Quando
chegámos ao Oeste da Estremadura portuguesa ninguém conhecia outra variedade
cromática do Pastor Alemão a não ser a bicolor preto-afogueada. Volvidos vinte e
dois anos, qualquer saloio que se preze, quando inquirido acerca dos cachoros
que tem para venda, logo dirá: “qual é a variada cromática que o senhor procura?”
De um momento para o outro, assim se passou também com as urbanizações, as
variedades recessivas da raça multiplicaram-se nos Concelhos ao redor de
Lisboa, numa altura em que o lobeiro estava fora de moda e os cães negros eram
entendidos como Pastores Belgas. O entusiasmo da novidade foi tão grande que o
número de criadores do Cão de Pastor Alemão aumentou a um ritmo nunca visto
naquelas paragens, particularmente numa década, a de noventa, em que o dinheiro
parecia cair das árvores e nunca mais acabar. Das capoeiras doutrora começaram
a sair cães unicolores negros, vermelhos e cinzentos, grande variedade de
lobeiros, vários exemplares de pêlo comprido e um número ainda maior de cães
para exposição. Inevitavelmente, esse aumento das distintas variedades induziu
à proliferação das escolas caninas, na relação fácil entre a criação e o
adestramento. Igual fenómeno aconteceu em menor escala por todo o litoral
português, ainda que desacompanhado do indispensável conhecimento erudito, o
que muito tem contribuído para a elevada ignorância relativa à formação e selecção
das distintas raças caninas.
Exemplo do que acabámos de dizer, é o estranho
anúncio dos pastores alemães “castanhos” à venda na Internet. Ao olharmos para
a fotografia adiantada, apesar da má qualidade da imagem, rapidamente
concluímos tratar-se de pastores alemães bicolores “chocolate”, entendidos na
língua inglesa como “liver” (fígado). Esta variedade cromática é pouco comum e
a unicolor que esteve na sua origem ainda é mais, por força da procura e
obtenção da actual variedade dominante. Para que estes cachorros surjam, é
necessário que ambos os progenitores sejam recessivos nessa variedade ou que um
deles seja chocolate e o outro recessivo nisso. O retorno à variedade unicolor
passará pela contribuição de um progenitor de qualquer cor, desde que unicolor
e recessivo nessa variedade cromática. Estes cachorros nascem com os olhos
azuis ou verdes e mudam a sua cor por volta dos 4 meses, passando a diferentes
tons de amarelo (esverdeado ou alaranjado), sendo mais claros ou mais escuros
segundo a intensidade da cor do seu manto. A variedade é precoce e lembra o
negro, é mais robusta do que ele e sofre os mesmos horrores com o calor. Não
avisa muito e intimida pelo contraste entre os olhos e o manto, dotando os cães
de um olhar frio que pode ser mal entendido como desconfiado. Em tudo o resto
são iguais aos outros Pastores Alemães, apesar de mais depressa pararem o
trânsito do que os demais, devido à raridade e ao deslumbre da sua cor. Quantos
já não terão sido eliminados para encobrir uma pretensa bastardia ou
degeneração? A ignorância tem destas coisas!
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