Quando o
Verão chega a Portugal, o melhor sítio para o desfrutar encontra-se no litoral,
na faixa compreendida entre os Cabos da Roca e Carvoeiro, no designado Litoral
Oeste, porque para Sul do primeiro o calor é insuportável e para Norte do
segundo a temperatura é substancialmente mais baixa. A época estival entre
Cascais e Peniche é por demais generosa para os veraneantes, porque o calor
advindo do interior peninsular é alternado
com a fresca brisa atlântica, o que permite um repouso seguro e prolongado.
Outrora essa suave nortada movia os moinhos de vento (hoje abandonados,
deteriorados e em desuso), coisa impossível de acontecer no Inverno, porque no
Oeste o vento pouco sopra e quando sopra, é por demais violento e rasa o
temporal.
Os portugueses ajeitam-se mal para os piqueniques
quando comparados com os práticos europeus mais à norte ou… ajeitam-se em
demasia, porque carregam para as praias e pinhais uma quantidade enorme de
acessórios e comida, mesmo quando oriundos de extractos sociais mais baixos. É
comum vê-los a assar sardinhas, pimentos, chouriços, bacalhau, frangos e febras
de porco. O vinho nunca falta e o pão também não, há quem faça ainda comida de
panela, caldeirada de peixe e arroz de marisco, invariavelmente complementados
com sobremesas variadas: pudim de ovos, pão de ló, salada de frutas, mousse de
chocolate, farofas e por aí adiante. Os lusos têm o mau hábito de comer bem, de
repartir com os outros e não sabemos como será daqui em diante.
À
imitação dos piqueniques, também o serviço de catering para as fimagens é geralmente abundante, variado e rico,
isto se houver quem o pague e a produção não viva em constante aperto, o que
infelizmente, tanto ontem como hoje, sempre acontece. Nós tivemos sorte quando
por lá andámos e não nos pudemos queixar. Cerca das duas da tarde, lá para os
lados de Ribamar, numa indústria de transformação de bacalhau, com a
temperatura a rondar os 35 graus centígrados e sem serviço imediato à vista,
depois de haver comido como um abade (outros diriam como um bruto), decidi ir
descansar virado para as ondas do mar. Peguei num dos cães que foi protagonista
nessa série de ficção, abri e reclinei a minha cadeira desdobrável, deitei o
animal aos meus e dei-lhe o comando de “quieto”, certo que iria descansar, com
o sol quente a bater-me na barriga e a brisa fresca a soprar-me nas orelhas.
Estava
redondamente enganado, porque o pastor alemão não parou por muito tempo quieto,
talvez incomodado pelo sol e movido pela procura de uma sombra, apesar de ambos
nos encontrarmos debaixo de uma árvore. Escapulia-se mal me ouvia ressonar e
pouco descanso me dava. Quando desaparecia, chamava-o pelo nome e ordenava-lhe
o “aqui”. E fiz isso vezes sem conta, até que finalmente se conformou com a sua
sorte, até porque não tinha outro remédio! Já mais descansado, adormeci,
embalado pelo mar a bater nas rochas e pelo silvo das gaivotas.
De repente e para surpresa minha, começo a ouvir:
“Bibos, aqui!”. Sem abrir os olhos, porque pensei tratar-se de alguma
brincadeira dum membro da equipa técnica, gente obrigada a extravasar pelo
stresse a que é sujeita e que não é pouco, soltei: “E se fosses brincar com os
meninos da tua idade?” O silêncio voltou
a reinar e o problema pareceu resolvido. Passados alguns minutos, outra vez: “Bibos,
aqui!” Farto da brincadeira, soltei um impropério e de olhos semi-abertos, olhava
em todas as direcções, na ânsia de surpreender, em flagrante delito, quem
estava a gozar comigo e a importunar o pobre do animal.
Munido de
uma vara, porque assim se dá caça aos malandrecos, com os ouvidos bem abertos e
as pernas tensas, fiquei alerta, tal qual predador à espera da presa. Por mais
que ouvisse chamar o cão, não avistava ninguém, nem perto nem longe! Finalmente
percebi que o som vinha duma cave que tinha a porta entreaberta. Entrei e
deparei-me com um papagaio cinzento, bem disposto e disposto a mostrar-me as
suas habilidades. Era ele quem chamava pelo cão. Segundo me disseram depois, ele
aprendia e reproduzia prontamente tudo quanto ouvia. Fiquei maravilhado com a
ave e mais ficaria se o cão não lhe obedecesse! Mais tarde foi-me oferecido um
da mesma variedade, um figurão de todo o tamanho e um verdadeiro “artista”, um
atrevido que conhecia todos os comandos verbais ministrados aos cães, que
quando ouvia “senta”, logo dizia: “deita, quieto” e… muitos cães obedeciam-lhe
pela mecanicidade das acções, em particular aqueles que não tinham sido objecto
da contra-ordem. Esta história verídica levanta três questões e adianta uma
conclusão: porque teimam certos donos em ser psitaciformes e psitacídeos?
Porque continuam a mandar ensinar os seus cães a outrém? Só para lhes dar
ordens? Para isso já cá temos os papagaios!
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