Acordei e senti a tua falta, tinha sonhado contigo e julgava que ainda estavas vivo, como sempre ao meu lado, deserto de ir para a rua e possesso por marcar território. Mas nada do que era teu está à minha volta, somente a trela e o estrangulador pendurados na parede, um metro e oitenta de cabo e o volume vazio de 40 cm de pescoço, acessórios que reconheço obsoletos e com os quais tantas vezes te contrariei, por força da autoridade que aceitaste a troco da minha amizade, impelido pela sobrevivência e apostado em agradar-me. Arrependo-me agora por te ter moldado à minha imagem e de malbaratar a tua individualidade, quis-te unha com carne e ignorei muitos dos teus apelos, explorei o melhor que havia em ti e tu nem sequer te queixaste. Queixaste-te ou fui eu que me fiz de cego, surdo e mudo? Ao certo não sei, porque a intimidade da nossa relação nunca esclareceu onde começava um e acabava o outro pela cumplicidade que o tempo foi construindo. Poderias ter sido o cão mais feliz do mundo e não o foste pela minha pequenez, pelos entraves que continuam a atrapalhar-me e pelas dificuldades que nunca levei de vencida. Até os pobres dos cães necessitam de alguma fortuna! E agora que cá não estás e perante o muito que te fiquei a dever pergunto-me: valeu a pena? Se pudesse voltar atrás procederia do mesmo modo? Não! Apenas me preocuparia com a tua sobrevivência, apostaria no teu bem-estar e educar-me-ia para melhor te compreender, para além das minhas ambições, tendências naturais e gozo, pois não tive melhor companheiro do que tu. Se nos voltarmos a ver, o que me parece impossível, irei pedir-te perdão pela minha estultícia e recompensar-te pelo muito que me deste. Entretanto, porque há por aqui outros tantos como tu, manifesto a minha contrição para que os seus donos ajam com eles doutro modo, homenageando-te em cada cão que passa e sofrendo por cada um que não é compreendido.
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