sexta-feira, 5 de agosto de 2011

1, 2, 3, 4… CONTACTO, ESTICÃO, BRAÇO DOBRADO, BISCOITO NA MÃO

O velho e respeitável modelo alsaciano para treinar cães, responsável directo por umas quantas modalidades desportivas, ao contrário do que se julga e longe de ter sido abolido ou substituído, continua em uso no mundo do adestramento, ainda que pretensamente suavizado ou usado como medida de recurso. A progressão em linha recta com retorno, a condução de mão direita, a acção do joelho esquerdo do condutor e a coerção continuam a ser utilizados sem maior contestação, responsabilizando exclusivamente os cães pelo sucesso ou insucesso do processo pedagógico, prática que atenta contra o que Hagendorf e Granderath sugeriram: “ o que fazer para que o meu cão me entenda?”. No nosso entender de pouco préstimo, mas profundamente cativo ao melhor entendimento entre cães e homens, julgamos mais acertada a progressão circular, a condução de mão esquerda, a naturalidade de movimentos do binómio e a substituição da coerção pela advertência verbal, porque sabemos que o stress obsta ao melhor desempenho e entrega os animais aos seus instintos mais básicos, o que é deveras reprovável face ao desenvolvimento do seu impulso ao conhecimento. Com isto estamos a apelar para uma excelente instalação doméstica, para um quadro de crescimento funcional que antecede a escola propriamente dita, para a mais-valia técnica dos condutores e para a relação óptima entre tratamento e treino, maioritariamente responsável pelo estabelecimento dos vínculos afectivos inerentes ao sucesso educacional. Movidos pela curiosidade e assim como quem não quer a coisa, fomos espreitar uma escola canina, dita de reforço positivo e anti-stress. No adestramento, assim como noutras áreas do conhecimento humano, toda a reciclagem é bem-vinda e todos teremos sempre a algo a aprender. Debaixo desse interesse assistimos demoradamente a algumas lições, humildes e à torreira do sol, concentrados e ávidos de novidade. Os automatismos procurados (“junto” e tri-comando básico), a despeito da memória afectiva canina e sem prévio aquecimento dos animais, aconteciam pelo condicionamento mecânico numa toada de: contacto, esticão, braço dobrado e biscoito na mão. O contacto reportava-se à distribuição de biscoitos e o esticão à “correcção” das figuras, violência encoberta pela distribuição da paparoca. Do ponto de vista técnico não assistimos a qualquer novidade resultante da erudição e a haver reforço positivo, o que duvidamos seriamente, seria no “lavar de uma mão pela outra” na distribuição de guloseimas, na tentativa de suavizar a coerção ou de posteriormente a evitar. O método pareceu-nos altamente lesivo para os cães menos atléticos e mais frágeis do ponto de vista articular, fatal para os cardíacos e prós sujeitos a ataques de vária ordem. Os condutores ali não são considerados como alunos, somente como clientes, tornando-se mestres na arte de arrojar os cães e na prática dos subornar. O andamento preferencial não obriga à marcha canina e pode acontecer a passo, geralmente em pequenas distâncias e por breve espaço de tempo, o que não produz a desejável alteração atlética, atrasa a assimilação das respostas artificiais e reforça de sobremaneira a coerção. Como as aulas são individuais a sociabilização sai comprometida, a menos que a veemência dos esticões e a política de boca aberta produzam efeito, terapia já gasta e que de positiva pouco tem. Acabámos por redescobrir o velho método alsaciano, mais perto do seu homónimo na confeitaria e mais distante daquele que viabilizou o treino dos cães militares. O que vimos lembrou-nos a doma tradicional em uso nos pampas, um atabalhoamento técnico entre o pau e o pão.

Sem comentários:

Enviar um comentário