sexta-feira, 26 de abril de 2013

GRAVATA E TOQUE DE CALCANHAR: A SUBVERSÃO DA TÉCNICA

Certamente o homem leu alguns clássicos, teve algum contacto com o legado da escola alsaciana ou aprendeu com alguém que sabia muito (mais do que ele), embora seja um autodidacta, tenha evoluído a rumo próprio, conheça os remendos da arte (truques), seja tremendamende perspicaz, possua uma rara visão empresarial, comunique bem, saiba cativar e tire partido tanto das experiências positivas como das negativas para produzir alteração nos cães. É inegável que muitos já lhe passaram pelas mãos, nomeadamente os de companhia, com os quais se sente perfeitamente à vontade e familiarizado com os seus problemas e respostas. E dizemos isto em função do que nos chega pela televisão, ainda que com algum atraso, uma vez que faz bem a diagnose dos problemas, subverte a técnica para a sua resolução, é engenhoso, produz resultados quase instantâneos, dificilmente culpabiliza os donos, não olha a meios e não se sente muito à vontade com cães mais rijos. Ainda que os donos não saibam e os telespectadores também não, as soluções encontradas são remendos e por isso mesmo temporárias, funcionam debaixo da acuidade que lhe legitima autoridade e acabarão por desaparer quando ele virar costas, porque mais lhe importa o vedetismo do que a formação dos donos, responsáveis por mais de 90% dos desaguisados registados ao longo dos episódios. Estamos a falar do Sr. Cesar Millan e dos seus reality shows.
Esta é a terceira vez, e esperamos que seja a última, em que falamos deste “encantador de cães”, que nos é totalmente indeferente e que nada nos trouxe de novo. Ao que parece, porque não assistimos aos seus programas, ele teria aconselhado, diante dos cães que rebocam os donos e que se “penduram à esquerda”, o uso do toque de calcanhar em simultâneo com um puxão vertical da trela para a assimilação do comando de “junto”. Quer o homem se tenha feito compreender ou não, e ter ou não sido o mentor da ideia, a verdade é que a moda pegou e por todo o lado se vislumbra essa “terapia”, havendo alguns hábeis nas gravatas e outros primorosos nos toques de calcanhar. Como o treino é diário e intensivo, caso o Cristiano Ronaldo se viesse a cruzar com eles, certamente se sentiria embaraçado perante tamanha mestria.
Antes de se tratar dos sintomas importa desnudar o problema e as suas causas, geralmente ligadas à experiência directa dos cães, ao dualismo das vontades, à precariedade da condução e à revolta animal, que uma vez identificadas e posteriormente eliminadas, melhor resolverão o problema por ausência de fundamento. È importante não esquecer, como nota prévia, que o reboque dos donos é a primeira das razões que engorda o adestramento, uma dificuldade para ele bem-vinda por ser de simples resolução, apesar de por aí se “fazer render o peixe”! As dificuldades na condução dos cães à trela encontram razões no atrelar tardio, no uso indiscrimado dos peitorais, na ausência da trela no trato doméstico, na brevidade dos passeios, no desaproveitamento do sentimento gregário canino (o que aponta para uma má instalação doméstica), no desprezo pela liderança e no despreparo dos donos (físico, cognitivo e psicológico). Ainda sobram outras razões, mas estas são as mais frequentes para a eclosão do problema.

Agora vamos pregar para o cachorro que há-de vir, porque importa informar, já que os erros cometidos terão que ser remediados. Os cachorros deverão ser atrelados aos dois meses de idade, dois ou três dias depois de se terem acostumado à coleira. O uso dos peitorais não facilita a condução dos cães, antes a dificulta, porque foram concebidos para a tracção e para o reboque. Há casos, devido à fragilidade dos animais, em que o uso do peitoral é mais do que obrigatório. Estamos a falar dos cães toy ou miniatura que por norma não têm força para rebocar os donos e que desistem facilmente quando contrariados. Os cães devem aprender andar à trela em casa e depois na rua, pois há que aproveitar aquela fase em que andam à nossa volta e quase nos fazem tropeçar. Os cachorros acostumados a acorrer a todos, mais cedo ou mais tarde, tendem a evoluir a rumo próprio, a adquirir manhas e a mandar bugiar quem os tenta nortear. Cada cão deve ter só um líder que deve ser aquele que dele cuida, para se tirar proveito da relação óptima entre tratamento e treino. Daqui se compreende que não foi arbitrária a escolha do termo “tratador” para designar os cinotécnicos militares de hierarquia mais baixa, enquanto grosso das companhias ou grupos cinotécnicos. Atribuímos aos nossos alunos a designação de “condutores”  porque são civis, desnecessitam de qualquer promoção, não incorrem em despromoção e são donos dos seus próprios cães, o que não implica que na sua essência deixem de ser também tratadores, porque têm os animais ao seu encargo e para isso não se valem do trabalho de outrém.
A brevidade dos passeios diários mais induz à revolta canina do que à sua adaptação, porque não produz a habituação necessária, atenta contra o desenvolvimento salutar dos cães, provoca-lhes desequilíbrios, aumenta-lhes o stresse e promove a ruptura das vontades, porque um quer sair e outro só pensa em voltar para casa (o dono), tornando-se dessa forma oponentes um do outro, o que levará à resistência contra a trela. Grande número de cães, senão a sua maior parte, rebocará os donos por esta razão. Apesar dos animais serem os menos culpados, por força das dificuldades encontradas, os donos acabarão por levá-los cada vez menos à rua ou optarão por soltá-los onde não houver perigo, o que nem sempre acontece. Se a isto se juntar o despreparado que desconsidera a liderança, os cães farão dos seus donos trenós, rebocando-os para onde lhes aprouver, a “toque de caixa”, sistematicamente e para sempre.
Explicadas as razões do desacerto passemos ao conserto. A maneira mais inócua e simples para resolver o problema, muito em voga nos dias que correm, passa por cativar o cachorro a um brinquedo da sua preferência e a partir dele ganhar a condução alinhada pelo dono (“junto”). O brinquedo, geralmente uma bola (há quem use um churro para outras finalidades), vai na mão esquerda do condutor e é jogado de quando em vez para o cão o ir buscar, no intuito de lhe manter o interesse e servir de motivação. Este trabalho é primeiro desenvolvido com o cachorro em liberdade e depois passará, gradualmente, a ser executado com o animal atrelado. As figuras de imobilização seguintes ao “Junto” (Alto, Senta, Deita e Quieto), serão alcançadas também a partir da posição do brinquedo, que será reforçada com os comandos verbais a instalar. Há ainda quem substitua o brinquedo pela comida para o mesmo propósito, treinando com um saco de guloseimas preso à cintura. Estes métodos, tão velhos quanto o Mundo, quando usados na sua forma pura, sem recorrência a qualquer tipo de inibição, o que nem sempre é fácil, são de puro e simples reforço positivo, baseados somente em experiências positivas que evitam o contrariar dos cães, o dualismo das vontades e o estoiro dos donos, tornando o adestramento extensível a todas as pessoas independentemente da sua idade, robustez física  e habilidade técnica, tendo ainda como vantagens a celeridade no treino, o desempenho canino alegre e fortalecimento dos vínculos afectivos binomiais. Contudo, um dos métodos pressupõe um forte impulso ao movimento e o outro um bom impulso ao alimento. O que fazer com os cães que não têm nem um nem outro? Emagrecemos os primeiros e daremos fome aos segundos? Há por aí quem o faça despudoradamente, fique impune e se sinta erudito.
As desvantagens destes métodos, que na verdade são um só, ainda que com uma apresentação diferente, são o aumento da gula e da territorialidade que podem obstar a sociabilização canina inter pares, já que alguns cães irão lutar pela posse do brinquedo e outros pela comida que lhes surja pela frente, mesmo que não seja a sua. A somar a isto, o travamento e a cessação das acções, ao serem obtidas por condições extraordinárias, demorarão a acontecer, os alinhamentos binomais serão circunstânciais e a inibição inexistente. Como o método cativa os cães ao andamento dos seus donos, muitos deles não muscularão o necessário, em especial os trotadores rectangulares e os mais angulados, cujo andamento prioritário é a marcha e jamais o passo de andadura. Mas as maiores desvantagens, advindas da facilidade do método, recairão sobre os donos e acabarão por afectar também os cães, já que o exercício da liderança foi precário (porque aos donos pouco ou nada foi exigido), não evoluíram tecnicamente, não desenvolveram a capacidade atlética necessária para acompanhar os cães e acabaram por limitar a autonomia canina. Apesar deste método ter vindo a alcançar excelentes resultados nos cães de companhia e de agility, tem-se revelado insuficiente, quando usado em exclusivo, nos cães destinados à disciplina de guarda e nos entregues a outras especialidades, a despeito do seu carácter ser civil, policial ou militar. Desconsideramos aqueles que usam “gentle leaders”, “halti headcollars”, “lupi e halti harness” para a solução do problema, porque não tratamos o adestramento como doma e entendemos que a técnica não deverá ser subvertida pela potenciação da força.
Da velha escola alsaciana veio-nos a condução de mão direita, hoje entendida como “condução por desequilíbrio”, uma vez que o movimento da perna esquerda dos condutores obrigava os cães à convergência, funcionando como alavanca, o que os impedia de se “pendurarem à esquerda” e de rebocar quem os conduzia. O facto da trela se encontrar na mão direita facilitava o trabalho, já que a maioria das pessoas é destra. Ainda hoje essa técnica é utilizada, particularmente diante de cães mais persistentes e voluntariosos, apesar de produzir resultados a partir da coação e exigir constância nas acções, o que nos parece despropositado diante da relação de cumplicidade que procuramos entre cães e homens. Pelas mesmas razões substituimos os enforcadores por semi-estranguladores. E dizemos isto diante da opção que nos leva a acompanhar os ciclos infantis dos cachorros, verdadeiro antídoto contra o abuso das experiências negativas, muitas vezes responsáveis pelo “estoiro”, subaproveitamento e desinteresse de alguns cães. Esta solução só deverá ser endereçada para os mais rijos, para os que foram objecto de selecção prévia e que se destinam ao ofício guardião, exigindo por isso mesmo uma liderança inequívoca e incontestável, jamais para os mimados ou ávidos de excursão.
Com a generalização do uso da mão esquerda na condução, fortemente ligada às necessidades das novas modalidades desportivas caninas, a exigir duas mãos direccionais, o reboque dos donos aumentou quase na proporção do uso dos peitorais, pelo desuso da condução por desequilíbrio e pelo desconhecimento de outras técnicas. A condução de cães pela mão esquerda obriga à rotação sistemática do pulso, num movimento ascendente e para dentro, do dedo polegar para o mindinho afim de efectuar a reunião, normalmente quando a perna direita avança, exigindo em simultâneo um andamento que garanta a marcha dos cães, porque uma vez embalados dificilmente tomarão outras direcções. A opção pelo 3º andamento natural no treino irá evitar o fardo da inibição, carga que facilmente descambaria nos dois andamentos caninos anteriores (passo e passo de andadura). No entanto, não é errado procurar o “junto” com o cão a passo, especialmente diante daqueles mais persistentes no erro e a necessitar de correcção urgente. O uso do toque de desequíbrio efectuado pelo calcanhar direito do condutor sobre a garupa do animal, é uma medida extrema (violenta) associada à passagem da trela da mão esquerda para a direita (condução por desequilíbrio), que pode ser substituída pela já citada correcção a passo. O movimento da mão deve ser para a direita e não para cima, porque não pretendemos amendrontar os cães ou estancar-lhes a marcha. O recurso à mutação do lado de condução e à inversão de marcha (“Troca” e “Roda”), contribuem significativamente para a eliminação do problema, advindo do  atrelamento tardio que gera desencanto pela trela.
Talvez o homem da TV saiba disto tudo e intencionalmente o omita, porque “em terra de cegos quem tem olho é rei” e porque lhe importa conservar o estatuto de “encantador”, nem que para isso tenha que se valer de umas quantas patadas e ponha uns tantos a fazer o mesmo, a despeito da técnica, dos princípios elementares do adestramento e do bem-estar animal.

Ò FERREIRA, FERREIRINHA (MATA ADENTRO, RIO ACIMA)

Esta é uma histórica verídica sobre reeducação canina, aconteceu na década de noventa e teve como objecto uma podenga nacional gigante, chamada Ferreira, com dois anos de idade e oriunda de um canil que albergava uma matilha, evidenciando o animal o peso social de tal instalação. Se nos é permitido o desabafo, nesse tempo e não foi há tanto tempo assim, ainda se viam nas nossas matas alguns  Carvalhos-Cerquinhos (Quercus Faginea), resquícios da mata atlântica original que produziam bolota e também bugalhos, resultando os últimos do depósito dos ovos dum insecto nos seus ramos, que dentro deles se desenvolvia até à fase adulta. Se naquele tempo eram poucos, hoje quase desapareceram e há muito que servem de camada para as raízes dos eucaliptos ou apodrecem por debaixo das auto-estradas, apesar de mais resistentes ao fogo e de serem muitas e valiosas as suas aplicações. Ignoramos se esta espécie se encontra protegida. Oxalá que sim! Mais aliviados, passemos á história da Ferreira.
A cadela chegou-nos como recém-saída de uma câmara de tortura, abatida, desconfiada e famélica, tremia diante de tudo e de todos, comia às escondidas e se pudesse, a qualquer hora, se enfiaria num buraco para não ser vista. Como o seu problema era de origem social, muito embora reforçado por uma propensão genética, arranjámos-lhe um canil onde se sentisse à vontade, perto dos outros cães mas longe da sua interferência. Dispendíamos a maior parte dos dias com ela e entregávamos-lhe terrenos onde se sentisse rainha e senhora. Pouco a pouco, fomos inserindo nos seus locais de evasão alguns cachorros. No princípio não fomos bem sucedidos, porque ela afastava-se e perante a insistência dos cachorros mordía-lhes. Um mês depois já andava no meio deles sem problemas e capitaneava-lhes as acções. Quando a começámos a atrelar (ela nunca tinha sido atrelada), dependendo do ambiente ao seu redor, jogava-se no chão ou saía à desfilada e depois de sossegada preferia andar atrás de nós do que ao nosso lado. Com paciência, insistência e muito reforço positivo, depois de algumas semanas, que nos pareceram infindas, lá conseguimos que nos acompanhasse alinhada dentro do perímetro escolar.
Como o objectivo da sua proprietária era levá-la às exposições de beleza, fomos obrigados a passear com ela no exterior e fizemo-lo de modo progressivo, primeiro na mata e sem pessoas, depois nos passeios de uma localidade pouco movimentada e finalmente dentro do recinto de uma feira semanal. Apesar de termos alcançado o nosso duplo objectivo: a reabilitação social da cadela e a sua plena sociabilização, ainda não esquecemos as dificuldades e tropelias que com ela dividimos, pelo caricato e estranheza das situações vividas. Quando começámos a sair com ela para o campo, o simples estalar de um galho assustava-a de sobremaneira, o mergulho das rãs no rio faziam-lhe estancar o passo e tentar libertar-se da trela, reagindo do mesmo modo perante o levantar das aves, diante de espantalhos, plásticos a voar e o quando caminhávamos sobre superfícies irregulares. Resolvemos essas dificuldades iniciais com saídas matinais, com a colocação de um chocalho na coleira e muita cantoria. Logo pela manhã, rodeados de carvalhos-cerquinhos, saíamos para o campo a cantar “Ò Ferreira, Ferreirinha” acompanhados ao chocalho. A estrofe seguinte seria mais ou menos assim: “não nos dês cabo da pinha!” O que é certo é que a estragégia resultou e o recurso ao chocalho veio ainda a beneficiar outros cães. A Ferreira foi entregue à dona pronta, mas as suas alterações foram de pouca duração, porque a sua proprietária voltou a instalá-la no mesmo sítio e no seio da mesma matilha que a havia ostracizado. Independemente do nosso esforço, pergunta-se: não mereceria a cadela melhor futuro? Depois de rainha não voltou a ser gata borralheira? Depois admiram-se dos cães que fogem de casa!

O ESTRANHO ANÚNCIO DOS PASTORES ALEMÃES CASTANHOS

Quando chegámos ao Oeste da Estremadura portuguesa ninguém conhecia outra variedade cromática do Pastor Alemão a não ser a bicolor preto-afogueada. Volvidos vinte e dois anos, qualquer saloio que se preze, quando inquirido acerca dos cachoros que tem para venda, logo dirá: “qual é a variada cromática que o senhor procura?” De um momento para o outro, assim se passou também com as urbanizações, as variedades recessivas da raça multiplicaram-se nos Concelhos ao redor de Lisboa, numa altura em que o lobeiro estava fora de moda e os cães negros eram entendidos como Pastores Belgas. O entusiasmo da novidade foi tão grande que o número de criadores do Cão de Pastor Alemão aumentou a um ritmo nunca visto naquelas paragens, particularmente numa década, a de noventa, em que o dinheiro parecia cair das árvores e nunca mais acabar. Das capoeiras doutrora começaram a sair cães unicolores negros, vermelhos e cinzentos, grande variedade de lobeiros, vários exemplares de pêlo comprido e um número ainda maior de cães para exposição. Inevitavelmente, esse aumento das distintas variedades induziu à proliferação das escolas caninas, na relação fácil entre a criação e o adestramento. Igual fenómeno aconteceu em menor escala por todo o litoral português, ainda que desacompanhado do indispensável conhecimento erudito, o que muito tem contribuído para a elevada ignorância relativa à formação e selecção das distintas raças caninas.
Exemplo do que acabámos de dizer, é o estranho anúncio dos pastores alemães “castanhos” à venda na Internet. Ao olharmos para a fotografia adiantada, apesar da má qualidade da imagem, rapidamente concluímos tratar-se de pastores alemães bicolores “chocolate”, entendidos na língua inglesa como “liver” (fígado). Esta variedade cromática é pouco comum e a unicolor que esteve na sua origem ainda é mais, por força da procura e obtenção da actual variedade dominante. Para que estes cachorros surjam, é necessário que ambos os progenitores sejam recessivos nessa variedade ou que um deles seja chocolate e o outro recessivo nisso. O retorno à variedade unicolor passará pela contribuição de um progenitor de qualquer cor, desde que unicolor e recessivo nessa variedade cromática. Estes cachorros nascem com os olhos azuis ou verdes e mudam a sua cor por volta dos 4 meses, passando a diferentes tons de amarelo (esverdeado ou alaranjado), sendo mais claros ou mais escuros segundo a intensidade da cor do seu manto. A variedade é precoce e lembra o negro, é mais robusta do que ele e sofre os mesmos horrores com o calor. Não avisa muito e intimida pelo contraste entre os olhos e o manto, dotando os cães de um olhar frio que pode ser mal entendido como desconfiado. Em tudo o resto são iguais aos outros Pastores Alemães, apesar de mais depressa pararem o trânsito do que os demais, devido à raridade e ao deslumbre da sua cor. Quantos já não terão sido eliminados para encobrir uma pretensa bastardia ou degeneração? A ignorância tem destas coisas!

COMPANHEIRO DE SESTAS E GUARDA NOCTURNO

Ao nascer da aurora, um pouco antes das sete horas, com a terra a cheirar a fresco e com a névoa passageira a pairar sobre a planície, o gado mertolengo e o limousin saiem para o campo, o silêncio é quebrado pelo som distante dos chocalhos e pelo chilrear dos pássaros, não há vento e a rôla faz-se ouvir, breve passará um corvo e os gafanhotos começarão a saltitar sobre o restolho, as flores rasteiras abrem-se e o calor impiedoso aproxima-se. O dia rompe em força, o sol aperta, a luz quase cega e os olhos perdem-se pelo horizonte infindo. O maioral  e o seu companheiro não se vêem nem ouvem, vão ocultos no meio das reses, na mesma toada lenta marcada pelo romper dos cascos. Não há pressa, o dia é longo e ambos sabem disso - estamos no Alentejo!
Depois duma manhã a rapar, o gado sossega e separa-se, deita-se sobre a planície e espera pela hora  da fresca, ruminando o que achou e retemperando as forças, de cabeça para norte e com a cauda a enxotar as moscas. Longe vai o tempo em que o maioral comia ali no campo e se apresentava de capote, safões, pelico, tarro e alforges, em que fazia a sesta debaixo da mesma árvore e adormecia com o cão ao lado. Agora vem de mochila às costas, de jeans, t shirt  e sapatos de ténis, carrega uma garrafa de Coca-Cola junto com alguma iguaria e vem munido de um MP4 com auriculares. Irá almoçar a casa e voltará um pouco antes da hora do sossego terminar, porque algures tem escondida a sua Moto 4. O cão, que já não sobrevive das sobras e come ração barata, irá permanecer ao lado do gado, imperceptível e silencioso, como se fizesse parte da paisagem e houvesse nascido bezerro - eis o Rafeiro Alentejano na sua magnitude, digno, único e intemporal.
Um par de horas antes do anoitecer, o gado volta para o monte em passo mais apressado, com os vitelos aos pinotes até à cerca, o cão segue-os de perto e nada incomodado. De vez em quando olha para o maioral e segue o seu caminho, em passo de andadura com a cabeça nivelada pelo dorso. Chegados a casa, afasta-se da manada, bebe e vai comer. Permanecerá toda a noite alerta entre o cercado e as casas, agora mais activo e pronto para intervir. Tendo por companheiros a Lua, os morcegos, as corujas e os mochos, ficará também atento à capoeira, não vá aparecer por lá um “saca-rabos”. Inquieta-se com a passagem dos javalis e só avança se eles se aproximarem. Mesmo não havendo novidade, rondará amiúde o perímetro e se por acaso ouvir algum mugir, num ápice saltará pró meio do gado. Ao despontar de um novo dia, vemo-lo deitado à porta dos donos, calmo e pachorrento, a abanar a cauda pausadamente sem levantar o pescoço, dando a idéia que passou toda a noite assim.
Tornado grande pelas circunstâncias e sereno pela conveniência, o Rafeiro Alentejano é uma das imagens de marca do Alentejo, um molosso pastoril, próprio para a transumância, que bem cedo foi recrutado para as montarias e que relembra os tempos idos do Portugal meridional oitocentista, monárquico e burguês, ensoleirado, mítico e profundamente rural. Hoje já chegou à margem norte do Tejo e alcançou outros rios para além dele, pulou fronteiras e tornou-se embaixador das gentes que ainda conservam o cantar moçárabe, um legado que enriquece o património de todos nós. Mais rústico e menos versátil que o Serra d’Aires, contudo extremamente fiável e amigo do seu dono, tem alcançado lugar junto dos picadeiros que populam por cá, reforçando com a sua presença o carácter marialvista de alguns deles. Pouco visto nas grandes cidades por razões óbvias, é possível ainda vê-lo nas tapadas, reservas naturais e parques temáticos mais ao Sul, porque é um clássico e a moda não o ofusca.
Apesar de ser duas vezes mais lento do que os cães agora destinados ao agility, de ter uma mordedura menos potente que o Rottweiler, de produzir ataques maioritariamente defensivos e de ser mais activo durante a noite, este cão de gado pode ser um excelente companheiro para o “dog trekking” e prestar-se ao resgate em campo aberto e em altitude, porque é mais resistente e menos exigente, o que o dota de maior autonomia em situações particularmente difíceis, nomedamente em tarefas nocturnas e em temperaturas até aos -10º centígrados. Pode servir como cão carregador mas não de tiro, porque transita naturalmente do passo de andadura para o galope. Faz o reconhecimento “ao nariz” e é difícil de ludibriar, associa-se facilmente com crianças e idosos e toma como seus os hábitos que observa. Oxalá assim continue e permaneça incólume para as futuras gerações.

TERRA SEM ÁGUA

Celebrámos no passado dia 22 do corrente mês o Dia da Terra e essa evocação deixou-me triste, com  uma sensação de paraíso perdido e preocupado quanto ao futuro, porque nada é como dantes e não sabemos como será daqui para a frente. Penso nas gerações vindouras e tenho pena delas, porque não terão o eu que tive e só virtualmente experimentarão aquilo que vivi. Quando eu era menino, na terra onde nasci, corriam dois rios e cinco ribeiros a céu aberto, mais caudolosos no Inverno mas que nunca secavam no Verão, autênticos mananciais de águas calmas, límpidas e cintilantes. Na garganta dum deles havia uma azenha e em todos havia vida em abundância. Os ribeiros vinham da serra, brotavam das rochas, rompiam o saibro e atravessavam a localidade, engalanados pelos canaviais e rodeados de uma vegetação há muito desaparecida. Nos pequenos charcos à sua volta, os girinos multiplicavam-se e cresciam a olhos vistos, as libelinhas vermelhas pareciam não ter fim, ouvia-se o cantar do pintassilgo, do verdilhão, do chamariz, do tentilhão, do lugre e de tantos outros passarinhos, numa sinfonia cuja partitura o tempo levou. Ao cair da tarde, quando o calor apertava e as aves iam beber, os garotos mais graúdos, sempre “a pau” com a Guarda, armavam redes e punham visgo nos ramos mais finos dos freixos. Os mais pequenos faziam navios com rolhas, provavam as suas primeiras azedas e aprendiam a fazer gaitas com os rebentos mais tenros das canas. E disso tudo o que sobrou? Nada!
Os rios desapareceram da face da terra, sepultaram-nos em manilhas de cimento e correm agora para uma estação de tratamento, pastosos e com um cheiro nauseabundo. Por cima deles assentaram casas, garagens e barracões, as linhas de água deram lugar a calçadas e pavilhões, os girinos desapareceram e as libelinhas também, os passarinhos fugiram para os montes e do verde original só resta o musgo que insiste em se agarrar ao betão. Os miúdos de agora, mais limitados, stressados e gordos como nunca, brincam em parques sintéticos com pisos de borracha reciclada, num emaranhado de jaulas cercado por carrocéis e baloiços de plástico, distantes do salutar contacto com a mãe natureza. Se o Homem não mudar de atitude e não sabemos se ainda vai a tempo, pode ser que a água se revolte e torne ao seu lugar, agora tóxica, putrefacta, saturada em bactérias, imprópria para consumo e própria para acabar com todos nós.

ÀS CADELAS APRESSADAS NASCEM OS FILHOS CEGOS

Olhando para trás e relembrando os milhares de condutores que instruimos, é impossível esquecer o “grupo dos apressados”, gente apostada na brevidade do treino, pródiga em bitaites e confiada em palpites, que apenas queria que o seus cães lhe obedecessem e que desaparecia quando se via satisfeita, sem compreender que o adestramento se baseia na permuta entre o serviço dos cães e a protecção que lhes devemos. Subsiste entre nós uma corrente filosófica de cariz popular que poderemos alcunhar de “nacional-porreirismo”, baseada no descuido e em consensos que não levam a parte alguma, como se o Mundo fosse cor-de-rosa e tudo acabasse em bem. Essa irreflexão, própria dos imprudentes, que nada acautela, prepara, evita ou antevê, quando transportada para o adestramento e estendida aos seus mestres, acaba por vitimar os cães e condenar alguns à morte.
Estamos a falar da “recusa de engodos”, tarefa prioritária do ensino canino e indispensável para os cães de guarda, mais-valia que deve também ser extensível àqueles que vivem a maior parte do tempo sozinhos, quer se encontrem em varandas, quintais ou grandes propriedades. Os cães que são soltos nos jardins devem ser objecto da mesma capacitação, porque o perigo ronda e nem todos gostam deles. A recusa de engodos compreende duas metas para o alcance do objectivo final: a não aceitação de comida dada por estranhos e o desinteresse por aquela que é jogada no chão. Primeiro treina-se na presença do dono e depois na sua ausência, mercê da experiência negativa que facilita a inserção do comando de “perigo”. O treino começa na escola e estende-se ao lar, necessita de recapitulação e deve acontecer duas vezes por semana. Os iscos devem ser variados, os horários alternados e as armadilhas dissimuladas. Os “apressados” nunca tiveram tempo para isto e os confiados sempre desconsideraram a existência do perigo, o que nos remete para o provérbio: “às cadelas apressadas nascem os filhos cegos”. Até quando continuaremos a ensinar habilidades e a colocar a vida dos cães em risco? Será preciso que morram mais? Anteontem morreu um envenenado, amanhã poderá ser o seu! Será que isso só acontece aos cães dos outros? Há que acordar para a realidade que nos cerca.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

A HISTÓRIA DO LÍDER INVISÍVEL

Quando o Verão chega a Portugal, o melhor sítio para o desfrutar encontra-se no litoral, na faixa compreendida entre os Cabos da Roca e Carvoeiro, no designado Litoral Oeste, porque para Sul do primeiro o calor é insuportável e para Norte do segundo a temperatura é substancialmente mais baixa. A época estival entre Cascais e Peniche é por demais generosa para os veraneantes, porque o calor advindo do  interior peninsular é alternado com a fresca brisa atlântica, o que permite um repouso seguro e prolongado. Outrora essa suave nortada movia os moinhos de vento (hoje abandonados, deteriorados e em desuso), coisa impossível de acontecer no Inverno, porque no Oeste o vento pouco sopra e quando sopra, é por demais violento e rasa o temporal.
Os portugueses ajeitam-se mal para os piqueniques quando comparados com os práticos europeus mais à norte ou… ajeitam-se em demasia, porque carregam para as praias e pinhais uma quantidade enorme de acessórios e comida, mesmo quando oriundos de extractos sociais mais baixos. É comum vê-los a assar sardinhas, pimentos, chouriços, bacalhau, frangos e febras de porco. O vinho nunca falta e o pão também não, há quem faça ainda comida de panela, caldeirada de peixe e arroz de marisco, invariavelmente complementados com sobremesas variadas: pudim de ovos, pão de ló, salada de frutas, mousse de chocolate, farofas e por aí adiante. Os lusos têm o mau hábito de comer bem, de repartir com os outros e não sabemos como será daqui em diante.
À imitação dos piqueniques, também o serviço de catering para as fimagens é geralmente abundante, variado e rico, isto se houver quem o pague e a produção não viva em constante aperto, o que infelizmente, tanto ontem como hoje, sempre acontece. Nós tivemos sorte quando por lá andámos e não nos pudemos queixar. Cerca das duas da tarde, lá para os lados de Ribamar, numa indústria de transformação de bacalhau, com a temperatura a rondar os 35 graus centígrados e sem serviço imediato à vista, depois de haver comido como um abade (outros diriam como um bruto), decidi ir descansar virado para as ondas do mar. Peguei num dos cães que foi protagonista nessa série de ficção, abri e reclinei a minha cadeira desdobrável, deitei o animal aos meus e dei-lhe o comando de “quieto”, certo que iria descansar, com o sol quente a bater-me na barriga e a brisa fresca a soprar-me nas orelhas.
Estava redondamente enganado, porque o pastor alemão não parou por muito tempo quieto, talvez incomodado pelo sol e movido pela procura de uma sombra, apesar de ambos nos encontrarmos debaixo de uma árvore. Escapulia-se mal me ouvia ressonar e pouco descanso me dava. Quando desaparecia, chamava-o pelo nome e ordenava-lhe o “aqui”. E fiz isso vezes sem conta, até que finalmente se conformou com a sua sorte, até porque não tinha outro remédio! Já mais descansado, adormeci, embalado pelo mar a bater nas rochas e pelo silvo das gaivotas.
De repente e para surpresa minha, começo a ouvir: “Bibos, aqui!”. Sem abrir os olhos, porque pensei tratar-se de alguma brincadeira dum membro da equipa técnica, gente obrigada a extravasar pelo stresse a que é sujeita e que não é pouco, soltei: “E se fosses brincar com os meninos da tua idade?”  O silêncio voltou a reinar e o problema pareceu resolvido. Passados alguns minutos, outra vez: “Bibos, aqui!” Farto da brincadeira, soltei um impropério e de olhos semi-abertos, olhava em todas as direcções, na ânsia de surpreender, em flagrante delito, quem estava a gozar comigo e a importunar o pobre do animal.
Munido de uma vara, porque assim se dá caça aos malandrecos, com os ouvidos bem abertos e as pernas tensas, fiquei alerta, tal qual predador à espera da presa. Por mais que ouvisse chamar o cão, não avistava ninguém, nem perto nem longe! Finalmente percebi que o som vinha duma cave que tinha a porta entreaberta. Entrei e deparei-me com um papagaio cinzento, bem disposto e disposto a mostrar-me as suas habilidades. Era ele quem chamava pelo cão. Segundo me disseram depois, ele aprendia e reproduzia prontamente tudo quanto ouvia. Fiquei maravilhado com a ave e mais ficaria se o cão não lhe obedecesse! Mais tarde foi-me oferecido um da mesma variedade, um figurão de todo o tamanho e um verdadeiro “artista”, um atrevido que conhecia todos os comandos verbais ministrados aos cães, que quando ouvia “senta”, logo dizia: “deita, quieto” e… muitos cães obedeciam-lhe pela mecanicidade das acções, em particular aqueles que não tinham sido objecto da contra-ordem. Esta história verídica levanta três questões e adianta uma conclusão: porque teimam certos donos em ser psitaciformes e psitacídeos? Porque continuam a mandar ensinar os seus cães a outrém? Só para lhes dar ordens? Para isso já cá temos os papagaios!

QUEM NASCE MALFADADO, MELHOR FADO NÃO TERÁ

Não é nosso objectivo falar de João Silva Tavares, um poeta alentejano de Estremoz, a quem se atribui a letra do fado “O Fado de Cada Um”, por mais importante e rica que tenha sido a sua obra ou legado. E também seria gratuito falar do Maestro Frederico de Freitas, autor da música, cuja contribuição para o teatro de revista é sobejamente conhecida e reconhecida. A estrofe desse fado, um dos êxitos de Amália Rodrigues, que escolhemos para o título desta rubrica, também não pretende reforçar o carácter fatídico dos portugueses em geral e em particular os do Sul, porque também a entendemos pelo aforismo: “quem nasce torto, tarde ou nunca se endireita”. Tampouco nos interessa a doutrina calvinista da predestinação, com a qual não concordamos. O que queremos denunciar e pôr em reflexão é a contribuição humana para o disparate canino, a sorte de alguns cães que vão parar a mãos erradas, cujo número é grande e não cessa de aumentar. Como as violações sobre os direitos dos animais são inúmeras, sempre que pudermos, denunciaremos aqui as mais comuns, aquelas que atormentam os cães e que por serem pouco perceptíveis, encobrem a responsabilidade dos seus proprietários, gente que mais tarde se dirá malfadada, diante do carrego daquilo que fez ou deixou por fazer, ainda que eventualmente possa ter sido mal aconselhada.
Um proprietário de uma mercearia, situada num dos subúrbios de Lisboa, num local pouco recomendado pela assiduídade dos assaltos, temendo o pior, decidiu adquirir um cão que mordesse que nem um danado. Depois de buscar conselho, optou por adquirir um Cão de Fila de S. Miguel, não sem antes se deslocar aos Açores e atestar da sua valentia, seguindo a advertência de que os melhores cães estavam nas mãos dos fazendeiros e não nos criadores de beleza. E por lá andou a saltar hortênsias e muros de pedra durante dois meses, inúmeras vezes esfarrapado e a fugir dos dentes que o perseguiam. Por fim decidiu-se pelos progenitores e ficou a aguadar o cachorro no Continente, acabando por recebê-lo alguns meses mais tarde. O bicho ganhou o nome de Bravo e até aos seis meses de idade mostrava-se manso, apesar de grande e robusto. Temendo o logro, o seu proprietário ligou para o criador a queixar-se do comportamento do animal, merecendo deste o seguinte comentário: “Ele está é a dormir, para o próximo mês vou ao Continente, irei a sua casa e acertaremos as agulhas do animal. Isto se você me der guarida”. Garantida essa condição, o açoreano não tardou e começou a “despertar” o cão, dando-lhe três doses diárias de pancadaria com o que tivesse à mão. Quando o cão começou a desfazer paletes à dentada, deu o serviço por concluído e voltou para os Açores.
Vivendo acorrentado e sendo vítima da terapia acima descrita, o cão tornou-se incontrolável, não aceitando a autoridade de ninguém e muito menos do seu próprio dono, que entrava em bicos de pés para lhe dar de comer e saía com os calcanhares a bater-lhe no traseiro. Consciente do problema, decidiu procurar ajuda, acabando por nos contactar. Começou por nos contar o histórico do cão e concluiu com a seguinte sentença: “eu queria um cão mau, mas não tão ruim, que mordesse nos outros e não a mim!” No início do treino não teve essa sorte, porque qualquer comando que solicitasse era rejeitado à dentada, já que o animal se atrasava intencionalmente para cair sobre o dono. Valeu-nos a valentia do homem, que apesar de cortado, não desistia às primeiras (dificilmente alguém aguentaria tanto). Perante o desinteresse pelo alimento, pelos convites à brincadeira e pelo insucesso do açaime, que ele tentava tirar até ao desmaio, optámos por treinar o cão dentro de uma piscina, pois adorava água, com o dono ao lado a conduzi-lo pela trela, protegendo assim o homem e invalidando os ataques do animal, familiarizando-o com as ordens e o seu emissor. Ainda bem que nos encontrávamos no Verão! Passados poucos dias, já o cão aceitava a trela e o seu condutor, desfilando ambos alinhados e garbosos. O Bravo veio a tornar-se num ícone da nossa escola, porque apesar de nascer malfadado, conseguimos dar-lhe outro fado, o que se deve em grande parte ao dono, porque se fosse outro, apesar da sua culpa e da inocência do animal, de imediato o eliminaria. Outros cães não tiveram a mesma sorte e acabaram por pagar pelos actos dos seus donos. Será que não continuam?

DOS CÃES QUE NÃO DEIXAM OS DONOS SAIR DE CASA

Alguém deve andar por aí a dar falsas informações ou a induzir instruendos ao engano, porque a dominância canina está na ordem do dia e tudo lhe é atribuído. A moda tem destas coisas, uns vestem calças a cair pelo rabo abaixo e outros divertem-se a ensinar cães. Tempos houve em que a mioleira de carneiro foi considerada a melhor dieta para os bebés e ainda há quem enrole os pés para que não cresçam! Vamos desenrolar o caso.
Um jovem a ganhar um salário mínimo, num emprego descontraído e pouco cansativo, tendo noção do custo de vida e não sendo um trabalhador especializado, dedica-se nas horas vagas ao ensino de cães, actividade paralela que lhe garante algumas centenas de euros extra. Segundo ele, o seu trabalho assenta sobre a obediência básica e a resolução de problemas comportamentais. Neste momento tem um problema com um cão que não deixa os donos sair de casa, porque se agarra deseperadamente às suas pernas, “o que é sem dúvida um problema de dominância”, como nos nos fez saber.
Ainda antes de passarmos ao comentário do caso, queremos adiantar outro, o acontecido há uns anos com um pastor alemão, este sim verdadeiramente dominante, que após a saída do dono e sem treino específico para isso, não consentia que a dona saísse depois do marido, rosnando-lhe e jogando-a ao chão, mordendo-lhe caso ela insistisse. A pobre senhora via-se obrigada a saltar o muro das traseiras para ir trabalhar, perante o incómodo da situação e diante da hilaridade dos vizinhos. O marido podia sair à vontade e quando quisesse, antes ou depois, a esposa só se saísse primeiro! Depois passou a fazer o mesmo com a mulher-a-dias, que podia entrar a qualquer hora, só podendo sair depois da chegada dos donos. A pobre coitada que nem pensasse em tocar nos acessórios do cão ou na secretária do dono, e muito menos lhe consentia que o olhasse nos olhos, apesar de a seguir por toda a parte e de procurar o enfrentamento. Estes incidentes trouxeram-no até nós. Fora da presença do dono, tardiamente aceitou a nossa autoridade, porque a bem abusava e a mal ripostava. Saíu perfeito, deixou marcas e saudades!
Já no caso do nosso jovem, que nos perdoem a ignorância, apesar da dominância derivar gradativamente do impulso ao poder de cada indivíduo, tendo por isso diferentes apresentações ou manifestações, não nos parece que o cão demonstre qualquer tipo dela, tanto genética quanto adquirida. Ao invés, estamos em crer que se trata de um indivíduo ansioso, mal instalado e piegas, cuja maturidade emocional não aconteceu ou tarda em chegar. E depois, os cães verdadeiramente dominantes, não se manifestam somente numa circunstância particular, mas em todas aquelas em que se vêem ou sentem contrariados, não se escusando a meios para impôr a sua vontade. Eles não suplicam, reagem contra e afirmam-se, enfrentam e não temem, resistem sem pruridos e confiam na sua supremacia. Já os induzidos a isso (à dominância), pela ficção forjada pelo condicionamento, tendem a abandonar esse comportamento por ausência de condições, diante da novidade ou perante a surpresa de um fim inesperado. Bem sabemos que “há que fazer render o peixe” e que o papão do bicho mau anda por aí de boca em boca!

RECEIO FAZER UMA NINHADA, TEMO QUE ELA FIQUE MAIS AGRESSIVA!

O medo e euforia são sentimentos que depressa avassalam as gentes. A euforia tem curta duração e o medo tende a perpetuar-se. E nisto, homens e cães não diferem muito, ambos temem o castigo e aprendem com as experiências negativas. No entanto, os homens esquecem-se mais depressa do bem que lhes é feito pelo mal que sofrem, enquanto nos cães parece acontecer exactamente o contrário. Talvez por isso, por causa da gratidão, os lobos familiares sejam mais fiáveis, merecedores de maior confiança. Como todos tememos e provocamos medo, rotula-se de alienado todo aquele que o não tem, muito embora a sua presença se revele de várias formas nos indivíduos, já que pode levar os fracos ao pânico e os fortes à cautela. O mesmo sucede nos cães.
Nas sociedades democráticas, governadas por outro peso que não o medo, são os meios de informação que dão o aviso, lançam o alerta e que por vezes semeiam o pânico. Com a chegada da Internet e do grosso da sua informação, muitos temores entram pelas nossa casas adentro e levam a sociedade a várias tomadas de posição. Exemplo disso, entre tantos, foi o que se convencionou chamar de “Primavera Árabe”. Consultar artigos da Internet sem inquirir das suas fontes é uma tolice bárbara, é tomar por certo o errado e daí colher as consequências. Uma senhora idónea, esclarecida e acautelada,  proprietária duma cadela que não deseja ver castrada, resiste em tirar uma ninhada dela, porque muitos lhe dizem que o animal, após a gestação, o aleitamento e a criação dos cachorros, por força do instinto maternal ou do exercício da maternidade, irá ficar mais agressivo, agravo que a dona teme e não deseja.
Justifica-se a preocupação desta nossa leitora perante a cinofobia que por aí vai, alimentada em simultâneo por quem a sofre e por quem ganha com ela, porque há sempre quem lucre com as guerras, tanto na logística como no mercado negro, porque não é raro o empobrecimento de muitos levar ao enriquecimento de uns tantos.
 
 
Considerados os ataques caninos perpetrados na Europa, os inusitados e tornados públicos, raríssimos foram aqueles levados a cabo pelas fêmeas. E quando aconteceram, aconteceram mais pelo instinto à defesa do que ao da luta, o que a ninguém espanta, já que as cadelas não apresentam por norma indícios desse impulso herdado, que é típico e está presente nos machos. Nos dois casos conhecidos, acontecidos na estranja, eles sucederam como resposta a uma invasão de propriedade. As notícias que vêm a lume em Portugal, por ausência de rigor e de know-how, o que obstaria ao sensacionalismo pretendido, não deverão ser consideradas até à conclusão dos respectivos inquéritos, pois já ouve um caso em que acusaram uma matilha de cães de ter morto uma criança e depois se vir a descobrir que ela  havia sido colocada já morta no meio deles. Atendendo ao escalonamento das matilhas caninas, capitaneadas por um macho, é possível que as cadelas avisem ou ataquem primeiro segundo a hierarquia que sustenta o grupo, já que naturalmente são elas a dar o mote (sinal), vindo depois os machos em sem auxílio “com tudo a que têm direito”. As cadelas não saiem prá rua a distribuir dentadas, mas podem defender-se e defender os seus donos quando provocadas ou se sentirem ameaçadas. E mesmo nestes casos, irão necessitar de treino específico, que nem sempre é bem sucedido, muito embora existam raças  e indivíduos mais propensos para tal.
Cientes disto e por apego aos cães, entendemos que a dita senhora deverá fazer uma ninhada com a sua cadela, porque daí não virá grande mal ao mundo. Apadrinhamos a ideia porque entendemos que a maturidade emocional das fêmeas se completa com o exercício da maternidade. Por outro lado, estamos fartos, fartíssimos de ver cadelas taradas por ausência da maternidade, todo um conjunto de máculas que potencia o ciúme e pode chegar até à curiosa pseudociese (gravidez psicológica), fenómeno carente de tratamento e geralmente pouco considerado. E se outras razões não nos sobrassem, bastará dizer que o exercício da maternidade muito tem ajudado na recuperação das fêmeas mais submissas e inibidas, dotando-as da confiança necessária para o trabalho e para a inserção em matilhas que se desejam unidas num só propósito.

DÁ PARA CÁ 75 EUROS!

Normalmente omitimos dos nossos comentários as identidades dos seus intervenientes e o nome das instituições ou empresas envolvidas. Fazêmo-lo para não dar azo a polémicas e para não expôr quem não nos autorizou. Mas neste caso, somos tentados a fazê-lo, por ser caricato, rasar o insólito e ser de um oprotunismo absurdo. Contudo, ainda não é desta que abdicaremos da nossa regra e manteremos no anonimato o hospital veterinário onde tudo se passou.
Um casal de brasileiros, há alguns anos radicado em Portugal, oriundos não se sabe de que Estado ou Cidade (tudo leva a crer que sejam de origem citadina), a falar português de Portugal (o que raramente se vê e ouve), decidiu comprar um cachorro Jack Russel para sua companhia, não tendo até ao momento qualquer experiência com cães. Com o passar dos meses, o cachorrinho chegou à maturidade sexual sem os donos disso se aperceberem. Certo dia, ao chegar a casa, o jovem casal é surpreendido com algo aterrador e inesperado: o seu cachorro tinha o pénis todo exposto, inflamado e desenbainhado até aos bulbos. Diante daquela exposição, a senhora imaginou que os intestitnos do pobre bicho tivessem saído e o marido, igualmente aterrado, não conseguia imaginar o que seria aquilo. Apostados em socorrer o cachorro, dirigiram-se de imediato a um hospital veterinário com atendimento 24 horas por dia. Chegados lá, com o cachorro ao colo e ainda naquele estado, aguardaram pelo atendimento. Entretanto, três veterinários passam por eles, olhando e nada dizendo. Finalmente são atendidos.
Ainda em sobressalto, perguntaram ao clínico do que se tratava. “Não se passa nada. Isto é um processo natural e está ligado ao desenvolvimento do cachorro. Daqui a mais alguns minutos tudo voltará à normalidade!” – disse-lhes ele. Depois de ouvirem as explicações do veterinário sossegaram e prepararam-se para sair. “Desejo-vos as maiorores felicidades com o cachorro. Ele é muito bonito. Por favor, dirijam-se à recepção e paguem a consulta, são 75€”. De novo em sobressalto, o casal nem queria acreditar naquilo que acabara de ouvir. Coibidos pela surpresa, acabaram por pagar e ambos juraram nunca mais lá voltar, juramento que não violaram até à presente data. Pudera, o caso também não é para menos, já que o veterinário nada fez ou observou! Como diz o Povo e nisso tem carradas de razão: “quem não sabe ser caixeiro, fecha a loja”.

ADIVINHE AS CONSEQUÊNCIAS: O MAU HÁBITO DE NÃO CONFERIR

Um rapaz simpático, proprietário de uma cachorra Border Collie, agora com seis meses de idade, decidiu inscrevê-la numa escola canina visando a sua futura prestação no agility. Na escola não conferiram o calendário de vacinação da cachorra, apesar dela ter todas as vacinas em dia (as combinadas), faltando-lhe “apenas” a específica contra a tosse do canil, o que não a impediu de treinar e de aproveitar os benefícios do treino, que foram vários e rapidamente assimiliados. Semanas antes da cadela ser inscrita na escola, um vizinho do seu dono alertou-o para a necessidade da vacina em falta, conselho que prontamente agradeceu e que de imediato esqueceu. Nem mesmo o director da escola prestou grande atenção para o facto. Serão os nossos leitores capazes de adivinhar as consequências dessa ausência de cuidado? Tentem adivinhá-las antes de lerem o próximo parágrafo.
A cachorra contraiu a doença e acabou por transmiti-la ao outro cão lá de casa. Estão neste momento debaixo de antibiótico e serão vacinados quando curados. Em todos os andares do prédio onde mora o simpático rapaz existem cães e espera-se que estes não contraiam a doença. Apesar dela ser altamente contagiosa, o jovem continua a treinar demoradamente a cachorra num jardim público, local muito frequentado pelos cães locais, das redondezas e de fora, contribuindo desse modo, voluntária ou involuntariamente, para a propagação da doença. Por estas razões, nenhuma escola deverá aceitar qualquer cão sem estar correctamente vacinado contra a doença e seus agentes (contra os vírus da parainfluenza e adenovirus tipo 2, assim como contra a bactéria Bordettela bronchiséptica). O surgimento da doença é mais comum nas estações intermédias do ano (Primavera e Outono), pelo que se aconselha a vacinação nos finais do Inverno e Verão.

OS ANIMAIS, OS CÃES E OS NÓMADAS: REGRESSAR AO PRINCÍPIO

Quem desejar abrir uma escola canina e pensar que irá alcançar o paraíso, desiluda-se, porque irá ter pela frente um sem número de problemas, não somente os colocados pelos cães, que esses sempre serão de pouca monta, mas os apresentados pelos donos, urbe com dificuldades em se compreender a si própria, tendencialmente deslocada e entregue a sonhos incontidos, mercê de sentimentos e apelos que se perdem pelos confins do tempo. Lidar com gente que sonha acordada não é fácil e importa compreendê-la para “embarcarmos no mesmo navio”, para chegarmos ao mesmo destino à mesma hora, sãos, salvos e radiantes. Porque serão os donos dos cães assim? Há décadas que esta dúvida nos assola. Parece que finalmente encontrámos a resposta ou simplesmente uma das possíveis.
O homem actual desespera diante do sedentarismo, garantidamente não nasceu para ficar parado, enjaulado no mesmo perímetro, rotulado e entregue às rotinas de sempre, que não lhe trazem novidade e que o põem doente. Está farto de ser massa e reclama a sua individualidade. Fustigado pelo desânimo e levado ao mutismo, anseia por outros espaços, sonha com a evasão e procura o lugar só para si, longe do que o atormenta e próprio para a sua realização, porque se sente preso e quer sair. Como a infelicidade tomou conta dele, resiste e refugia-se noutras actividades, não raramente opostas àquelas que é levado a fazer, numa dimensão para além daquela que lhe coube. Aqueles que não sentem o desejo de sair e que viajam para dentro, são geralmente mais aborrecidos, quizilentos e picuinhas, são donos zelosos do seu castelo, toleram mal a intromissão e fazem das suas varandas estufas ou florestas, podendo ainda adorná-las com um ou mais animais domésticos, o mundo acaba quando fecham a porta de casa e o sonho completa-se na solidão dos seus pensamentos. Outros há que sacralizam os seus pertences, fazem das casas museus e estabelecem regras próprias para o uso do seu pecúlio, instando para que permaneça intocável e reluzente.
Os mais saudáveis procurarão pôr-se em sintonia com a natureza e com os ponteiros do relógio biológico, peregrinarão, acamparão nas falésias, escalarão montanhas, voarão por cima das nossas cabeças, correrão léguas infindas, varrerão o asfalto, montarão bicicletas, cavalgarão pelas charnecas, desbravarão matas, vencerão as ondas, velejarão pelos mares, vencerão desertos e partirão à descoberta, de mochila às costas e rumo à aventura, porque sentem que o sedentarismo os mata e que algo lhes falta. Os mais abastados contruirão casas em sítios paradisíacos, morarão à parte e adquirirão grandes extensões de terreno. Os mais entrados procurarão o sol doutras paragens, empreenderão cruzeiros, irão às termas ou deleitar-se-ão em raros prazeres e novas iguarias. E com isto, o que estarão a recriar? Certamente o nomadismo milenar, as expedições doutrora, o prazer perdido dos tempos idos, envolto em mistério e anterior às modernas civilizações. Este retorno ao passado é também visível no interior do País, onde muitos estrangeiros, cansados das maleitas do urbanismo, acabam por povoar as aldeias abandonadas e habitar velhas casas de granito com telhados de xisto, dedicando-se com afinco à pecuária e à agricultura.
 
Se o sedentarismo mata o homem, a solidão estende-lhe a “extrema unção”. A junção de ambos é uma carga que ninguém deseja, porque lembra uma prisão e zombie ninguém quer ser. Desde há muito que os animais vêm sendo utilizados para colmatar carências afectivas nos humanos, ajudando no seu equilíbrio e integração social, quebrando-lhes a solidão e dispensando-lhes o ânimo necessário para a sua sobrevivência, enquanto terapeutas de eleição prontos a coabitar connosco. Entre eles, os cães são os que merecem maior destaque, porque o seu recrutamento para esse fim tem excedido amplamente o de outros, graças à sua versatilidade, interacção e cumplicidade. A somar a isto, porque o cão é um animal excursionista, a sua posse combate o sedentarismo, induz a novas rotinas e sempre traz alguma novidade. Como consequência, alguns donos, mercê da felicidade de os terem ao lado, que os leva à gratidão, vêem os seus cães como filhos, deuses, reis, heróis, conselheiros e confidentes, depositando neles um todo de expectativas, baseado numa relação de paridade extraordinária, muitas vezes para além daquilo que os animais são ou têm para oferecer, o que de sobremaneira poderá dificultar o seu ensino, já que a relação entre o dono e o seu cão, por ser de natureza afectiva, é por demais intíma, tirada a partir de regras extraordinárias ou da sua ausência, mais baseada em sentimentos incofessos do que em razões objectivas. Uma coisa é certa: os donos dos cães são gente boa e disso não temos qualquer dúvida!
Se nos cães somos obrigados a considerar o seu imprinting, também não podemos desconsiderar o imprinting dos donos alcançado pelos animais, já que alguns proprietários caninos, ao identicarem-se primeiro com eles, alcançaram depois melhor relacionamento com os seus semelhantes, em especial com outros iguais e inebriados de idêntica paixão. O homem robustece-se na companhia do cão, ganha alento e auto-estima, porque sabe que não está só e que dificilmente será abandonado. Com o cão ao lado sente-se pastor, caçador, resgatador e polícia, porque o animal ao aceitar a investidura, sem grande dificuldade, completará o quadro, massificando desse modo os sonhos de quem o acompanha. Assim, quando um binómio sai à rua, ele empreende uma viagem bem maior do que aquela que os seus passos alcançam. O homem procura no cão a felicidade há muito perdida e o retorno às coisas simples, a companhia que lhe falta e a aventura que não tem, um companheiro que o oiça, complemente e aceite a sua individualidade. Que melhor amigo encontraria para se evadir e enveredar pelos trilhos míticos de outrora e que em simultâneo lhe traga paz, serenidade, tranquilidade e bem-estar? Há quem diga que o cavalo oferece o mesmo, muito embora seja difícil alojá-lo à porta do nosso quarto ou tê-lo aos nossos pés na cozinha.
Bem-aventurados sejam aqui na Terra, quiçá no Céu, aqueles que criam, adestram e desenvolvem actividades com cães, que têm como ofício fazer os outros felizes, que abdicam do seu tempo para que outros o tenham em abundância. Bem-aventurados sejam também os que se dedicam à terapia canina e que aprimoram cães para o auxílio e o resgate daqueles que mais precisam, porque são mensageiros da esperança e servem os demais. Talvez morram ignotos, mas partem na certeza do dever cumprido.