quarta-feira, 4 de agosto de 2010

1, 2, 3, disparate

A “menina dos cinco olhos” (palmatória, férula ou Santa Luzia) reinou nas escolas primárias portuguesas, como subsídio pedagógico, desde o final do Sec. XIX até à década de 80 do Sec. XX, mas sua memória permanece ainda viva. Quando alguma coisa não vai bem na sociedade, breve alguém exclama: “ o pau é o pai da humanidade!”, o que a ninguém espanta, atendendo à propensão dos vitimados em causar vítimas. Contudo, no adestramento não deverá ser assim, porque lidamos com animais irracionais, indefesos por força da coabitação, sujeitos a respostas artificiais e capacitados pelo condicionamento, companheiros sem perspectiva de futuro que entendem o presente pela experiência anterior. Ainda que a “lei do pau” seja de fácil assimilação para os cães, porque assim se dispõem hierarquicamente entre si, segundo a lei do mais forte, a prática dos castigos corporais rebenta com a cumplicidade que garante o bom desempenho binomial. Um cão agredido pelo dono jamais voltará a ser o mesmo, assimilará o trabalho como uma decorrência da liderança imposta e evoluirá com medo do reparo, perdendo com isso a alegria indispensável às tarefas. Com alguma sorte não confundirá o seu dono com outros, tremendo diante deles mal aconteça a sua apresentação. É-lhe muito difícil confiar na mão que se estende em ajuda quando ela é ao mesmo tempo um porrete. Se a violência física subjuga os submissos, ela levará à indesejável confrontação com os dominantes, assistindo-se à troca de mimos sem se saber, à partida, quem sairá vencedor. E para que não restem dúvidas, os que menos gastam as botas são os que mais tendem a molhar o bico! Tomando como exemplo a antiga escola primária e o uso da palmatória, quem apanhava mais, os bons alunos ou os maus alunos? Os mais zelosos ou os menos aplicados? O que faz um bom cão é a qualidade dos seus mestres e o tempo que dedicam ao condicionamento, porque a sobrevivência canina obriga ao entendimento com os homens. Será que nos fazemos entender? Quem merecerá um puxão de orelhas?

Ainda que a violência possa ser, nalguns casos, o caminho mais curto para a obtenção de algo, raramente se aquilata das consequências para as vítimas, na velha política que justifica os fins e desconsidera os meios. Será justo proceder assim com os nossos cães? O adestramento exige um final feliz, trabalha por aproveitamento e indução, baseia-se na confiança recíproca e procura a complementaridade, condições só possíveis pelo uso da razão que gera a tolerância e induz à paciência. Os impacientes sempre serão mal sucedidos no adestramento, porque lhe são alheios e impróprios, descarregando nos cães a carga que não suportam. O que será mais fácil modificar, os homens ou os cães? A resposta é óbvia, porque poucos se darão ao incómodo. Quando intentar ensinar algo de novo ao seu cão, não faça como alguns, que depois de contarem até três, caiem em cima dos animais, ignorando que a justeza dos seus procedimentos só poderá ser comprovada pela resposta dos cães. Troque a inibição pelo incentivo, vença os contratempos e aumente o estímulo, ajude e não reprove, recompense e não despreze, é isso que o seu cão espera de si – seja homem!

Sem comentários:

Enviar um comentário