Quando se trata da velhice canina, há dois factores a considerar: o excessivo sedentarismo que a torna precoce e a genética que pode retardar o seu aparecimento. Se ao sedentarismo desmesurado se juntar uma débil herança genética, caracterizada por uma menor esperança de vida, a velhice de alguns cedo se avizinha. Assim, a 3ª idade nos cães, resulta do contributo e da combinação destes factores, havendo quem considere, que aos 7 anos de idade, os cães já lá chegaram. A condicionante ambiental, incapaz de levar de vencida a hereditária, encontra-se ligada ao particular do ecossistema, à cadeira alimentar, à questão instaladora e ao tipo de exercício físico, providenciando ou não, problemas psico-físicos relativos à qualidade de vida. Por causa disto, os cães por nós treinados, têm uma esperança de vida média de 12 anos, mantendo-se activos até aos 8 e denotando alegria até ao crepúsculo das suas vidas. A vantagem da heterozigose na selecção, o conhecimento objectivo das nossas linhas de criação (ratificado por três décadas e meia), assim como a prática do exercício regular, têm contribuído maioritariamente para o nosso sucesso. O que nos leva a considerar, se forem respeitadas estas condições, que os cães atingirão naturalmente a velhice por volta dos 8 anos de idade. Infelizmente, os cães acompanhados debaixo doutros auspícios, envelhecerão mais rapidamente e mais cedo a morte lhes baterá à porta. Pouco a pouco, o comportamento dos cães vai-se alterando, retrocedendo para um estádio semelhante ao encontrado nos cachorros antes da idade da cópia. A excursão cede lugar ao giro higiénico, a marcação do território é substituída pela identificação e o abrigo está sempre debaixo de olho. A confrontação é evitada e a resposta é a última das opções, o cão esgueira-se estrategicamente e distancia-se dos estímulos alheios, ignora as provocações e despreza os convites para a brincadeira dos mais jovens. Só se sente bem no abrigo e ali passará a maior parte do tempo, dormitando indiferente a quem passa e desinteressando-se da azáfama ao seu redor. Se adivinhar que algum trabalho espreita, nem vale a pena convidá-lo, ele já não se deixa enganar e retrocederá logo que possa, permanecendo imóvel ou pondo-se em fuga, num claro “deixem-me em paz”. A precariedade sensorial, própria do processo de envelhecimento, condicionará as suas acções, tornando-o mais circunspecto e dependente dos hábitos e das rotinas. Como a indiferença substituiu a curiosidade, a geografia do local não deve ser alterada, tudo deve ficar como sempre esteve, porque a felicidade do ancião resulta da ausência da novidade, do prazer das coisas conhecidas e que sempre foram do seu agrado. Inevitavelmente, transforma-se num “come e dorme”, ainda que o apetite vá diminuindo até ao desprezo total pelas iguarias da sua eleição. Sozinho jamais lutará contra o inevitável, porque não sabe para onde vai, apenas sente uma vontade enorme de descansar. Dormiremos nós também até ao desfecho final?
As transformações físicas poderão ser imensas e nisso serão coadjuvadas pela estagnação cognitiva, porque a perca da curiosidade induz à indolência e esta ao desequilíbrio bioenergético. As feridas tornam-se mais difíceis de sarar, as calosidades avançam, o pêlo perde o brilho e as articulações acusam qualquer esforço. A convalescença é mais demorada, o dorso cede e as unhas crescem. Toda a máquina sensorial sofre alteração, órgãos e sistemas trabalham em sub rendimento, o esqueleto pode sofrer horrores e a massa muscular diminui. Para além disto, problemas como o cancro; a obesidade e anemia; insuficiências cardíacas, hepáticas e renais; cataratas, diabetes e surdez, são comuns nesta idade. O cão perde autonomia e torna-se ainda mais dependente do dono. Perante tal cenário, haverá alguma coisa a fazer?
Só a prevenção nos poderá valer! Entendemos a prevenção desde a aquisição do cão até ao seu final, porque tudo está interligado e irá reflectir-se na velhice. Aqui, como em tantas outras coisas, a política de “casa roubada, trancas na porta” não funciona, porque o indivíduo é o mesmo e carrega as marcas do seu passado. Assim, o cuidado com a 3ª idade inicia-se na infância, altura em que operamos o desenvolvimento do impulso ao conhecimento, providenciamos a correcção morfológica, estabelecemos a dieta equilibrada e enraizamos os hábitos mais salutares. Na adolescência e na juventude certificamos o bom relacionamento social e preparamos o cão para a função. Na fase adulta mantemos os índices atléticos e garantimos a parceria. Na meia-idade transformamos o desempenho em manutenção e diminuímos as solicitações, reduzindo a frequência e a carga dos exercícios. Contudo, ainda instamos com o cão. Na velhice “damos-lhe as rédeas” e mantemos as rotinas, o trabalho vira brincadeira e a relação de paridade substitui a liderança. Jamais haverá prevenção objectiva sem o concurso do veterinário assistente, que por força do acompanhamento até então efectuado, sempre terá algo de importante a dizer.
Que relação existe entre a escolha do cachorro e o seu processo de envelhecimento?
Lamentamos o atrevimento e pedimos desculpa de antemão, mas a verdade deve ser dita: ainda bem que a maioria dos cães domésticos é rafeira, porque os cruzados são mais vigorosos e resistentes, enquanto filhos da selecção natural e libertos da sodomia que leva endogamia selectiva. Não obstante, o número de cães de raça continua a aumentar, o que obriga a uma escolha criteriosa, atendendo ao quadro clínico de cada uma delas, porque carregam um sem número de afecções que lhe são típicas, já há muito identificadas e teimosamente encobertas. Criadores apaixonados e de ocasião, assim como mercadores de cães, devem ser evitados, porque ignoram as afecções presentes nos animais propostos para venda, ainda que se escorem na mais ilustre das linhagens ou se embeveçam no mais cobiçado dos registos, porque obstam ao despiste e à prevenção. Não se deve ignorar a herança genética, porque os cães mais velhos, enquanto ascendentes, são referências da longevidade e saúde para a sua prole. E é curioso verificar, que na maioria dos casos, só conhecemos os bisavôs do nosso cachorro no papel e pouco ou nada nos é dito acerca deles. Estará o gato escondido com o rabo de fora? Se morreram, morreram de quê? Chegaram a velhos ou foram ceifados noutras idades? Há que saber.
A linguagem gestual, introduzida já na infância, pode minimizar os problemas colocados pela surdez (parcial ou total), mas tal só será possível pela fixação exclusiva na pessoa do dono. Será útil nos passeios ao exterior para a obtenção dos automatismos direccionais e de travamento. Apesar disso, ela não será totalmente eficaz, porque o cão surdo tende a isolar-se e a virar as costas para o mundo à sua volta, tirando partido da manha pelo concurso da incapacidade, o que o torna mais desconfiado e menos participativo.
Na nossa opinião, e temos quarenta anos de observação no terreno, a esperança de vida canina pouco tem aumentado, apesar do sério contributo dos clínicos implicados, do aumento dos cuidados e de uma maior sensibilização. Mas se considerarmos a vida vegetativa de alguns e não são tantos assim, porque a saúde custa dinheiro, somos obrigados a considerar o seu aumento. Como a longevidade é um prémio da genética, a diminuição do número dos mestiços e a consequente proliferação dos cães de raça, têm vindo a causar-lhe alguns entraves. Se no passado os cães foram vítimas da impropriedade das dietas, de inadequadas condições instaladoras e do trabalho excessivo, morrem agora de superalimentação, stress e inactividade. À parte da condicionante genética, outros factores há a considerar, por exemplo: consta das estatísiticas o número de cães abatidos semanalmente nos canis municipais?
Para a 3ª idade canina recomendamos:
- Interacção mais assídua por parte dos donos.
- Maior regularidade nas idas ao veterinário.
- Redução do exercício físico.
- Insistência nas rotinas.
- Dieta apropriada.
- Conservação da geografia instaladora.
- Relação de paridade.
O cão na velhice retorna à sua natureza original, libertando-se gradualmente das induções e investiduras de que foi alvo, já cumpriu e importa ser respeitado. Tal qual soldado que regressa a casa, deve ser tratado com todas as honrarias, porque sempre caminhou ao nosso lado e teima em se ir embora. Merece descansar, ser tratado como um igual e quiçá, um merecido pedido de desculpas. Quando o binómio chega ao fim, ficamos mais pobres, porque o cão leva consigo parte das nossas vidas, momentos de difícil repetição que sempre nos acompanharão. Como erva a germinar debaixo da terra, porque lá fora já existem, breve teremos lares de 3ª idade caninos. Pensamos que o negócio será chorudo, que “tem pernas para andar”, muito embora abominemos a ideia. Logo, logo, aparecerá um “chico esperto”, um daqueles que abraçará a divisa: “com o mal dos outros posso eu bem!”
Em sequência do artigo acima referido ("Adeus ao Guerreiro"), gostaria de enaltecer o extraordinário e especial animal que era o Warrior d'Acendura Brava, além disso, avô da minha cadela, Bunny do Monte da Foz.
ResponderEliminarRelativamente ao presente artigo, penso tratar-se de um assunto bastante importante e, de certa forma, urgente, pois, se já é difícil tratar e compreender um cão jovem ou adulto, a 3ª idade nos cães é algo muito delicado e também complicado. Digo isto por experiência própria, já que a minha cadela Bunny, treinada na vossa escola durante alguns anos, encontra-se agora a entrar na 3ª idade (vai fazer 8 anos em Dezembro), mostrando, porém, ainda bastante alegria de viver e, por vezes, uma alma de cachorra. Dificuldade em descer/subir escadas, maior tempo de descanso, dificuldade em ver/cheirar/ouvir e maior dependência ao dono (ou seja, eu) são algumas das características referidas no artigo a propósito do processo de envelhecimento do cão e que mais saltam à vista quando observamos aquilo que mudou no nosso animal. É importante, no entanto, respeitarmos esse "soldado que regressa a casa", essa companhia, esse amigo, essa parte de nós, que merece tudo o que lhes podemos dar, toda a nossa atenção e carinho, principalmente agora.
Pretendo, pois, enaltecer também este artigo pelos motivos já referidos. Obrigada por não esquecerem a 3ª idade!
Eugénia Barbosa