segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

MOLHAR A SOPA E ENTORNAR O CALDO: A RENDIÇÃO DO CÃO DE GUARDA

Temos como experiência que o que é bom nunca se perde e que actualmente apenas 2% dos cães ditos para guarda o virão a ser de facto, daqueles capazes de aguentar um ataque de intensidade igual ou superior àquele que causam e ainda contra-atacar. Já depois da II Guerra Mundial, na transição do cão de guerra para o policial, mercê dos exageros e de uma maior consciência por parte dos cidadãos dos seus direitos e dos direitos dos animais, a selecção de cães sofreu profundas alterações, optando-se pela substituição do ataque deliberado pelo provocado ou instigado, substituindo-se a valentia que apenas necessitava de travamento por um maior impulso ao conhecimento nos cães ditos de utilidade policial. Com a entrada em vigor das recentes leis relativas aos cães perigosos na Europa, muitas raças acabaram desprezadas e o seu número diminuiu significativamente, acontecendo em simultâneo a eliminação de algumas variedades cromáticas mais propensas à agressividade dos estalões aos quais pertenciam até então (tal é o caso dos cães vermelhos irremediavelmente afastados da construção da maioria dos molossos e lupinos actuais). Salvou-se o Malinois, um cão que não necessita de maiores trabalhos para se lançar e usar os dentes, porque tal lhe é instintivo e por isso mesmo automático, pese embora o facto de ter uma baixa potência de mordedura e de dificilmente aguentar um contra-ataque sério, valendo pela surpresa e força de impacto, considerando o carácter imprevisto dos seus ataques e a velocidade que lhes imprime. No entanto, subsistem por cá alguns exemplares ditos desta raça de oriundos do Leste, apimentados de tudo um pouco e com diferente disposição de dentes, tipo de mordedura e díspar conformação de focinho entre si. Pondo de parte a excepção que ao Malinois pertence, a maioria dos cães aproveitados para guarda é-o por força da indução que aproveita os impulsos herdados que sustentam um desempenho mais ou menos satisfatório, desempenho esse que será melhor ou pior alcançado pelos pilares da simulação que se irão constituir em experiência directa (treino aturado e experiência feliz: o cão parte na certeza da vitória). Infelizmente temos constatado que o aforismo popular “quem tem medo compra um cão” não perdeu a sua actualidade e tende a perpetuar-se, apesar de aos medrosos, em abono dos cães, não lhes ser recomendável tal aquisição, porque invariavelmente morrem de medo dos seus próprios companheiros e acabam por esfrangalhá-los, temendo pelo dolo que eventualmente possam causar-lhes. Vezes sem conta e ao longo dos anos temos ouvido a sentença: “se o meu cão me morder, só o fará uma vez porque de imediato o matarei!” Para além dos medrosos que desde cedo carregam nos cachorros abusivamente, rebentando desse modo parcial ou totalmente os impulsos herdados inerentes à prestação que lhes é requerida, também aos coléricos e impacientes falta o tacto e a liderança necessários à sã capacitação dos cães, porque não raramente são parcos na paciência que induz ao esmero e à concentração dos seus auxiliares. Tanto uns como outros, inadvertidamente, tendem a molhar a sopa, a agredir os animais violentamente perante dificuldades de comunicação, respostas erradas ou pretensos disparates, entornando assim o caldo que sujeitará os cães à rendição, experiência que lhes será fatal diante de confrontação e frente a invasores violentos. A última coisa a que se deve induzir um guardião é à rendição, porque tal é impróprio aos cães de guarda e enterra de uma vez por todas a cumplicidade que é exigida a um binómio, já que a alma do cão provém da vontade do dono e o bicho parte na certeza do apoio do seu condutor. Como seria bom que a Lei exigisse a todos os proprietários de cães um atestado de sanidade mental. Com isso evitar-se-iam muitos disparates, práticas clandestinas, um sem número de vítimas e muitos animais seriam poupados aos maus-tratos

QUE SE EXPLODA!

Gostaríamos que o episódio que vamos narrar nunca tivesse acontecido, que fosse obra de ficção ou uma simples parábola. Infelizmente a história é verdadeira, repete-se vezes sem conta e tarda em desaparecer. Ao anoitecer um jovem sai com a sua cachorrinha à rua, não se vê vivalma, a noite cai serena e a escuridão impera. Deliciados pela companhia um do outro, homem e cachorra circulam felizes, atrelados e entregues à afeição que os une, felizes pelo trajecto comum na evasão que ele oferece. Inesperadamente e vindos não se sabe donde, surgem cinco cães caçadores, quatro bracos alemães e um epagneul breton, que de imediato se lançam sobre a cachorrinha atrelada de 4 meses, atacando-a em matilha e furiosamente, como se de uma espécie cinegética se tratasse. Apesar dos esforços do dono (aflito, desarmado e surpreso), que em vão tenta afastar os predadores, os ataques sucedem-se, um atrás do outro e cada um deles pior do que o primeiro. De barriga para o ar e totalmente vulnerável, a pobre cachorra suporta todas as investidas, o seu dono temendo o pior, opta por gritar e pede socorro. O caçador quebra o silêncio e finalmente chama os cães, sem tão pouco se inteirar ou interessar pelo estado da pobre cachorra, numa atitude clara de indiferença do tipo “que se exploda!” Milagrosamente a cachorrinha sobrevive, sujeita a umas quantas costuras e à perfuração dos pulmões. Contudo o seu estado é crítico e o seu internamento torna-se urgente. Encontra-se agora em recuperação e indicia que irá recuperar, oxalá que completamente. O caçador nunca se fez presente, apesar de morar perto do proprietário da desafortunada convalescente. Exactamente por ser vizinho e querer salvaguardar uma política de boa vizinhança, o proprietário da cachorra não apresentou queixa, o que nos soa a estranho atendendo aos seus direitos, à gravidade dos ferimentos infligidos e ao bem-estar dos demais cães nas redondezas. Em situações como a ocorrida, dependendo da idade e do particular de cada animal (sexo, robustez e estado físico), desde que daí não resulte maior dano para os cães tornados vítimas, aconselha-se que se peguem os cachorros ao colo perante ataques deste género e que desatrelem os adultos para melhor se defenderem. Em qualquer dos casos, porque estamos perante a investida instintiva de uma matilha animal e em desvantagem numérica, os proprietários dos cães constituídos em presa deverão auxiliar os seus companheiros no contra ataque, respondendo às agressões com uma intensidade igual ou superior àquela de que eventualmente virão a ser vítimas, o que infelizmente não está ao alcance de qualquer um. Um condutor mais experimentado conseguirá identificar qual o cão indutor aos ataques, o despoletador das acções, escolhendo-o como alvo da sua resposta, o que naturalmente e após o dolo infligido levará à debandada do grupo. De qualquer modo e atendendo às possíveis consequências ou transtornos de vária ordem, convém que a escolha dos percursos prà excursão binomial não reserve surpresas tanto para homens como para cães. Primeiro há que reconhecer o terreno e aquilatar os riscos, tarefa melhor alcançada durante o dia. Circular em áreas bem iluminadas possibilita uma defesa mais atempada, pronta e apropriada, já que os perigos de emboscada são menores. Todo e qualquer percurso deverá permitir uma visibilidade mínima de 50 metros ao seu redor e em todas as direcções, o que só por si conseguirá dissuadir o ataque de um ou mais submissos, normalmente a trabalhar na frente do cão dominante, carenciados de camuflagem e peritos em ataques de surtida. Aqui como na vida, mais vale prevenir do que remediar.

TOMA LÁ, DÁ CÁ: O CÃO DE MÃO EM MÃO

Como o que é dado não custa a ganhar, muitos dos cães adoptados acabam nas mãos de quem não os resgatou, arcando estes com a responsabilidade dos ímpetos ou desejos doutros, seus parentes, amigos ou conhecidos. Recentemente uma jovem foi buscar a um canil de adopção um cachorro dito mestiço de Pastor Alemão com Rafeiro Alentejano. A paixão pelo animal desfez-se em dois meses e meio, porque o diabrete não parava quieto, não gostava de estar sozinho, tudo roía e os estragos começavam a avultar-se. Segundo nos fizeram saber, foi recambiado para a quinta de uns parentes lá na província, para um lugar mais amplo e por onde andará à vontade sem causar maiores transtornos. É caso para se dizer: para grandes males, grandes remédios! Queira Deus que vá para melhor e que ali permaneça feliz para sempre, o que raramente acontece e pode acabar da pior forma para os desgraçados dos animais sujeitos a este fado (abandonados mais uma vez, atropelados, envenenados, electrocutados, abatidos na caça, entregues ao bom serviço dos canis terminais municipais, etc.). Até quando trataremos os cães como trapos que não usamos? Pior do que isto só as mães que abandonam os próprios filhos! Pense bem antes de adoptar um animal, veja se tem condições para o ter e informe-se primeiro, pois ele é um investimento para uma dezena de anos (no mínimo).

A SÍNDROME DO CÃO QUE EU TIVE

Mal vai o cão cujo dono pensa noutro que já teve e não vê no actual o muito que ele tem para dar, porque sempre será julgado por comparação e ver-se-á obrigado a ser aquilo que não é. É do conhecimento geral que não existem dois cães iguais e com rara propriedade o confirmarão os criadores votados à endogamia, porque por mais idênticos que sejam os animais produzidos, sempre subsistirão algumas diferenças pelo peso da individualidade. O apego declarado ao cão que já se foi tende a menosprezar o rendimento do recentemente adquirido, porque as diferenças obrigam à novidade de procedimentos e a disponibilidade operacional do dono, traído pela afeição e ávido de um clone autêntico, não será certamente a desejável, o que condenará o trabalho do cão ao sub-rendimento, a um aproveitamento parcial e à obtenção de respostas artificiais de difícil instalação. Este fenómeno é visível nos condutores que no passado tiveram em mãos um cão excepcional ou tido como excepcional, normalmente produto do trabalho alheio que não reclamou do dono grande empenho ou esforço em demasia. Graças à bitola do dono, presa ao passado, imprópria e alheia ao cão, o animal tornar-se-á evasivo, desatento e pouco interessado, factores advindos da ausência dos verdadeiros afectos que tarde ou nunca lhe chegam. A relação entre ambos dificilmente chegará à cumplicidade e o bicho enveredará justificadamente por tarefas a modo próprio, tornando-se desatento para aquelas que lhe serão solicitadas. O mundo do adestramento tem o seu esqueleto nos afectos, tanto que a mão que acaricia é ordinariamente a mesma que despoleta a ordem e é seguida. Como nenhum ânimo é válido se provir do desgosto ou desalento e o carácter dinâmico do adestramento assenta sobre o aproveitamento da novidade, importa alertar tais donos e convidá-los para a unicidade e mais-valia dos cães que conduzem, colocados à sua disposição e sedentos por apresentar trabalho. Ensinar cães é semear esperança nos condutores, despertá-los para a realidade e fomentar-lhes a parceria. E nisto que Deus nos conserve!

OUTRA VEZ NATAL

Estamos de novo às portas do Natal, num advento que nos renova a esperança e induz à fraternidade. Celebrar esta época festiva do calendário litúrgico cristão é viver na certeza que a nossa salvação já foi alcançada pelo Deus Menino cujo nascimento agora celebramos, um Deus que se fez homem, que pagou com a vida o preço das nossas iniquidades e que ao ressuscitar nos foi preparar lugar, garantindo-nos unicamente pelo seu sacrifício a vida eterna e a eterna comunhão com Deus. A celebração do nascimento do nosso Salvador, para além do uso ou proveito que cada um lhe dará, implica em reconhecer pela Fé, também ela mérito divino semeado no coração dos homens, que para além da morte à vida, que aqueles que n’Ele crêem serão consolados, que temos um Deus connosco e que sempre nos guiará até ao Pai. Celebrar o Natal é viver na certeza de que não estamos sós, que um Salvador nos nasceu e que a nossa redenção foi alcançada. Que o presente Natal acalente os corações dos nossos leitores, semeie a esperança entre os desesperados, conforte os abatidos, induza ao perdão e despolete a solidariedade entre os homens. Estamos a chegar ao final deste ano e a aproximar-nos do vindouro, altura certa para a despedida do redactor deste blog, que ao longo de 33 meses sorveu convosco o amor pelos cães, dividiu experiências e indicou soluções em prol da melhor comunicação entre os homens e o seu animal de eleição. Oxalá tenha conseguido. Feliz Natal para todos!

terça-feira, 29 de novembro de 2011

ADEUS TARUNCAS, VER-NOS-EMOS? (HOMENAGEM TARDIA AO CÃO QUE A NÃO TEVE)

Acordei e senti a tua falta, tinha sonhado contigo e julgava que ainda estavas vivo, como sempre ao meu lado, deserto de ir para a rua e possesso por marcar território. Mas nada do que era teu está à minha volta, somente a trela e o estrangulador pendurados na parede, um metro e oitenta de cabo e o volume vazio de 40 cm de pescoço, acessórios que reconheço obsoletos e com os quais tantas vezes te contrariei, por força da autoridade que aceitaste a troco da minha amizade, impelido pela sobrevivência e apostado em agradar-me. Arrependo-me agora por te ter moldado à minha imagem e de malbaratar a tua individualidade, quis-te unha com carne e ignorei muitos dos teus apelos, explorei o melhor que havia em ti e tu nem sequer te queixaste. Queixaste-te ou fui eu que me fiz de cego, surdo e mudo? Ao certo não sei, porque a intimidade da nossa relação nunca esclareceu onde começava um e acabava o outro pela cumplicidade que o tempo foi construindo. Poderias ter sido o cão mais feliz do mundo e não o foste pela minha pequenez, pelos entraves que continuam a atrapalhar-me e pelas dificuldades que nunca levei de vencida. Até os pobres dos cães necessitam de alguma fortuna! E agora que cá não estás e perante o muito que te fiquei a dever pergunto-me: valeu a pena? Se pudesse voltar atrás procederia do mesmo modo? Não! Apenas me preocuparia com a tua sobrevivência, apostaria no teu bem-estar e educar-me-ia para melhor te compreender, para além das minhas ambições, tendências naturais e gozo, pois não tive melhor companheiro do que tu. Se nos voltarmos a ver, o que me parece impossível, irei pedir-te perdão pela minha estultícia e recompensar-te pelo muito que me deste. Entretanto, porque há por aqui outros tantos como tu, manifesto a minha contrição para que os seus donos ajam com eles doutro modo, homenageando-te em cada cão que passa e sofrendo por cada um que não é compreendido.

A MATILHA E A MARALHA: A NECESSIDADE DE LIDERANÇA

A matilha, enquanto modo de escalonamento social e meio de sobrevivência para o grupo, poderá servir de inspiração a uns tantos que naturalmente abominam ou ignoram a necessidade da liderança. Qualquer grupo animal, inclusive o humano e aqui de sobremaneira, carece de uma liderança autêntica e determinada para o alcance das metas e objectivos dos seus agregados, para que a desorganização não impere e os mais sãos propósitos caiam em saco roto. O grosso dos condutores na cinotecnia funciona também como agente de ensino sobre todos os cães em classe, influindo directamente no seu progresso ou retrocesso, porque constituirá parte integrante da experiência directa desses animais. Cabe à liderança, para além dos seus mais variados e múltiplos deveres, preservar a unidade do grupo em torno do seu objectivo maior: o adestramento, já que a disparidade de interesses leva ao sectarismo, ao desânimo, ao desinteresse e pode provocar nalguns o abandono das classes escolares pelo logro do processo pedagógico anteriormente anunciado. É de todo desejável que os condutores cinotécnicos possuam outros interesses em comum para além do desejo de ensinar cães, porque isso mantê-los-á unidos por mais tempo e facilitará o seu entrosamento. No entanto, convém que a globalidade dos interesses comuns não usurpe o tempo e a dedicação necessários ao adestramento, tornando-o desse modo um pretexto e não um fim. A matilha espontânea escolar exige um grupo coeso em torno do ensino canino e cabe à liderança zelar por isso, ainda que lhe apeteça ir pescar lulas a candeeiro ou serpentear os montes de parapente, exactamente como alguém disse: “ Conhaque é conhaque e serviço é serviço”.

O QUE ENSINAR PRIMEIRO: O “JUNTO” OU O “AQUI”?

Diferentes escolas caninas optam por diferentes estratégias para alcançar o ensino dos cães e isso torna-se visível logo na escolha dos exercícios primários que cada uma delas adopta. Menosprezando as excepções, porque o manancial do engenho humano parece ser infindo, umas começam pelo “aqui” e outras pelo “junto” (ao lado), na explanação de duas filosofias: a de “sempre que te chamo, fazes-te presente” e a de “ sempre andarás ao meu lado”. Nenhum dos exercícios é na sua essência uma resposta natural por parte dos cães e nenhum deles irá ser alcançado gratuitamente, sobrando daí a necessidade do condicionamento, condicionamento esse que deverá ser cativo às leis ou princípios da pedagogia geral de ensino. Independentemente do exercício inicial proposto e mesmo a expensas do reforço positivo (mais-valia que ninguém deverá desprezar e que tende a contrabalançar a coerção de qualquer exercício e a suavizar todo e qualquer condicionamento), há que considerar o histórico global de cada animal, porque o adestramento não se caracteriza por um ensino à “tábua rasa”, já que se destina a indivíduos, alguns deles únicos e por isso mesmo dependentes de especial cuidado, considerando o seu bem-estar, aproveitamento e uso, submetendo-se estes dois últimos ao primeiro e à capacidade de resolução presente em cada cão. Assim, a opção pelo exercício inicial deverá sujeitar-se ao particular individual animal, às dificuldades a vencer e à sua solução ou resolução. Entre nós é comum começar-se pelo “junto” e isso deve-se ao alcance do “aqui” em casa, à cuidada instalação doméstica que não despreza o carinho, a coabitação, a alimentação adequada e a higiene requerida, que aproveita os momentos lúdicos, tira partido dos brinquedos e que opta por uma experiência variada e rica em prol do aumento cognitivo dos infantes, factores indispensáveis à cativação dos cachorros e à cumplicidade que lhes será exigida. Doutro modo teríamos que carregar uma trela cumprida no início do treino e de forma mais persuasiva ou coerciva operar o comando de “aqui”. A opção pela primazia do “junto” prende-se ainda com o método que seguimos, baseado na precocidade e empenhado no acompanhamento dos distintos ciclos infantis. Assim, afim de evitar a fadiga e a saturação dos cachorros, vamos ao seu encontro numa idade em que avidamente procuram a excursão e seguem os cães adultos, o que é deveras importante face ao seu desenvolvimento e evita o excessivo travamento que pode obstar ao seu total aproveitamento. À parte de tudo isto, importa aproveitar a sua fase plástica e promover a inerente mais-valia morfológica, coisa que a marcha oferece e que induz ao concurso dos aparelhos correctores, através dos quais se pode operar a superação de anomalias físicas castradoras do bom desempenho canino. O concurso sistemático ao comando de “aqui” como introdutor ao treino só se justifica quando os laços afectivos binomiais são deficitários ou inexistentes, quando a rebeldia dos cães é por demais evidente ou quando a autoridade do dono não é reconhecida pelo animal.

O ROBUSTECIMENTO DO CARÁCTER CANINO É POSSÍVEL E OBRIGATÓRIO

O treino canino sempre deverá pressupor o robustecimento do carácter dos animais em classe e providenciar todo um conjunto de exercícios que sirvam esse propósito. Como normalmente os automatismos ou comandos de imobilização tendem a agravar as lacunas respeitantes ao carácter de alguns cães, especialmente se forem servidos a frio e sem o contributo do reforço positivo, convém dar maior ênfase na fase primária do treino aos subsídios ou automatismos de direcção, particularmente aqueles que suscitam dos animais maior autonomia e que contribuem para a sua auto-confiança. Nenhuma figura de obediência ou exercício são correctamente executados quando os cães teimam numa mímica que denota medo, incómodo, revolta, stress, suspeita ou desconfiança, porque a correcta instalação dos códigos isso exige e adestrar jamais será atabalhoar. Cabe a cada condutor atentar para a mímica do seu cão, saber interpretá-la e operar as necessárias compensações. Quando isto não se verificar, o adestrador ou monitor deverá alertar incessantemente os condutores em falta e convidá-los para o reparo que é devido aos cães, pois é tantas vezes condutor quantos condutores tiver em classe. Qualquer figura desnuda num cão o modo da sua obtenção e não deve evidenciar qualquer fragilidade de carácter, coisa que outros aproveitarão para fazer lograr o seu serviço ou comprometer a sua prestação.

WAS IST LOS: CEE ODER LEBENSRAUM?

Dez mil criminosos (assassinos, pirómanos, violadores, beberrões, apóstatas e ladrões de toda a casta), tal é a estimativa mais fidedigna acerca do número dos bárbaros germânicos que atravessou os Pirinéus por ocasião da queda do Império Romano do Ocidente, naquilo que a nossa história registou como as invasões bárbaras, iniciaram assim a coabitação entre os Iberos, que fartos da exploração romana pouco ou nenhuma resistência lhes ofereceram, consentindo inclusive que os invasores se nobilitassem diante dos seus olhos e vivessem às suas expensas, cobrando impostos e nada fazendo à boa maneira romana! Graças às divisões entre eles, os Mouros foram convidados a vir para a Península e junto com os árabes acabaram por estabelecer o Al-Andalus, subjugando a maioria dos seus reinos até às Astúrias. Daí para cá, salvo honrosas excepções, da Alemanha não tem vindo grande coisa, tanto para nós como para os restantes europeus e demais povos do Mundo, uma vez que iniciou duas Guerras Mundiais, enveredou pelo genocídio e levou ao extremo a prática do eugenismo, sendo também responsável pela Guerra-fria, factura que acabou por ser paga pelos norte-americanos e europeus, colocando o planeta à beira de uma possível catástrofe nuclear. Apesar de tudo isto, a célebre frase “ Über alles, über alles in der Welt”, continua a fazer parte do seu hino e a ser cantada a pelos pulmões, como se nada tivesse acontecido e a fera tivesse sido, de uma vez por todas, finalmente amansada. Perante tal exortação, fratricida sem dúvida, urge perguntar: serão alguma vez este povo e os seus governantes capazes de entender valores universais como a fraternidade e a solidariedade? Que modelo de globalização preconizarão? Será aquele que defende a conquista dos territórios pertencentes às pessoas “menos desenvolvidas”?
Desde Friedrich Ratzel que a Alemanha não larga a ideia do “Espaço Vital” (Lebensraum) e vem tentando de todas as formas alcançá-lo, até porque a geografia continental da CEE lembra as fronteiras do outrora Sacro Império Romano Germânico e as actuais políticas económicas visam o seu engrandecimento em prejuízo dos países mediterrânicos, mais uma vez desleixados, tornados periféricos, condenados a uma confederação de segundo plano e por conseguinte a um menor desenvolvimento. Se nada de novo acontecer na CEE, a Sr.ª Merkel fará dançar de contentamento o Cabo de Braunau am Im na sua tumba, pois irá alcançar aquilo que ele nunca alcançou e que sempre desejou. Agora a Alemanha já não precisa de armamento, porque os magros orçamentos de estado impendem os mais fracos de se defenderem, colocando em risco a sua soberania, fustigados que andam pelo disparo dos juros e pelo fogo amigo da ajuda externa. Estamos no advento ou na presença da III Guerra Mundial, a guerra económica que se faz sentir um pouco por todo o Mundo, uma guerra mais cruel do que todas as outras que a antecederam. Se não houver resistência, brevemente a Sr.ª Merkel irá mandar nas contas dos estados membros e governará a Europa a seu bel-prazer desde Berlim, encargo que vai conquistando e que quer ver alargado. O mais do que eminente afundamento económico da Itália tem levado a França a agarrar-se desesperadamente à bainha das calças da Alemanha, denunciando um comportamento típico de protectorado que justamente receia o efeito dominó, porque por lá tout n’est pas parfait e nada disto aconteceria deste modo se a sacralização dos políticos não tivesse desde há muito acontecido.
Neste Portugal “que há-de cumprir-se”, profundamente metafísico e esperançado no Quinto Império, outrora orgulhosamente só e hoje pelos vistos mal acompanhado, há quem alvitre da necessidade de uma revolução, quem defenda uma austeridade atentatória ao desejável desenvolvimento e quem se conforme como é seu hábito, num trocadilho que nós entendemos melhor que ninguém: “ O fado é nosso e este é o nosso fado”. Agora que já não temos marinha mercante (breve perderemos a companhia aérea), que pouco ou nada pescamos e que abandonámos a agricultura, donde nos virá o socorro? Seremos capazes de fazer das tripas coração outra vez ou retornaremos à nossa condição de colónia inglesa? Mais uma vez a solução não partirá de nós, seguiremos as ideias de outros e acabaremos por adaptá-las à nossa realidade, porque assim tem sido e dificilmente acontecerá doutro modo. Só conseguiremos debelar a actual crise pela valorização do que é nacional e pelo contributo prà estagnação do mercado alemão. Tendo cada um na sua área estas preocupações, todos podemos alcançar estes objectivos, procurando sempre que possível o que é nosso e desprezando o que vem da Alemanha. E podemos começar também pelos cães, dando preferência aos criadores nacionais e também às raças que produzimos, comprando quando necessário acessórios provenientes de países em igual aperto ou sufoco. Portugal tem que cumprir-se! A Merkel responde perante os alemães e o superior interesse da Pátria congrega-nos prà sua defesa.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

AND THE SUN SHONE AGAIN

Já havia quem pensasse que o Sun, o CPA vermelho do Tiago, tivesse morrido ou sido abatido. Sosseguem as mentes mais sinistras que o caso não é para tal e o cão voltou às aulas, pleno de alegria e em franca recuperação. É caso para se dizer que o sol voltou a brilhar! A inactividade a que se viu votado por força da lesão levou à perca de músculos no anterior afectado, nada para além do recuperável e da vontade indomável presente neste guardião. Retomou o seu lugar nas nossas fileiras e no escalonamento escolar, veloz como sempre e pronto para qualquer desafio. A recuperação do cão ficou a dever-se ao empenho do Tiago e da sua família, a quem endereçamos desde já os nossos parabéns. Os amigos do Sun podem voltar a contar com ele!

GANAS Y OLÉ

A participação do público nas nossas aulas é algo natural, os cães cativam quem passa e surpreendem pela obediência que manifestam. Neste fim-de-semana uma senhora espanhola sentiu “ganas” de colaborar connosco e acabou por contribuir para a capacitação da Brownie. Guapíssima e cheia de salero fez de túnel e encantou quem a pôde observar. Gente moça gosta de desafios tanto lá como cá, mas os espanhóis têm algo de único, derramam paixão e dão azo aos seus impulsos, vivem cada momento intensamente e gostam de ser quem são. Não sabemos o nome desta colaboradora eventual, mas ficámos conhecedores do espanto que criou entre os condutores masculinos, surpresos pela prontidão e embevecidos pela sensualidade da moça (Jorge inclusive).

CHAMPAGNE AU JARDIN

É do conhecimento geral que os caniches são extraordinariamente aptos e que aprendem naturalmente tudo aquilo que lhes é ensinado. O Sam é o 2º caniche nas nossas fileiras nestes últimos 30 anos e não escapa à regra, mostrando-se atento e evoluindo mais rápido que os demais, apesar do seu tamanho e escasso peso. Ele e a Sandy são os alunos mais assíduos da Escola e o cão adora os seus companheiros de classe, maiores do que ele e maioritariamente Pastores Alemães, gigantes que o aceitaram naturalmente e que o consideram membro do grupo.
Não há comando que o Sam não assimile rapidamente e sempre quer aprender mais, é simpático e amigo de toda a gente, causa espanto e enche-nos de alegria. Orgulhamo-nos dele e temo-lo como exemplo. Obrigado Sandy por te teres lembrado do teu companheiro, de teres apostado no seu ensino e descoberto todo o seu potencial. Que venham mais como ele, porque tamanho não é documento e a capacidade de aprendizagem não depende da envergadura.

O HOMEM COM O NOME CERTO

Se há alguém que adore o seu cão, esse homem será certamente o António, um apaixonado incondicional pelo seu CPA. Persiste entre ambos uma cumplicidade invejável, coisa visível tanto no trabalho como nas brincadeiras. E porque a vida tem destas coisas, o homem tem como apelido Amante. Pois que continue assim, é isso que defendemos, porque sem amor não há ensino e vã é a disciplina diante dos vínculos afectivos. Por mais estranho que nos pareça e muitos não nos deixarão mentir, passamos a vida inteira a apelar ao amor pelos cães. Certamente o António será um vencedor e sempre terá ao lado o seu fiel companheiro, porque o amor nunca regressa de mãos vazias e transpõe qualquer obstáculo. Parabéns António!

ZENI DE ZEN: CONCENTRAÇÃO E PAZ INTERIOR

A Zeni é uma CPA de pêlo comprido, uma fêmea calma, meiga e afectuosa, de trato fácil, concentrada e de fácil aprendizagem. Para além dessas qualidades, ela é muito bonita e está sempre atenta, demonstrando em simultâneo o carinho que a Rute nutre por ela. A Zeni é daqueles animais que raramente se dá por eles, apesar de se fazer presente e estar sempre ao lado de quem adora. Veio de Espanha e foi parar ao norte do País, daí saltou para as mãos da Rute e vive agora feliz junto à barra do Tejo, ladrando aos comboios que passam e sendo a carraça da dona. Na escola comporta-se como uma asceta, por vezes parece que levita e raramente se dá por ela. Será que pratica Yoga?

KALI: A MOSELRING RESGATADA

Nascida nas Caldas da Rainha, junto a zona industrial dessa cidade e em terrenos outrora agrários, a Kali é uma CPA negra descendente de cães afamados do passado. Mostra aptidões extraordinárias e sem qualquer entrave engrossou o núcleo escolar. Tem vindo a recuperar peso e encanta quem dela se avizinha, porque é particularmente bonita e extremamente simpática, uma gracinha entre matulões. Mais uma semana e começará o treino propriamente dito, tarefa que lhe será natural e da qual muito se alegrará. O dono e a sua família tudo têm feito para que cresça saudável e robusta e nisto têm sido bem sucedidos. É a aluna mais nova da Escola e estamos em crer que será uma das suas imagens de marca.

A IRREVERÊNCIA DO 11

Poucos o conhecem pelo nome e todos sabem quem é o 11. Estamos a falar do Pedro que junto com o Black constituem um dos novos binómios escolares. O Jovem tem a irreverência atrevida das suas poucas primaveras e tem sido um elemento aglutinador para o grupo, um rapaz simpático e bem-humorado, educado e prestável que transporta e irradia alegria para a classe. O Black chegou já adulto à escola e ofereceu alguma resistência inicial aos exercícios. Hoje comporta-se de acordo com as solicitações e evolui a olhos vistos. Queremos agradecer a jovialidade do Pedro e a presença do Black, enquanto binómio que vai na frente e que muito nos agrada.

DA FLANDRES PARA SERVIR

De regresso à casa mãe, o Sr. João Franco trouxe consigo a sua nova coqueluche, um Bouvier da Flandres macho, da criação da Helena Sofia Noronha Firmino e filho do Nobel e da Bonna. O cão chegou-nos um pouco acobardado e não menos desconfiado, mostrando no entanto uma predisposição atlética notável. O binómio melhora a olhos vistos, facto que se deve à aplicação do dono e à genética do animal, acerto indispensável ao sucesso e imprescindível ao adestramento. Oxalá o Sr. João Franco consiga igualar ou suplantar a dedicação do seu filho Luis aquando da educação do Zappa, jovem bem sucedido e do qual sentimos saudade para além de agradecidos. Com um Bouvier ninguém sai comprometido e o dono tudo terá a ganhar.

EVOLUÇÃO DOS ACESSÓRIOS ESCOLARES

Por força das necessidades encontradas e especificidade de algumas disciplinas cinotécnicas, as novas trelas e estranguladores da Acendura sofreram alguns melhoramentos, novidades que contribuirão para uma melhor resposta e desempenho nas disciplinas que ministramos, auxiliando desse modo tanto o trabalho dos condutores como o dos cães em exercício. As trelas passaram a ter uma prisão na pega para o fecho, facilitando desse modo o transporte da trela aquando da condução dos cães em liberdade. A mesma prisão poderá também ser usada ainda como portadora do saco de plástico que normalmente se destina à apanha de dejectos. Para além disso, as trelas apresentam dois tipos de mosquetões: um de bronze italiano cromado e certificado e outro totalmente de inox e destinado ao auxílio natatório canino. Encontram-se à disposição trelas para condutores entre um 1.55 e 1.90 m. Os condutores com alturas abaixo ou acima das descriminadas não serão penalizados e ser-lhes-á entregue uma trela feita à sua medida. A pensar no Inverno, na prática da natação e no particular dos cães de pesadas orelhas tombadas, junto com os tradicionais estranguladores de cabedal reguláveis, a Escola tem à disposição dos seus alunos estranguladores de fibra macios (almofadados ou não), também eles reguláveis com argolas e correntes totalmente em inox. Os fechos são de plástico e da marca “Karlie” e foram por nós testados nas mais variadas situações, podendo ter ou não patilha de segurança. A sua largura oscila entre os 2.5 e os 4 cm e dão resposta às cores regimentais.
Devido ao peso da corrente, que normalmente descai sobre o chanfro do esterno dos animais, o que projecta o fecho para a linha superior do seu pescoço, numa emergência, o seu socorro acontecerá de modo mais pronto, o que poderá salvar vidas e evitar um sem número de traumas ou lesões. Como não houve necessidade de aumento de preços, o preço dos distintos estranguladores é exactamente o mesmo. Estas alterações satisfazem as nossas necessidades pedagógicas e implicarão certamente num melhor rendimento.

E PORQUE HOJE É DOMINGO: HÁ JOGO DA BOLA!

A classe escolar é normalmente maior aos Domingos e por ocasião do trabalho geral procede-se ao jogo da bola, manobra de capacitação para a futura condução em liberdade. Com as trelas aos ombros, os condutores vão passando entre si uma bola, nos dois sentidos e que passa por todos, controlando os cães pelos comandos verbais e sem a coerção que a trela oferece, uma brincadeira de carácter sério e uma meta que propicia um objectivo. A manobra não é única e faz parte de um todo que visa a cativação dos automatismos direccionais a absorver pelos cães. Você pode não ser “bom de bola”, mas sempre terá lugar na nossa equipa, particularmente se tiver cão e tiver tempo para dividir com ele. Entre nós, como nos estádios, existem melhores ou piores jogadores, mas uma coisa podemos garantir-vos: todos irão à selecção!

DE MÃOS DADAS PARA O FUTURO

Eis parte da classe de 2011, um grupo novo carregado de novidade, apostado no bem-estar colectivo sem colidir com os interesses individuais, uma célula para o futuro que a amizade garantirá. Caberá também ao Tiago Soares a sua unidade, a continuação do trabalho e o seu índice de progresso. A nova classe de 2011 prima pela humildade e erudição, procura novas formas de expressão e cresce a cada dia que passa. Cada vez mais temos menos cães bélicos e a heterogenia floresce tal qual o direito à diferença, porque o adestramento destina-se a todos os cães e não somente a alguns, lição que alguns teimam em aceitar.

CARREGAR A NOSSA FILOSOFIA

A foto acima diz tudo e dispensa comentários, desnuda o que pensamos e temos como prática corrente, ad nunc et ad semper, porque viemos para servir os cães e nisso nos sentimos bem, porque eles não nos abandonam e sempre caminharão ao nosso lado, mesmo quando outros nos desprezam e não vêem em nós qualquer préstimo ou virtude. Por estas e outras tantas razões, o proprietário canino é um homem feliz, alguém que não está só e que sempre terá o cão por companhia.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

SOCORRO ATEMPADO

Cansado pela labuta diária, sonolento e sem forças para ir para a cama, o dono de um cão adormece no sofá com ele a seu ao lado, de candeeiro aceso, televisão ligada e janela aberta. Subitamente o animal desperta-o com o toque de uma das patas. Surpreso e estremunhado, o homem repreende e repele o cão, porque necessita de descansar e a hora não se presta a brincadeiras (são duas da manhã). Quase que imediatamente o cão sofre um ataque, perde o equilíbrio, cerra a boca e cai pesado no chão, de olhos vidrados no meio das convulsões. O dono levanta-se de imediato e empoleira o bicho no sofá, abre-lhe a boca à força e desenrola-lhe a língua por três vezes. O socorro demora longos minutos e o cão lambe-se finalmente, recupera o equilíbrio e volta à normalidade. Provavelmente se o animal se encontrasse num canil teria perecido e o dono encontrá-lo-ia pela manhã, hirto entre a neblina e tombado sobre o gélido piso do habitáculo. Como os mesmos males atingem cães e homens, continuamos a defender a divisão de espaço entre as duas espécies, uma proximidade que pode trazer vantagens recíprocas. Quantos cães já morreram sem socorro e de modo dito inexplicável? E se tal acontecer com um cão que aceitámos como hóspede? O cão hospedado no canil necessita de ser vigiado tanto de dia como de noite e ninguém pode dormir descansado quando tem vidas ao seu encargo. Será esta a prática corrente nos hotéis caninos ou assistir-se-á à praxis da luz apagada e “até amanhã”? Nenhum hotel canino deveria funcionar sem um plantão de 24 horas diárias, por força do encargo, esmero do serviço e retribuição a quem paga.

NOTÍCIA BREVE

Brevemente serão inauguradas as novas instalações da Acendura e acontecerá o retorno à pista de obstáculos, obra do monitor Tiago Soares em prol dos seus alunos e amigos, aqueles que têm dividido com ele as aulas e as dificuldades eventuais que este momento de transição tem causado. Brevemente anunciaremos a data e estamos em crer que tal acontecerá já em Novembro. Queremos também lembrar aos proprietários e alunos que têm cães de guarda, caso nos solicitem, que operaremos de imediato a sua instalação e capacitação domésticas. Os nossos agradecimentos ao Tiago, fiel seguidor da nossa filosofia de ensino, um homem recto, honesto e um amigo incondicional.

DO CONCEITO À PRÁTICA …

Exactamente como nas revoluções, onde sempre acontece a subversão dos ideais face à realidade económica, também na cinotecnia grande é a dificuldade na transição do conceito para a prática, até porque o ideal acaba por chocar com o conveniente ou o fazível pelos operadores, muitas vezes atribulados pelas suas menos valias, sujeitos ao calendário e escravos das suas tendências hereditárias, quer elas sejam de origem genética ou cultural. Nunca se viu como até agora tanto estrangulador de bicos, o que não deixa de causar rara estranheza, uma vez que a selecção belicista dos cães tende a desaparecer e os animais são cada vez mais dóceis, factores directamente relacionados com as leis relativas aos cães perigosos em voga na Europa. Por onde anda a excelência da técnica? Será que necessita de ser reinventada?

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

UM VÍDEO “ENCANTADOR” SOBRE A TERAPIA DO BARRIL




Tudo o que seja inovação em matéria de adestramento interessa-nos, desde que sejam salvaguardados tanto o bem-estar quanto o superior aproveitamento dos cães, porque sem o contributo da erudição o progresso nesta arte sairia seriamente comprometido, coisa que não desejamos face à necessidade de um melhor entendimento interespécies. Não temos como hábito comentar o trabalho de outros, ainda que ocasionalmente possamos questionar alguns métodos ou conteúdos de ensino. Ao invés, e várias vezes o fizemos, temos enaltecido o contributo de muitos para o nosso êxito educacional. Perante a insistência de alguns amigos e alunos, excepcionalmente, vamos aqui comentar o vídeo http://www.youtube.com/watch?hl=pt&v=zgjcIaVwYYs, relativo a um caso terapêutico do Sr. César Millan, tido como “encantador” de cães e hoje muito na berra, um mexicano bem sucedido em Terras do Tio Sam. Antes da análise propriamente dita e para facilitar a compreensão objectiva de todos, sintetizaremos a história e o caso do CPA Garrett, propriedade dos Sr.s Sheila Malavasi e Joel Cohen, um cão com o mau hábito de perseguir incessantemente a sua própria cauda. Segundo o que nos é feito saber no vídeo, tanto pela narração quanto pelas imagens, o citado cão foi adquirido para fazer companhia a uma CPA (Keela), na altura com seis meses de idade. Talvez o facto do vídeo se encontrar dobrado em português do Brasil possa conter algumas paráfrases ou inexactidões face à tradução operada do inglês para essa variante da língua portuguesa, solução que nos desagrada e à qual somos alheios, considerando o habitual rigor das nossas observações. Parece que o Garrett chegou ao novo lar já com o problema e que com o passar do tempo agravou-o, rodopiando ainda mais sobre a sua cauda e chegando inclusive a mordê-la. É curioso reparar que esse rodopiar acontecia maioritariamente no sentido dos ponteiros do relógio e não no sentido inverso, o que em si é revelador e indicia um grave estado de ansiedade, já que os cães normalmente, para se descontraírem e disso obterem benefício, descrevem círculos contrários ao movimento da terra para satisfazerem as suas necessidades fisiológicas. Perante o problema houve quem aconselhasse a amputação da cauda e um clínico inclinou-se para um problema na coluna. Como a dona do animal não o queria ver amputado (porque o considerava como um filho) e o tratamento sugerido não alcançou os resultados esperados, entra em cena o “encantador” que ao jeito de Xamã apresenta os seus bons ofícios (com um dos pés em cima do sofá).

Pela inquirição do “encantador” ficamos a saber que o Garrett foi objecto dum adestramento inconclusivo, de uma cirurgia ineficaz e sujeito ao Prozac, que ao momento apenas saía duas vezes por semana e que no passado chegou a sair todos os dias em excursões de 3 a 4 km, sem contudo ter alcançado o “junto” alguma vez. Com o tacto que a situação exigia e perante o desespero dos donos, cuja responsabilização em nada ajudaria, o terapeuta começa por enaltecer a excelência das qualidades laborais dos pastores alemães, da sua necessidade de trabalho, da importância da excursão diária e da necessidade que têm das rotinas, verdades que aceitamos e confessamos em género, grau e número. Quase como um mágico a tirar um coelho da cartola, o “encantador saca de uma mochila e coloca-a sobre o dorso do Garrett, dispondo-se depois a passeá-lo com esse apetrecho carregado de algumas garrafas de águas vazias em ambos os flancos. A saída para o exterior aconteceu à “arreata” (com os dois cães em paralelo e do mesmo lado), com a cadela entre o terapeuta e o Garrett, manobra que só por si impedia o cão de rodopiar, uma vez que a cadela se constituía em muro e o atraso do cão era veementemente solicitado, quer pela linguagem verbal quer pela indução da trela. A somar a isto importa reparar no tipo de estrangulador utilizado, acessório omisso de qualquer plano de pormenor, mas que contribuiu para o alcance quase instantâneo do “junto”, o que é caso para se dizer: “ novidades só no Continente!”

Liberto do peso da liderança e da coerção da trela, o cão volta a rodopiar quando em liberdade e dentro do quintal dos seus donos, como sempre fez e não evidenciando qualquer melhoria. Aí o terapeuta interrompe-lhe as acções chamando-o para si (“aqui”). Depois decide-se por aumentar o peso das garrafas e de estipular um horário diário para o uso da mochila, para que passe a rotina e contribua assim para a supressão do problema. Não sabemos se o Garrett chegou a ultrapassar a tara, porque só nos é adiantada a receita e em momento algum se vê a cura do paciente. Julgamos possível ter acontecido e já diremos porquê. O que não podemos deixar passar em branco é a interpretação dada à mímica das orelhas do cão, na terceira posição e entendida como de contentamento, porque ela desnuda idêntico estado de ansiedade e descontentamento, não o prazer do Garrett em se transformar em cão de tiro (aquando do transporte da mochila), mas sim uma manifestação inequívoca da sua submissão diante duma indução forçada (coerciva). Estamos em crer que tal interpretação não resultou da ignorância, mas da tentativa conseguida para sossegar os proprietários do animal, face à sua sensibilidade e ao desconforto do cão. Como diz o povo: “quem não sabe ser caixeiro, fecha a loja!”

Pela nossa observação e já nos passaram pelas mãos milhares de cães, o desvio de comportamento visível no Garrett, indubitavelmente associado à ansiedade, é mais comum entre os cães submissos, assenta sobre determinados indivíduos e pode ter uma origem genética, predisposição que poderá ser agravada pelo viver social dos indivíduos e pelo particular da sua instalação. Os cães à revelia confinados a exíguos espaços, normalmente acorrentados e sujeitos ao isolamento a maior parte dos seus dias, podem abraçar este desvio desde que biologicamente mais propensos ao stress. Quando a Sr.ª Sheila Malavasi fala do episódio em que o Garrett ao morder a cauda se feriu, o animal encontrava-se encerrado na garagem e é visível uma corrente no chão desse anexo, o que facilitou a transição da perseguição para a tentativa de amputação da cauda. Quando dois cães se encontram numa moradia e ambos tentam ladrar aos seus portões, com o decorrer do tempo, o mais valente irá inibir o outro e impedi-lo de fazer o mesmo, o que poderá induzir o segundo à aquisição dessa tara pela imposição. Dificilmente as razões ambientais despoletarão a tara se não houver uma predisposição genética que se aposse delas, a menos que a violência exercida seja de tal monta que arrebente qualquer valente.
E porque inúmeras vezes já resolvemos este problema sem recorrer à técnica do barril, porque é isso que a mochila está a reproduzir, impedindo o cão de se dobrar sobre si, uma solução engenhosa que espanta pela originalidade e não esconde a coerção, adiantamos que o adestramento convencional pode solucionar o problema pela constituição binomial, enquanto meio para estabelecer a liderança, alcançar a cumplicidade, equilibrar os cães e dotá-los da necessária uma autonomia condicionada, benefícios inatingíveis sem a disponibilidade física e anímica dos donos, que apostados no bem-estar dos seus animais tudo farão para que se sintam felizes, dando assim combate à ansiedade, ao stress e à inquietação presentes nos cães actuais, também eles vítimas dos desequilíbrios do nosso quotidiano individual e social. Por causa deste e de outros problemas de igual monta optámos pelo método da precocidade, tentando dessa forma equilibrar aqueles que outros desequilibraram, mercê de más selecções ou de comportamentos impróprios e indignos para os cães. Fazendo jus ao que atrás dissemos, continuamos a defender a boa instalação doméstica, a excursão diária e o adestramento de todos os cães, independentemente do seu grupo somático, carga instintiva, propensão laboral, raça, idade ou sexo.

De volta ao vídeo, pareceu-nos exagerado o tipo de estrangulador utilizado e a impropriedade da mochila colocada no Garrett, já que esses acessórios são por demais agressivos, sendo inclusive lesivos para cães deste tipo : submissos e de linha do dorso recta, a menos que se procure a cura por um trauma maior e se aposte no selamento como a melhor das terapias ortopédicas. Somos conhecedores da transferência física e anímica dos donos para os cães, reconhecemos a importância da liderança, estamos cientes dos benefícios da “condução à arreata”, sabemos da necessidade das rotinas no adestramento e reconhecemos qual o real valor da excursão diária para o equilíbrio e bem-estar dos cães. Se os donos do Garrett cumpriram com as disposições do “encantador”, tudo leva a crer que foram bem sucedidos. No entanto, a terapia indicada é radical e abusiva dos direitos do animal, já que é despropositada e recai sobre um indivíduo anteriormente desprezado, desleixado ou descuidado. Quem não cumpre a sua parte sempre espera milagres, algum tipo de encanto ou de encantador, um anjo que lhe bata à porta e lhe resolva todos os problemas. Que ninguém se deixe embarrilar: os cães nasceram para a actividade e só a cumplicidade poderá produzir alteração e trabalho objectivo, a satisfação e o equilíbrio entre cães e homens. Mais vale trabalhar com o seu cão do que esperar por um Xamã, porque o apelo às divindades tem o seu preço e não deverão ser os cães a pagar a pagá-lo!

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O DOM PARA ENSINAR CÃES

Desmond Morris, Granderath, Hagendorf, Jean-Henry Fabre, Konrad Lorenz e Trumler, por ordem alfabética e citando apenas alguns etólogos e entomologistas, muito contribuíram para a melhor compreensão dos cães e doutros animais, sendo percursores de uma nova ciência: a antrozoologia, vocacionada para o estudo das relações entre o homem e os restantes animais. Qualquer indivíduo mediano de inteligência e mal aviado de habilidades pode ensinar um ou mais cães desde que procure esse propósito, porque eles, ao fim e ao cabo como nós, entendem a linguagem da recompensa e do castigo, as manifestações de júbilo e desagrado e as emoções que as acompanham ou desnudam. A tarefa ser-lhe-á suavizada pelo uso da técnica advinda do condicionamento e pela extrema habituação presente no lobo doméstico, que tendo poucos instintos e sendo rico em “personalidade”, bem depressa se submeterá aos desejos de quem o sustenta e conduz. A grande revolução na etologia relativa aos cães, para além das suas duas maiores lições: que mais vale considerar o indivíduo do que o propósito da raça e que um cão pode ser ensinado em qualquer idade para qualquer fim, veio a acontecer pela questão: “O que fazer para que o meu cão me entenda?”. Esta dúvida teve o mérito de alterar e inovar os métodos de treino canino até então, realçando de imediato a responsabilidade humana no sucesso ou insucesso do adestramento, apesar de há muito se saber do domínio natural do inteligente sobre o irracional. Contudo, a pergunta pressupõe apenas a comunicação unilateral do homem para o cão, omitindo a comunicação possível do animal para o seu líder e protector, como se tal fosse irrelevante ou o especicismo fosse a melhor das políticas. A pergunta revolucionária e inovadora deveria ter sido complementada por uma outra: “ O que fazer para entender o meu cão?”, já que os cães têm diferentes vozes e expressões mímicas que evidenciam distintos estados de ânimo, hoje entendidos tardiamente como sentimentos.
Se ao adestramento for exigível um dom, ele resultará certamente da resposta às duas questões: da capacidade de compreender e se fazer compreender. Um nosso aluno de tempos idos, natural do lugar da Ordasqueira, Freguesia de Matacães e Concelho de Torres Vedras, homem simples e parco em palavras, quando questionado acerca da diferença gradativa dos mestres cinotécnicos perante a mesma técnica, costumava responder que ela resultava da “estaleca” individual, subentendo-se o termo por um conjunto de predicados únicos e apenas presentes nalguns indivíduos. Ao que parece, estamos na era dos “encantadores” tanto de cães como de cavalos, exaltando-se a saga de um humilde mexicano por terras gringas, um notabilíssimo adestrador que apresenta solução para tudo, inesperadamente e num ápice, e sobre o qual muito se tem escrito (ele mesmo virou escritor). Depois de lermos e relermos o que publicou, assim como os relatos dos seus êxitos, leituras que recomendamos para que se faça luz e se confirme a justeza da nossa opinião, chega-se à conclusão que nada trouxe de novo, que a chave do seu sucesso resultou do apego aos procedimentos correctos sobre a confusão operativa dos proprietários caninos norte-americanos, gordos em antropomorfismos e carenciados como sempre de um manual de instruções.
Os actuais métodos de treino canino não são os ideais, mas são até ao momento os que melhor servem o adestramento, face ao bem-estar dos cães e ao necessário aproveitamento dos seus impulsos herdados para o alcance das respostas artificiais procuradas no treino, o que não significa que os métodos menos recentes estivessem completamente errados e não possam pontualmente ser aplicados ainda hoje, atendendo às diferenças entre cães, ao seu particular instalador e à sua experiência directa, características advindas da sua selecção, perfil psicológico, lições de vida e viver social. O que o passado não dispensou, o presente reclama e o futuro aperfeiçoará é a autêntica comunicação interespécies, baseada no entendimento mútuo entre homens e cães que possibilita a aplicação dos estímulos certos para as acções requeridas, algo que ultrapassa os métodos, estabelece a diferença e que está para além da comum técnica, graças à intimidade presente em cada binómio por força da cumplicidade. E para que não restem dúvidas, importa fazer saber que a generalização de qualquer método acontece pela sua simplicidade, busca a mediania e granjeia por isso muitos adeptos.
A genialidade no adestramento, vulgarmente entendida como um dom nalguns indivíduos, resulta da fusão psicológica entre homens e cães que garante a sua unidade e acontece quando o cão certo vai parar às mãos do homem certo, uma responsabilidade tanto de criadores como de adestradores. A qualidade dum adestrador virá da capacidade de interpretar os diferentes cães e de encontrar para cada um deles os estímulos certos, as suas tendências e potencial individuais, suprimindo incapacidades e descobrindo mais-valias, mesmo que para isso se veja obrigado a alterar o comportamento de alguns condutores, também eles alunos e primeiros agentes de ensino, enquanto líderes, codificadores e emissores da mensagem. O dito dom para o adestramento vem do impulso ao conhecimento individual aqui transformado em vocação, da capacidade de interpretação e de se fazer compreender, de um novo relacionamento entre homens e cães.

A TENTATIVA DE SUICÍDIO DO TOT

Depois da morte do Carlos Veríssimo (e já lá vão quase três meses), o Tot acusou o desaparecimento do seu dono e líder, começando por partir alguns pertences do quintal e enveredando por uma série de disparates aparentemente injustificáveis. A letargia tomou o lugar da revolta e gradualmente desinteressou-se das iguarias do seu agrado, permanecendo prostrado e arredio, de olhar vago e desinteressado. A família preocupada com o sucedido contactou-nos, porque não lhe encontrava sinais exteriores de doença e não sabia o que fazer. A solução por nós encontrada foi a de o trazer para o treino e entregá-lo aos cuidados do Monitor Tiago Soares, que “substituindo” o líder desaparecido e valendo-se dos códigos, o convidou para um conjunto de tarefas do seu agrado. Com as calças demasiado apertadas no princípio, porque se tratava de um valente cão de guarda, o Tiago foi vencendo gradualmente os seus receios e o cão aceitou a sua liderança. Logo após o primeiro treino, o cão voltou à normalidade, retomou o apetite e recuperou a alegria. Doravante fará equipa com este monitor da escola até à constituição binomial, já que na família adoptiva ninguém apresenta essa disponibilidade. Graças ao uso dos códigos, o cão está de volta, voltou à matilha escolar, recuperou a sua utilidade e alcançou a excursão. Não lhe podemos trazer de volta o seu amado dono, mas tudo faremos para que se sinta bem entre nós, na escola donde veio e que muito bem conhece. Sê bem-vindo Tot, sempre teremos um lugar para ti nas nossas fileiras!

O ABU E OS 5 CÃES DE LONDRES: A NECESSIDADE DE REPÔR A ORDEM

Os recentes distúrbios em Londres fizeram-nos lembrar do Abu, um CPA amigo da dona que zela pela harmonia familiar, não hesitando em pôr na ordem o infante lá de casa, quando ele não cumpre com as suas obrigações ou desrespeita as regras instituídas, valendo-se para isso da persuasão necessária e inerente ao seu porte. Na capital inglesa vimos 5 cães com igual incumbência, perante uma turba de ladrões e saqueadores, meninos a pôr na ordem, extasiados pela destruição e tomados pela violência. Não é bonito usar cães contra cidadãos, mas talvez se justifique o seu uso como presença dissuasora e ostensiva, particularmente diante da barbárie que assume o fratricídio, que nada respeita e quer passar impune. A avaliar pelas imagens televisivas, parece que os bichos foram bem sucedidos e as investidas dos saqueadores travadas. Bem aventurados sejam os cães quando usados contra o abuso, quando zelam pela nossa protecção e não descansam para que tenhamos segurança.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O CLAUSTRO PRÀS BESTAS E OS CÃES DA “LEVADA”

Pelo estado de conservação dos monumentos e do nosso património histórico parece que os portugueses são pouco cuidadosos na preservação da sua cultura, desprezando os tesouros da nossa identidade que nos foram legados pelas gerações passadas. Esta política do “deita a baixo” tem raízes milenares e sempre volta à tona nos momentos de alguma convulsão social, onde a ocasião faz o ladrão e o que é de todos passa para o quintal dalguns. Talvez isso se deva ao abismo entre a erudição e a ignorância, à procura de um lugar ao sol mais fácil e à ancestral inveja que teima em largar-nos. E como se tudo isso já não nos bastasse, o “pragmatismo” de alguns acaba por arruinar muito daquilo que é nosso. Na dita capital do gótico, em Santarém, está situado o Convento de S. Francisco, fundado em 1242 por D.Sancho II, a quando da chegada dos Franciscanos àquela cidade. Classificado como Monumento Nacional pelo IPPAR desde 1917, há mais ou menos noventa anos que se encontra em obras de restauro. A determinada altura aconteceu por ali algo de insólito e inesperado, um Sr. Comandante Militar mandou arrancar as lajes do solo de grande parte do claustro, e fê-lo porque quis lá colocar cavalos e o piso era por demais escorregadio para o efeito, profanando sepulturas e arrancando inscrições. Hoje já não existem ali cavalos, somente umas câmaras poeirentas e um amontoado de lajes à espera de serem recolocadas. Longe vão os tempos em que os cães eram de uma obediência inquestionável, tanto os civis como os militares, independentemente do serviço a que se destinavam e perante qualquer situação. A avaliar pelo comportamento dos cães actuais, parece que nada aproveitámos do passado e que esquecemos a mestria dos adestradores que nos antecederam, gente que se notabilizou pela excelência do seu conhecimento, arte, empenho e prestação. Por todo o lado se vêem cães pendurados pelo pescoço, apoiados nos jarretes e de patas dianteiras suspensas, lembrando a levada dos cavalos iniciada nos pilões, com os seus tratadores ou condutores debaixo de sério embaraço, tal qual dedo trémulo sobre o gatilho, denunciando o desequilíbrio entre a acção e o travamento, tanto pela força do estímulo como pela ausência de controlo. O caricato da situação, quando entendido pelo chauvinismo, parece uma reminiscência barroca e quando avaliado friamente, à luz da técnica e diante do desempenho necessário, prefigura-se um autêntico disparate. No nosso caderninho de dúvidas a apresentar ao Pai Celeste, na devida altura, queremos acrescentar mais duas: porque será que em Portugal actualização significa rompimento com o passado? Num País tão antigo como o nosso, porque é que tanta gente insiste em ser geração espontânea? Não são só os claustros que são cultura, o adestramento também o é, e ambos parecem condenados a igual amargura, os primeiros ao arrancar das suas lajes e o segundo à ignorância da sua mestria. O claustro para as bestas e os cães da levada são duas faces da mesma moeda, obra da mesma filosofia e fardo que tarda em largar-nos.

1, 2, 3, 4… CONTACTO, ESTICÃO, BRAÇO DOBRADO, BISCOITO NA MÃO

O velho e respeitável modelo alsaciano para treinar cães, responsável directo por umas quantas modalidades desportivas, ao contrário do que se julga e longe de ter sido abolido ou substituído, continua em uso no mundo do adestramento, ainda que pretensamente suavizado ou usado como medida de recurso. A progressão em linha recta com retorno, a condução de mão direita, a acção do joelho esquerdo do condutor e a coerção continuam a ser utilizados sem maior contestação, responsabilizando exclusivamente os cães pelo sucesso ou insucesso do processo pedagógico, prática que atenta contra o que Hagendorf e Granderath sugeriram: “ o que fazer para que o meu cão me entenda?”. No nosso entender de pouco préstimo, mas profundamente cativo ao melhor entendimento entre cães e homens, julgamos mais acertada a progressão circular, a condução de mão esquerda, a naturalidade de movimentos do binómio e a substituição da coerção pela advertência verbal, porque sabemos que o stress obsta ao melhor desempenho e entrega os animais aos seus instintos mais básicos, o que é deveras reprovável face ao desenvolvimento do seu impulso ao conhecimento. Com isto estamos a apelar para uma excelente instalação doméstica, para um quadro de crescimento funcional que antecede a escola propriamente dita, para a mais-valia técnica dos condutores e para a relação óptima entre tratamento e treino, maioritariamente responsável pelo estabelecimento dos vínculos afectivos inerentes ao sucesso educacional. Movidos pela curiosidade e assim como quem não quer a coisa, fomos espreitar uma escola canina, dita de reforço positivo e anti-stress. No adestramento, assim como noutras áreas do conhecimento humano, toda a reciclagem é bem-vinda e todos teremos sempre a algo a aprender. Debaixo desse interesse assistimos demoradamente a algumas lições, humildes e à torreira do sol, concentrados e ávidos de novidade. Os automatismos procurados (“junto” e tri-comando básico), a despeito da memória afectiva canina e sem prévio aquecimento dos animais, aconteciam pelo condicionamento mecânico numa toada de: contacto, esticão, braço dobrado e biscoito na mão. O contacto reportava-se à distribuição de biscoitos e o esticão à “correcção” das figuras, violência encoberta pela distribuição da paparoca. Do ponto de vista técnico não assistimos a qualquer novidade resultante da erudição e a haver reforço positivo, o que duvidamos seriamente, seria no “lavar de uma mão pela outra” na distribuição de guloseimas, na tentativa de suavizar a coerção ou de posteriormente a evitar. O método pareceu-nos altamente lesivo para os cães menos atléticos e mais frágeis do ponto de vista articular, fatal para os cardíacos e prós sujeitos a ataques de vária ordem. Os condutores ali não são considerados como alunos, somente como clientes, tornando-se mestres na arte de arrojar os cães e na prática dos subornar. O andamento preferencial não obriga à marcha canina e pode acontecer a passo, geralmente em pequenas distâncias e por breve espaço de tempo, o que não produz a desejável alteração atlética, atrasa a assimilação das respostas artificiais e reforça de sobremaneira a coerção. Como as aulas são individuais a sociabilização sai comprometida, a menos que a veemência dos esticões e a política de boca aberta produzam efeito, terapia já gasta e que de positiva pouco tem. Acabámos por redescobrir o velho método alsaciano, mais perto do seu homónimo na confeitaria e mais distante daquele que viabilizou o treino dos cães militares. O que vimos lembrou-nos a doma tradicional em uso nos pampas, um atabalhoamento técnico entre o pau e o pão.