Olhando para trás e relembrando os milhares de
condutores que instruimos, é impossível esquecer o “grupo dos apressados”, gente
apostada na brevidade do treino, pródiga em bitaites e confiada em palpites,
que apenas queria que o seus cães lhe obedecessem e que desaparecia quando se
via satisfeita, sem compreender que o adestramento se baseia na permuta entre o
serviço dos cães e a protecção que lhes devemos. Subsiste entre nós uma corrente
filosófica de cariz popular que poderemos alcunhar de “nacional-porreirismo”,
baseada no descuido e em consensos que não levam a parte alguma, como se o
Mundo fosse cor-de-rosa e tudo acabasse em bem. Essa irreflexão, própria dos
imprudentes, que nada acautela, prepara, evita ou antevê, quando transportada
para o adestramento e estendida aos seus mestres, acaba por vitimar os cães e
condenar alguns à morte.
Estamos a
falar da “recusa de engodos”, tarefa prioritária do ensino canino e
indispensável para os cães de guarda, mais-valia que deve também ser extensível
àqueles que vivem a maior parte do tempo sozinhos, quer se encontrem em
varandas, quintais ou grandes propriedades. Os cães que são soltos nos jardins
devem ser objecto da mesma capacitação, porque o perigo ronda e nem todos
gostam deles. A recusa de engodos compreende duas metas para o alcance do
objectivo final: a não aceitação de comida dada por estranhos e o desinteresse
por aquela que é jogada no chão. Primeiro treina-se na presença do dono e
depois na sua ausência, mercê da experiência negativa que facilita a inserção
do comando de “perigo”. O treino começa na escola e estende-se ao lar,
necessita de recapitulação e deve acontecer duas vezes por semana. Os iscos
devem ser variados, os horários alternados e as armadilhas dissimuladas. Os
“apressados” nunca tiveram tempo para isto e os confiados sempre desconsideraram
a existência do perigo, o que nos remete para o provérbio: “às cadelas apressadas
nascem os filhos cegos”. Até quando continuaremos a ensinar habilidades e a
colocar a vida dos cães em risco? Será preciso que morram mais? Anteontem
morreu um envenenado, amanhã poderá ser o seu! Será que isso só acontece aos
cães dos outros? Há que acordar para a realidade que nos cerca.
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