever do Labrador chocolate custava 1.250€, agora é possível adquirir um somente por 250€ e com jeitinho ainda o levam a casa, o mesmo sucedendo com outras raças. Até aquelas mais procuradas, as que constam no Anuário do Clube Português de Canicultura, viram o seu preço reduzido, sendo agora vendidas a 2/3 do seu valor no passado. Hoje como nunca é possível adquirir um bom cão por uma bagatela! A importação de cães diminuiu drasticamente e os que nos chegam, por serem baratos, são de qualidade duvidosa, de criações menos dispendiosas ou resultado de algum excedente, porque doutro modo jamais dariam lucro. Longe vai o tempo em que se comprava um cão no estrangeiro por 300 ou 400€ e se vendia aqui por duas ou três vezes mais. Diante do empobrecimento geral do País sobrou a prata da casa e os rafeiros viram aumentada a sua procura, ocupando agora espaços e lugares de outros tidos com mais “nobres”. Também a lei sobre os cães perigosos, a carga tributária sobre a classe média e o desemprego inviabilizaram de sobremaneira a aquisição de cães de raça. Não obstante, nunca foi tão fácil resgatar um cão de raça pura num canil de adopção.
Assim como se perdeu o pudor de ir comprar roupa às lojas dos chineses, também elas em crise (muitas já fecharam por ausência de liquidez), também o português comum se contenta com um rafeiro ajeitado, dócil, dedicado e amigo, havendo-os de todas as cores e tamanhos, alguns substancialmente mais bonitos que outros tornados raça a partir da aberração. Os parques e jardins públicos estão mais seguros e sossegados, porque os cães sem raça definida são por norma mais sociáveis, têm menos pruridos, causam menos incómodos, dificilmente se hostilizam e não metem medo a ninguém. Contudo, falta vencer a batalha contra o abandono dos cães, já que o seu número tem aumentado vertiginosamente a cada dia que passa, fenómeno esperado que tem desesperado quem optou por lhes valer, porque quando a comida falta em casa, o cão é o último a comer (se comer) e quando importa aliviar o carrego… o pobre bicho que vá para o diabo que o carregue! Apesar do número de cães adoptados ter aumentado, existe um profundo défice entre a adopção e o abandono, problema de difícil resolução com ou sem crise, muito embora ela tenha agravado a situação. Tragédias à parte, os rafeiros nunca foram tão procurados, adoptados, tornados cúmplices, adestrados e usados como agora, numa proliferação que relembra os tempos idos, agora retornados, da economia de sobrevivência, quando só os mais ricos podiam comprar cães e os pobres se contentavam com os rafeiros.

O DOX, A LINGUAGEM GESTUAL E NÓS

O Dox von Coburg Land (1946-1965), um CPA de origem alemã que foi adestrado como cão-polícia em Turim (Itália), é um ícone e a maior referência entre os Pastores Alemães, apesar da sua história ser desconhecida por muitos dos actuais apaixonados e criadores da raça, não obstante ter sido eleito 13 vezes como melhor cão policial do mundo, resolvido 171 processos penais, capturado e denunciado 153 bandidos, ladrões e assassinos, encontrado 136 pessoas idosas e crianças, operado 46 salvamentos, ter sido ferido 7 vezes e ter ganho 11 medalhas de ouro e 27 de prata, números confirmados oficialmente e depois lavrados na sua estátua para a posteridade. Pelo que foi e pelo que fez, vale a pena relembrá-lo, decorridos quase 50 após a sua morte e diante do fraco préstimo da maioria dos pastores actuais, cuja selecção, ao descurar o impulso ao conhecimento, traiu os propósitos da raça, comprometeu a sua capacidade de aprendizagem e tornou dispensável o seu uso.
Não se pode falar do Dox sem se mencionar a figura do seu treinador, porque se o cão foi excelente, a sua utilidade ficou a dever-se ao aproveitamento e aperfeiçoamento das suas qualidades pelo seu líder, também ele excelente e primeiro responsável pelo destaque binomial, o então Sargento Giovanni Maimone, que terminaria a sua carreira militar no posto de Brigadeiro. De outra forma como poderia “il Gigante” (nome pelo qual o Dox era conhecido pelos mafiosos e demais criminosos), desarmar armas, desmontá-las, remover carregadores e destruir cartuchos, para além de conseguir manter sozinho 12 homens perigosos dentro de um quarto, enquanto o seu companheiro solicitava reforços? É importante referir que naquele tempo não havia a divisão hoje existente entre cães de beleza e trabalho, sendo todos julgados em função dele, contrariamente ao que agora se vê, onde se impingem cães de beleza pró trabalho e se abastardam outros para esse fim. Por onde andarão os descendentes directos das linhas de Deininghauser e de Coburgo, em que mãos estarão e o que fizeram deles? Afortunadamente nós tivemos alguns!
Foi o conhecimento da história do Dox que nos levou a adoptar também a linguagem gestual no nosso método de ensino, o que veio a acontecer nos finais da década de 80 e que se mantém até aos dias de hoje, muito antes do estudo e contributo dos peritos em comunicação não verbal ter chegado até nós, dos quais destacamos o Prof. Albert Mehrabian, um iraniano radicado nos Estados Unidos e hoje professor emérito na Faculdade da Califórnia, que através da célebre equação com o seu nome, concluiu que numa conversa frente a frente, apenas 7% do impacto da mensagem se deve às palavras, 38% às matizes empregues, ao tom de voz e a outros sons e que 55% resultam apenas de gestos e posturas. Acontece que o Dox foi também ensinado assim, mediante a linguagem gestual, porque o seu dono comprou-o e levou-o sem autorização para o quartel da polícia, escondendo-o dentro do seu quarto, passando o cão a maior parte do dia sozinho e comunicando com ele através de gestos, para não serem denunciados. À noite saíam, mas nunca para dentro do campo de treino. Depois de descobertos, Maimone recebeu autorização para ficar com o Dox e pode treiná-lo como cão-polícia, entrando ambos para o serviço e destacando-se como o seu melhor binómio, apesar de penalizado nas provas por falta de “ Hörlaut” (comando verbal). E isto aconteceu 24 anos antes da primeira publicação de Mehrabian! Também recebemos uma dica nas nossas andanças pelas línguas clássicas, ao depararmos com Flávio Josefo (מתתיהו בן יוסף), um judeu historiador e latinista da antiguidade (Sec.I), que a certo ponto escreveu: “ quando os animais deixaram de falar, foi o gesto que permitiu aos homens falar com eles”.
O uso que temos feito da linguagem gestual no adestramento não nos tem isentado do recurso à linguagem verbal, uma vez que as usamos em simultâneo para a celeridade das acções e figuras, já que o mundo do cão é feito de sons e odores. Para além dos aspectos ligados à prontidão das ordens, usamos a linguagem gestual para evitar a tensão de quem ordena e o stress de quem obedece, quando é necessário reforçar a liderança para que o movimento humano atinja a resposta animal pela sincronia entre o gesto e a acção (cumplicidade), transformando a disciplina corporal na arte de ensinar cães, já que qualquer olhar, postura ou tom de voz, alcança mais do que o mais elaborado dos discursos. E porque estamos a falar de capacitação dos condutores, importa que melhorem a fala e que adquiram gestos que não interfiram no normal desenvolvimento pedagógico dos seus cães, condições quase omitidas nos actuais métodos de ensino, prontos a culpabilizar os cães e a descuidar a formação dos seus mestres, em particular quando os resultados ficam aquém das expectativas, como se os animais fossem uns pobres coitados e os donos houvessem sido bafejados pelo infortúnio. Pergunta-se agora: porque é que no passado recente todos os cães aprendiam, hoje o insucesso escolar canino é tão alto e sujeito a delongas?
Tratar da comunicação interespécies, que é disso que também trata o adestramento, é estender aos cães uma linguagem que lhes seja automaticamente perceptível e essa terá que ser a emocional, comunicação que se espraia na mímica, nos gestos e num conjunto de rituais, o que implica em dizer que um treinador de cães, mediante a sua postura corporal, vai adquirindo posturas e mímicas próximas à dos animais que ensina, adquirindo comportamentos que desnudam a sua actividade laboral. Uma vez desenvolvida esta habilidade, ele irá conseguir libertar sentimentos perceptíveis e apreensíveis junto dos animais que educa, acontecendo exactamente o mesmo com os etólogos que intentam comunicar com os lobos, o que não implica no abandono peremptório da linguagem verbal, já que ela é um precioso subsídio educacional quando usada correctamente, desejando-se inclusive que todos os condutores sejam portadores de uma voz poderosa, clara e modelada. Mas como nem todos conseguem alcançá-la, por entraves genéticos, ambientais ou traumáticos, é comum que se deixem vencer pela tensão corporal, advinda do esforço que leva a uma postura contraída e que não esconde as dificuldades da sua inaptidão. Nestas situações, a linguagem gestual tende a consertar aquilo que a voz destrói, surgindo o gesto como complemento da ordem, colocando-a perceptível e de fácil assimilação para os cães.
Através da mímica conseguimos recriar nalguns cães a naturalidade, a calma e o bem-estar que a selecção rácica lhes roubou, incapacidades que hoje muitos lamentam (criadores e proprietários), já que com o gesto estamos a reinventar o rito da comunicação interespécies. Nos cães agressivos a linguagem gestual opera a confusão que leva ao travamento, com o travamento vem a curiosidade e com ela opera-se o desenvolvimento do impulso ao conhecimento. Nos cães medrosos o recurso à mímica gera um sentimento de cumplicidade que carrega alento e os liberta do stress, fazendo-lhes despertar o gosto por aprender.
Ao longo de décadas ensinámos um número considerável de cães surdos, maioritariamente Dálmatas e Dogues Argentinos e nenhum deles ficou por ensinar, muito embora a tarefa não se tenha revelado fácil. Tal só foi possível graças à linguagem gestual. De que outra maneira lhes poderíamos valer nas curtas e médias distâncias? Esganando-os com as correntes dos enforcadores ou transformando-os em comilões inveterados? Importa alertar os condutores caninos para a condução à trela, que deve ser suave e atenta, pois há uma diferença significativa entre a mão que se estende em ajuda e aquela que estrangula, uma vez que não irão laçar lagartixas ou esganar jacarés. Não é fácil ensinar linguagem gestual, já que a sua aquisição não é automática, particularmente quando a maioria das pessoas perdeu há muito a capacidade de comunicar com os animais.
Mas se existe alguma transcendência operativa no adestramento, capaz de melhor aproveitar todo manancial que os cães têm para oferecer, ela resultará certamente da adaptação individual dos condutores, que desafiados para a prática da linguagem gestual, conseguirão melhor comunicar com os seus animais. È importante relembrar que as chaves da conquista amorosa residem nos gestos e nas atitudes, sendo exemplo disso o ritual de acasalamento entre os cães, havendo cadelas que detestam de imediato os cães que lhe são apresentados e cães que se desinteressam das cadelas que lhe são oferecidas para copular, o que vem dar razão a Josefo, Maimone e Mehrabian, e a nós também! Dificilmente sem a linguagem gestual será possível encetar manobras de surpresa bem sucedidas, quando a nossa vida e a do nosso companheiro possam estar em risco.
Foram muitos os binómios que entre nós se destacaram no exercício da linguagem gestual, por isso só manifestaremos alguns, pedindo desde já desculpas àqueles que não mencionámos: A.Crava/Sam, Beatriz/Warrior, G.Gamboa/Cherockee, Isabel/Orca, J.Gabriel/Master, Joana/Flikke, Jorge/Brownie, Maria D./Afonso, Mónica Madeira/Tarzan, Paulo/Alfa, Rui/Red e Sofia F./Zazou. Estes binómios como tantos outros provaram que é possível ensinar um cão em silêncio e desenvolver-lhe aptidões, assim como já havia acontecido entre o Brigadeiro Maimone e o Dox. Muitos deles realizaram façanhas que dificilmente veremos repetidas, factos que nos levam para diante e que dificilmente esqueceremos, agradecendo-lhes desde já a jornada que trilharam connosco. Regressando ao Dox, queremos divulgar uma foto de dum exercício deveras difícil que se tornou fácil para ele e que publicamos a seguir, para matar saudades e para homenagear este excelente cão.
Quantos Dox’s ainda veremos? Dificilmente voltaremos a ver mais algum, como não veremos outros iguais aos nossos: “ Afonso”, “Bibos”, “Brutus”, “Faruk”, “Francês”, “Juby”, “Ken”, “Roger” e “Warrior”, amigos fiéis que suavizaram as nossas vidas e que nos dedicaram as suas, companheiros incondicionais que nos fizeram crescer e de quem sentimos falta. Que pena não se poder ter um cão para toda a vida!

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking semanal dos textos mais lidos ficou assim escalonado:
1º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011
2º _ EU QUERIA UM PASTOR ALEMÃO, DE PREFERÊNCIA TODO NEGRO, editado 05/06/2010
3º _ A CURVA DE CRESCIMENTO DAS DIFERENTES LINHAS DO PASTOR ALEMÃO, editado em 29/08/2013
4º _ O MELHOR E O PIOR DO PASTOR SUIÇO: ANÁLISE TÉCNICO-FUNCIONAL, editado em 21/06/2011
5º _ PRAXES UNIVERSITÁRIAS: A RECRUTA DA PORNOCHACHADA?, editado em 07/02/2014

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país ficou assim ordenado:
1º Portugal, 2º Brasil, 3º Estados Unidos, 4º Alemanha, 5º Moçambique, 6º Reino Unido, 7º China, 8º Espanha, 9º França e 10º Coreia do Sul.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

AMIGO, ASSIM NÃO!

Um amigo nosso de longa data, pessoa que apreciamos e amante de cães, farto do peso hierárquico e da mediocridade que ele encobre, decidiu trocar o uniforme por uma vida menos visível e mais sedenta de arte e paixão, a bem da sua realização, enquanto homem, equitador e artista. Como não podia deixar de ser, porque essa é a sua inclinação, vive rodeado de animais, apego que divide com a sua nova companheira. Recentemente adquiriu uma cachorra pastora alemã, reconhecidamente valente, astuta e muito promissora como parceira e guardiã, que apesar da sua tenra idade, tenta impor-se aos dois cães adultos que com ela convivem, num amatilhamento heterogéneo idêntico ao das matilhas de caça grossa do finado El-Rei D. Carlos nos finais do Sec. XIX e alvores do Sec.XX. Um dos cães não lhe oferece resistência, porque é toy, está velho, “traz uma pata às costas”, vive um pouco à parte e foi acometido de leishemaniose. O mesmo não se passa com o outro, um bracóide activo, pujante e com marcas visíveis de amatilhamentos anteriores, que amiudadas vezes a “põe na ordem”, quando esta o incomoda ou intenta liderar as acções, enquanto o nosso amigo trabalha, monta, disserta sobre a energia cósmica, faz os seus esboços ou empreende as suas pinturas.
A submissão imposta pelo braco, facilitada pela diferença de sexo, idade, experiência, peso e robustez, acabará por submeter definitivamente a jovem pastora, operando a sua despromoção social e condicionando todo o seu potencial, já que obrigada a respeitar a dominância do cão mais velho, mais dado à “cavaqueira” do que ao ofício guardião, um excelente anfitrião para quem visita aquela casa, porque se encosta a quem chega e recebe carícias de quem lhas dá. Quando a cachorra atingir a maturidade sexual, se entretanto não for protegida das arremetidas do seu opositor, que por menos dolosas que forem deixam marcas, porque são lições de vida, será finalmente subjugada pela lei natural que sobre eles governa, dificultando ainda mais a sua recuperação e ascensão.
Se o objectivo do nosso amigo, companheiro franco, leal, esforçado, bom ouvinte e interessado, for o de constituir uma matilha animal para seu gozo e para gáudio de quem o visita, então não deverá intervir e deixar as coisas como estão, porque sem grande esforço da sua parte isso acontecerá, já que o braco isso fará sem maiores delongas. Mas se o seu objectivo for o contrário, o de formar uma matilha funcional que lhe guarde a casa, então será obrigado a intervir rapidamente e antes que seja tarde demais, para que a hierarquia animal não comprometa ou obste ao seu desejo. E dissemos isto porque a cachorra tem 3 meses e meio de idade e por norma aos 6 o escalonamento hierárquico já se encontra consolidado (aceite). Assim, deverá dar mais atenção à cachorra, chamá-la mais para si e dedicar-lhe mais tempo, consolidar a relação binomial1, adestrá-la e exercitá-la para o efeito, respeitando as regras relativas à boa instalação doméstica2 e capacitando-a de acordo com o “Quadro de Crescimento Funcional”3. Ela deverá ter um espaço próprio e ser ensinada em separado. Não obstante, deverá brincar com os outros cães para que se sociabilize, ainda que debaixo da supervisão do dono para se evitarem os abusos do cão mais velho. Depois de devidamente aproveitada e capacitada, capaz de se defender, madura e robusta, a cachorra irá ainda ajudar-nos, pelo exemplo, na recuperação do cão mais velho, transformando a outrora matilha animal em funcional.

1. RELAÇÃO CUMPLICE QUE O TRABALHO OFERECE, ADVINDA DE “BINÓMIO”, TERMO ATRIBUÍDO NA CINOTECNIA AO CONJUNTO HOMEM-CÃO. 2. SUMULA DE PROCEDIMENTOS QUE VISA A RECUPERAÇÃO OU POTENCIAÇÃO DO SENTIMENTO TERRITORIAL CANINO. 3. QUADRO DE ATRIBUIÇÕES LABORAIS DE ACORDO COM A IDADE DOS CACHORROS QUE COMPREENDE, PARA ALÉM DA GINÁSTICA, AS 3 DISCIPLINAS CLÁSSICAS DO ADESTRAMENTO (OBEDIÊNCIA PISTAGEM E GUARDA).

RESISTIR ATÉ PARTIR OU CAIR PARA NÃO SOFRER?

No treino de matilhas funcionais constituídas por três ou mais de cães, na ocasião dos seus ataques, os figurantes carecem de frieza ao invés de se deixarem surpreender pela emoção ou pela adrenalina, em abono da sua integridade física e melhor capacitação dos animais. Caso contrário, poderão sair dali seriamente lesionados, o que a ninguém aproveita. Mais vale cair de bruços do que do resistir continuadamente ao ataque de dois ou mais cães sobre o mesmo flanco, particularmente se as arremetidas visaram a mesma perna. Nos casos em que os ataques se distribuem equilibrados sobre os dois flancos e não há como rechaçá-los, depois de oferecer alguma resistência, os figurantes deverão efectuar a usual “queda na máscara”, isto se os seus braços se encontrarem libertos. Sempre que um figurante se encontre exausto, indisposto, em risco ou ferido deve solicitar a cessação dos ataques.
Dentro do mesmo raciocínio e visando a protecção destes auxiliares, exige-se particular atenção a quem comanda as acções ofensivas, já que a capacitação dos animais não justifica o dolo nem a incapacidade temporária ou permanente dos homens transformados em cobaias. Como os figurantes experimentados sabem aproveitar os derrotes provocados pelos cães para as projecções ao solo (para se deixarem cair), é de todo conveniente que os figurantes eventuais sejam nisso instruídos e habilitados.

O DIOGO E A MEL NA PISTA TÁCTICA

O Diogo, proprietário da Mel, uma cachorra Labrador chocolate com seis meses de idade, decidiu iniciá-la nas pistas tácticas, acompanhando-nos numa deslocação ao exterior, onde a introduziu a várias obstáculos elevadores (passerelle, paliçada e bidons), desafios próprios para a sua idade, que a cachorra aceitou de bom grado e que prontamente resolveu com alegria, denotando especial predilecção pela passerelle.
Para além desses obstáculos, a Mel foi ainda convidada para o Extensor de Solo, um aparelho corrector que usamos nas pistas tácticas no aquecimento, para a correcção de aprumos, para a recuperações de lesões ou traumatismos ligeiros e também para avivar a marcha dos cães. Aparelho que veio mesmo a calhar, já que ela sofreu recentemente uma luxação no ombro esquerdo. Bom seria que lá voltasse e que melhor usufruísse dos seus benefícios. De princípio a tarefa não foi fácil, porque a Mel é muito curta de mãos e desloca-se tendencialmente de cabeça baixa mas após algumas repetições lá evoluiu confiante e conforme o desejado.
Os Bidons, porque obrigam a três transposições consecutivas, obrigaram-na a um esforço complementar, tanto pela novidade como pelas suas características, mas que em simultâneo a robusteceram dos pontos de vista psicológico, cognitivo e físico. Com a prática destes obstáculos também se robusteceu a liderança e o quadro experimental deste binómio, tornando-o mais pronto e apto para novos desafios.
A Mel, como muitos cães, não sabia nadar, chapinhando apenas de mãos e entrando em exaustão. Como houve oportunidade, acabámos também por ensiná-la a nadar, tarefa em que fomos ajudados pelo macho-alfa da matilha funcional ali residente, tirando também partido de uma piscina à disposição e de um excelente dia de sol. Feitas as contas, um dia cheio de agradáveis novidades para este binómio!
O Diogo acabou também por contribuir para uma melhor prestação da matilha funcional ao seu redor, prontificando-se como figurante para as suas capturas, tarefa que voluntariamente abraçou e bem cumpriu, o que muito lhe agradecemos. Passam os dias e cresce a saudade, havemos de lá voltar, outros desafios esperam-nos e há muito que aprender!

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking semanal dos textos mais lidos ficou assim ordenado:
1º _ PRAXES UNIVERSITÁRIAS: A RECRUTA DA PORNOCHACHADA?, editado em 07/02/2014
2º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011
3º _ O CÃO LOBEIRO: UM SILVESTRE ENTRE NÓS, editado em 26/10/2009
4º _ EU QUERIA UM PASTOR ALEMÃO, DE PREFERÊNCIA TODO NEGRO, editado em 05/06/2010
5º _ A CURVA DE CRESCIMENTO DAS DIVERSAS LINHAS DO PASTOR ALEMÃO, editado em 29/08/2013

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país deu o seguinte resultado:
1º Portugal, 2º Brasil, 3º Estados Unidos, 4º Alemanha, 5º Canadá, 6º Reino Unido, 7º China, 8º França, 9º Bélgica e 10º Suíça

sábado, 5 de abril de 2014

O GUARDA DAS GALINHAS

Apesar de serem considerados perigosos à luz da lei e de se encontrarem sujeitos às suas penas, ainda continuamos a ouvir relatos sobre cães que atacam toda a sorte de animais (ovelhas, cabras, gatos, coelhos, galinhas, patos, cisnes, aves de ornamentação e daí por diante). E vamos continuar a ouvir se não tivermos o cuidado de os sociabilizar com essas espécies. Se desprezarmos o momento certo para o fazer, a tarefa revelar-se-á mais difícil e poderá não dispensar o castigo que induz à inibição ou a paciente troca de alvos que não dispensa a recompensa, isto se os cães em questão não se encontrarem devidamente treinados. É curioso reparar, por ser caricato e não deixar de ser estranho, que muitos desses ataques são efectuados por cães cuja primeira vocação é o pastoreio, transformando-se assim em pilha-galinhas ou em lobos devoradores. Quando averiguados, descobrimos tratar-se de cães que nunca se familiarizaram com outros animais, por se encontrarem presos ou porque nunca lhes foram apresentados.
A altura certa para se familiarizar um cão com o gado ou com outro tipo de animal doméstico, porque a sociabilização sem o contributo da familiarizarão é forçada, é logo em cachorro, depois de desmamado e autónomo, antes dos 4 meses e pelo convívio diário (quando tal for possível e daí não lhe resulte qualquer risco), altura em que melhor aceita as diferenças pela sua fragilidade e necessidade de integração, vindo posteriormente a considerar esse animais como membros do seu grupo familiar e por consequência a protegê-los. E dizemos antes dos 4 meses porquê, uma vez que os cachorros só a partir daí começam a seguir o seu bando, a segui-lo e a escalonar-se dentro dele? Se o cão for de raça pequena essa familiarização poderá acontecer até aos 6 meses de idade (antes da sua maturidade sexual), mas se for um Serra da Estrela, um Pastor Alemão ou um cão de igual tamanho ou maior, enfrentaremos as dificuldades advindas do seu tamanho e porte, factores que poderão levá-lo a medir forças com os animais ao seu redor e a identificá-los como presas.
É óbvio que o perfil psicológico do cão deve ser considerado. Por vezes, devido ao distanciamento, rotulamos os pastores de ignorantes e rudes, quando na verdade deveríamos aprender com eles e tirar lições da sua experiência, porque bem cedo instalam os seus cães no curral, prendendo com uma corda à cinta os maiores que não criaram e que mais tarde utilizarão, familiarizando-os primeiro e adestrando-os depois, contrariamente ao que acontece nas cidades, onde muitos cães chegam ao treino sem qualquer tipo de sociabilização.
Como se depreende, a familiarização e posterior sociabilização dos cachorros com os outros animais não será automática, porque todos precisam de se habituar uns aos outros, o que não os livrará de algumas pequenas bicadas, marradas ou arranhadelas, lições que aprenderão para a vida e que os farão respeitar e não abusar das outras espécies com quem coabitarão. Mesmo assim e considerando a salvaguarda dos cachorros, no início desse processo pedagógico, a sociabilização a haver não dispensará quer a presença quer a arbitragem dos donos.
Os cachorros destinados a guardar capoeiras ou viveiros de aves, jamais deverão ser alojados dentro desses habitáculos, considerando os riscos para a sua saúde, devendo por isso ser instalados no seu exterior e nas áreas destinadas ao exercício e robustecimento desses animais. Para além dos aspectos ligados á saúde dos cachorros, há que considerar a ocorrência de ovos e pintos, menus muito apreciados pelos cães, que alertados pelo cantar das galinhas e pelo piar dos pintos, bem depressa os deglutirão. Também porque as aves entram em choco e mudam o seu comportamento, tornando-se mais frágeis e apegadas ao ninho, o que as torna mais vulneráveis e apetecíveis, convém deixá-las separadas dos cães, para que não abandonem o ninho e acabem mortas (estraçalhadas).
Inicialmente, a habituação dos cachorros às galinhas deverá acontecer com elas fechadas dentro da capoeira e só depois com elas em liberdade. Quando as aves se encontram à solta não convém ter ração no prato dos cachorros, porque elas tendem a comê-la, atitude que desagrada aos cães e que poderá levar à luta pela sua posse ou protecção, o que desnecessariamente comprometeria de sobremaneira a sociabilização procurada. Os cães guardam as capoeiras por quase dos assaltos perpetrados pelas raposas nas zonas rurais do interior e não por causa dos comuns larápios, mas se o cinto continuar a apertar, o regresso dos “pilha-galinhas” pode acontecer. Se pretende construir uma capoeira e está em Portugal, vamos alertá-lo para um perigo: o popular “saca-rabos”, um mangusto introduzido na Península pelos árabes, cujo nome científico é “Herpestes ichneumon”, que por mão humana saiu do Sul e do Sudoeste e invade agora todo o País, muito embora as doninhas tenham a mesma preferência e produzam idêntico estrago.
O “saca-rabos” é um predador diurno que ao encontrar comida fácil e na ausência de coelhos bravos, está a alterar os seus hábitos de predador, caçando agora também durante a noite. Quando consegue entrar numa capoeira, porque caça em grupo, a “limpeza é geral” e raramente algum coelho ou ave se escapa. O seu número tem vindo a aumentar porque o seu predador natural, o “lince” (Lynx pardinus), se encontra em vias de extinção. Devido à sua morfologia, o “saca-rabos é capaz de entrar pelas malhas das redes mais comuns e passar por debaixo das portas das capoeiras, o mesmo acontecendo com as doninhas (Mustela nivalis), que também caçam à noite e que são ainda mais cilíndricas e mais pequenas (ver foto abaixo).
Diante destes invasores, os cães deverão encontrar-se soltos para lhes dar caça. Por precaução, as capoeiras deverão ter fundações com uma profundidade mínima de 50cm, o seu piso constituído em placa de betão com uma espessura mínima de 25cm, portas metálicas inseridas em caixilho e redes rígidas de quadrados com 1cm de lado. As áreas descobertas das capoeiras deverão também levar rede, para impedir os ataques das aves de rapina (águias, milhares, corvos, mochos e corujas). Para dificultar ainda mais a acção dos pequenos mamíferos predadores, a área circundante à capoeira deverá ser iluminada à noite. Também à noite, nas áreas mais isoladas ou rodeadas de matagais, para reforço da segurança, as redes da capoeira poderão ser protegidas com cercas eléctricas, das vulgarmente usadas para delimitar as áreas do gado bovino, podendo ainda haver lugar à colocação de armadilhas próprias nos acessos à capoeira, que sendo específicas para esses animais, não acarretam qualquer risco para os guardiões.
Nas áreas onde existem gatos é possível que algum caia nas armadilhas, porque eles são caçadores, apanham pássaros, caçam coelhos, matam pintos e também vão aos ovos das galinhas quando têm fome. Como as armadilhas são simples gaiolas de captura, não lhes causam nenhum dano, basta soltá-los e deixá-los ir à sua vida. E se houver algum risco, esse será para quem os irá soltar, porque embravecidos pelo cativeiro forçado e na ânsia de se libertarem, não hesitarão em morder ou arranhar qualquer mão desprevenida, de atacar os olhos ou a cara, causando escoriações incómodas e difíceis de sarar. Os cuidados a haver com os gatos são os mesmos para o saca-rabos e para a doninha. Caso seja vítima do ataque de algum deles, não hesite, dirija-se ao centro de enfermagem mais próximo e solicite a aplicação duma injecção de soro anti-tetânico, caso a sua vacinação contra o tétano não se encontre em dia.
Depois de sociabilizar os cães, há que facilitar e optimizar o seu desempenho. Eis em síntese como melhor sociabilizar um cão de pastoreio, como formar um guarda de capoeiras, quais os invasores que terá pela frente e como ajudá-lo na tarefa. Para proteger um rebanho dos lobos não há nada melhor que um molosso, para guardar capoeiras qualquer bracóide ou vulpino servirá, desde que activo, caçador e convenientemente sociabilizado. Se os ladrões de galinhas retornarem e os javalis incomodarem, então os bracóides terão que ceder lugar aos lupinos ou aos molossos, ainda que os lupinos sejam mais difíceis de sociabilizar com os animais em cativeiro e os molossos sejam mais lentos a escorraçar intrusos, apesar de mais temidos pelos javalis.