Nesta filiação extraordinária que leva os homens à
adopção de cães, sem espanto, temos reparado que muitos animais acabam tratados
como filhos, a despeito da sua condição canina e extrapolando algumas das suas
necessidades mais básicas, mercê do exagero antropomórfico que desconsidera as
diferenças e que apenas procura aquilo que deseja ver. Os proprietários de
vários cães, à imitação dos pais de famílias numerosas que fazem transitar a
roupa dos filhos mais velhos para os mais novos, acabam por adquirir acessórios
ou brinquedos para o grupo e não para cada indivíduo que o constitui, o que de
todo é reprovável diante do acompanhamento e tratamento individual exigido por
cada cão.
Arredados
de preocupações metafísicas, os cães agarram-se ao que têm e vivem daquilo que
alcançam, sendo tanto ou mais felizes consoante o espólio que escolhem, conservam,
lhes é doado ou consentido, guardando zelosamente o que lhes pertence, lutando
pela sua posse e não vendo com bons olhos a sua repartição, sendo isso fundamental
para o seu equilíbrio emocional e bem-estar, pois necessitam de se sentir
seguros e essa segurança sempre virá daquilo que consideram seu, uma vez que os
ostracizados pouco têm ou nada possuem. À parte disto e denunciando a mesma
necessidade, os acessórios caninos, enquanto meios eficazes para a comunicação
interespécies e para o estabelecimento dos vínculos afectivos que ela não
dispensa, devem ser exclusivos e não usados indistintamente em todos os cães,
porque mais depressa se agradará um cão duma trela que considera sua, que breve
carregará, do que de uma outra que é obrigado a dividir.
O mesmo
se passa com os brinquedos, que para além de subsídios pedagógicos de valor
inestimável, são utensílios que enriquecem o património individual dos cães,
funcionando muitas vezes como autênticos troféus. Perante tamanha importância,
é errado e contraproducente sujeitar vários cães à divisão de brinquedos, particularmente
em grupos instantâneos, esporádicos ou heterozigóticos, porque tal recriaira o
escalonamento da matilha animal e serviria de pretexto para a hegemonia dos
mais fortes e para o afastamento compulsivo dos mais fracos, fenómenos que à
partida ninguém deseja e que poderão comprometer a sociabilização desejável.
Experiências negativas destas, se ocorrerem até aos seis meses de idade nos
cachorros, podem levar ao seu desinteresse pelos brinquedos, acontecendo o
mesmo àqueles que se viram privados deles até igual ciclo infantil, já que há
uma idade para tudo e os cães depois da maturidade sexual tendem à novidade de
interesses.
É
evidente que nós, por razões sobejamente conhecidas, procuramos nos cães um
carácter forte, impoluto e incorruptível, que tudo fazemos para que não sejam
ludibriados, incorram em acidentes, corram riscos desnecessáros ou coloquem a
sua vida em cheque, requisitos intrinsecamente ligados à nossa vocação e à
paixão que nutrimos pelos cães considerados territoriais. Por isso não
consentimos, para além dos aspectos ligados à higiene e à saúde, que os nossos
cães bebam dos bebedouros alheios ou comam sem ordem expressa, porque não
queremos vê-los escorraçados, fragilizar o carácter de outros ou a todos sentenciar
a uma morte anunciada. Debaixo dos mesmos pressupostos e agora justificados de
sobremaneira por razões ligadas à saúde dos animais e à possível ocorrência de
doenças, entendemos que cada cão deva possuir o seu próprio trem de limpeza. O
asseio, a saúde e a integridade de carácter de um cão são tarefas obrigatórias
para o seu dono, que o vê como indivíduo, aposta no seu bem-estar e que tudo faz
para que seja forte e viva por mais tempo.
Sem comentários:
Enviar um comentário