segunda-feira, 26 de outubro de 2009

::: O Cão jovem (dos 7 aos 18 meses): da puberdade à maioridade :::

Subitamente, as brincadeiras mudam, os cachorros comportam-se como coelhos e lembram a inesquecível “Reprodutora” de António Silva, no filme “Sonhar é fácil”. Os brinquedos passam para 2º plano e as investidas sexuais tomam a primazia, qualquer coisa serve de pretexto e as disputas aumentam de tom e modo. Assiste-se à guarda dos bebedouros e a intromissão é rechaçada, a perseguição domina e ensaiam-se movimentos de defesa e ataque. Os mais rijos provocam e os mais sensíveis escondem-se, reagindo somente quando se sentem em vantagem. No meio desta algazarra, os cães adultos assistem de longe, pouco interessados, participando apenas para “pôr ordem na casa”. Eis-nos chegados à puberdade!
Como a puberdade canina carece de profunda observação, não dispensamos os 10 minutos de relax que antecedem as aulas, momento em que convidamos todos os cães presentes para a brincadeira, debaixo da coordenação e responsabilidade do adestrador. A observação possibilita a diagnose e o desenvolvimento de cada cachorro é avaliado, estabelecendo-se a partir daí: as metas e objectivos individuais, a justeza dos conteúdos de ensino a ministrar, o reforço da sociabilização, as manobras para o robustecimento do carácter, os exercícios adequados e o modo de exercer a obediência. No nosso entender, até à puberdade, a disciplina maioritária deve ser a ginástica, quer ela seja desenvolvida sobre aparelhos correctores ou sobre pequenos obstáculos, porque o abuso da obediência obsta à cognição, impede a alegria, inibe a velocidade, reduz a experiência directa e diminui a autonomia. Na puberdade, ainda que de modo gradual e de acordo com os indivíduos, a obediência deve contrabalançar com a ginástica, pela necessidade da regra e da sobrevivência animal.

Quando a familiarização é profícua nos ciclos infantis, a sociabilização inter pares decorre sem maiores dificuldades. No entanto, os cães dominantes podem causar alguns problemas excepcionais, porque as alterações fisiológicas tendem a reforçar o carácter, produzindo desacatos típicos do seu estado etário. Assim, puberdade e sociabilização são inseparáveis, porque numa se joga a outra, evitando-se os meios mais coercivos e menos válidos exercidos noutras idades. As dificuldades visíveis na cópula de algumas cadelas, que as leva a rejeitar os machos e a atacá-los, podem encontrar a sua origem na puberdade, pelo isolamento ou pelo abuso, face à experiência adquirida.
Dentro da mesma raça, sempre existem variedades e indivíduos mais precoces que outros, ainda que se encontrem a coberto de uma determinada dominância cromática. Como a precocidade sexual de um cachorro sempre indicia um cão de menor crescimento, isso obriga-nos a cuidados redobrados, considerando o desenvolvimento do seu impulso ao conhecimento, a formação do carácter e a parceria desejáveis. Na puberdade os cães de raça pequena e os quadrados levam vantagem sobre os rectangulares, os primeiros pela brevidade da sua curva de crescimento e os segundos pela ausência de maiores transformações físicas. Aos 7 meses o cão rectangular é um “escangalhado”, quando comparado com os seus congéneres quadrados e miniatura, porque articula mal a traseira e sobrecarrega os membros anteriores. Os exemplares rectangulares crescem essencialmente para cima até os 6 meses e só depois começam a harmonizar o seu comprimento com a altura. Aos 12 meses já se encontram equilibrados e de acordo com as medidas standard. Quando um cão de raça rectangular é demasiado comprido para a idade, a tendência é para estreitar o peito e atirar as mãos para fora, porque é obrigado a rebocar a traseira, o que geralmente acaba por afectar também o dorso, selando-o ou não, de acordo com as suas angulações posteriores. Se ao fenómeno se juntar a inexistência da marcha diária, a sua locomoção sairá comprometida, relegando-o para a precariedade operativa e para andamentos atípicos, que sendo lesivos, a breve trecho o condenarão.
O “ligar das orelhas” aos cães de orelhas erectas que as teimam em levantar, deve acontecer antes da puberdade e só depois da troca dos dentes. Gente conceituada e habilitada para o efeito, ignorando esta regra, no desejo de poder valer, acabou por amputar algumas, ainda que esse não fosse o seu propósito inicial. Este trabalho deve acontecer entre os 5 e os 7 meses, porque aos 9 a cartilagem já não sofre alteração. Ligar as orelhas mais cedo pode ser inútil, levar ao seu cruzamento indevido ou constituir-se em amputação. O problema tem origem genética e geralmente encontra-se associado à baixa e média implantação. Por vezes, ainda que não o queiramos, somos obrigados à tarefa durante a puberdade. E quando assim é, mesmo que as orelhas levantem, o seu equilíbrio permanecerá peripatético. Por vezes, o atraso no levantamento das orelhas fica a dever-se a outros factores, tais como: convívio com cães mais velhos (que obriga o cachorro a uma mímica de submissão constante), ausência de vida ao ar livre (desprezo pelo contributo dos raios solares) e desuso das posturas de atenção.

Como a época da puberdade é de puro ensaio para o cachorro, reflectindo-se no seu futuro comportamento, importa protegê-lo e dar-lhe vantagem, transmitir-lhe uma sensação de poder através da audácia que o sustenta. Os valentes não irão necessitar disso, mas os submissos sempre necessitarão de ajuda. Isso obriga-nos ao controle sobre as brincadeiras, nunca consentindo o domínio dos mais fortes sobre os mais fracos, para que a experiência não vire estatuto e a inibição permaneça, impedindo assim os mecanismos de autodefesa de cada um. Nestes casos, ao invés de se forçar um cachorro, deve-se ampará-lo, porque a ajuda transmite força e o abandono só agrava. O amatilhamento deve ser contrariado e a autonomia individual procurada. Para que isso aconteça, porque o melhor exemplo para um cão é outro cão, mercê da afinidade e do sentimento gregário, ofereceremos diferentes induções aos cachorros pelo contributo dos cães adultos, dando-lhes outros alvos para além da confrontação entre iguais. A experiência torná-los-à mais fortes e menos receosos, ainda que fiquem confinados às acções conhecidas e dependentes da ordem expressa.
Ainda que por vezes imperceptível, a incompatibilidade somática evidencia-se desde logo na puberdade, em reacções pouco consequentes e por isso mesmo isentas de reparo. Existem raças que são inimigas umas das outras, que se detestam simplesmente e que mais tarde procurarão a peleja. Isentos de culpa, porque nasceram diferentes, os bracóides sempre terão à perna algum molosso ou lupino, estes sempre se desafiarão e os vulpinos abrirão as hostilidades. Por vezes, quando um cachorro é demasiado grande para a idade, ao ser mal identificado pelos adultos, pode vir a ser alvo dos seus ataques, porque o seu tamanho ameaça. Se for este o seu caso, cuidado com os encontros no jardim! Quando um dono é proprietário de um casal de cães, a partir da puberdade, é natural que o macho proteja a sua companheira dos demais, respondendo aos seus apelos ou dispensando isso. Também é comum a cadela seguir as pisadas do macho, acompanhando-o nas suas arremetidas. Geralmente é ela que dá o mote para o início das bravatas. Esta atitude defensiva transforma-se em manobra ofensiva pelo concurso do macho. Debaixo destas contingências, só as Manobras de Sociabilização animal nos poderão valer (conjunto de exercícios colectivos que ao provocarem a interacção canina, operam em simultâneo a sociabilização). Eis a razão pela qual dedicamos especial cuidado às Manobras de Sociabilização na puberdade!
Aos olhos dos cães, a puberdade acaba aos 10 meses de idade, altura em que os cães adultos já não toleram as fanfarronices dos mancebos e reclamam deles um comportamento igual ao seu. Contudo, isso nem sempre é verdade, porque a intromissão humana na selecção canina acabou por perpetuar comportamentos atípicos, típicos de determinadas raças e causadores de vários desaguisados, quando sujeitas a curvas de crescimento excepcionais e à propagação de características particulares. Também aqui, a ingerência humana não contribuiu para o bem-estar animal, porque alterou a ordem natural e produziu um grande número de inadaptados, graças aos especicismo aguçado pelo provento, porque tratar de cães é falar também sobre economia, porque os cães jamais retornarão ao lobo e os lobos encontram-se em vias de extinção por toda a parte. O final da puberdade canina obriga-nos à prática da obediência, para sintonizar os indivíduos com a sua espécie e salvaguardar a nossa hegemonia. De outro modo, para que andámos a criá-los e a robustecê-los? Para que nos comam?
Muito do cuidado com os cães é hipócrita, uma operação de luva branca, porque a soberania do standard pode obrigar ao sacrifício dos indivíduos. Entre nós, assim sem mais nem menos, alguém decidiu encurtar o tamanho de determinada raça, imediatamente, sem selecção prévia e contranatura, no desejo de formar a raça mais pequena do seu grupo. Nisto foi secundado por muitos, porque os velhos truques resultam nas patranhas habituais e os “milagres” são encapotados na calada. Isentos de outra solução, começaram a cruzar os cães logo após a puberdade, no intuito de travar o seu crescimento. Melhor sucedidos entre as fêmeas, não hesitaram em dar fome aos machos. Acabaram mal sucedidos, com menos mercado, os visados com a saúde comprometida e a sua descendência denunciou a marosca. Na puberdade há que ter cuidado com o 1º cio das cadelas que pode acontecer logo após os 6 meses de idade e ser silencioso (imperceptível). Beneficiar uma fêmea é assunto para a idade adulta, quando a sua estrutura óssea se encontra no pique e o seu corpo preparado para a maternidade. E por falar em abusos, determinada senhora estrangeira, profundamente ligada aos números, conseguiu na sua cegueira, “beneficiar” uma cadela 20 vezes. Na sua última cópula, com 10 anos de idade, a dilatação foi tal que impediu o engate do macho, sendo necessário segurar ambos. A cadela ficou conhecida por “via verde” e talvez tenha batido todos os recordes de natalidade.
A puberdade canina pode ser um problema acrescido, um problema social e como tal, deve começar a ser solucionado em casa, pela instituição da regra que garantirá a harmonia nas saídas ao exterior. Isto remete-nos para o papel da liderança e sobre isso, não temos dúvida nem pejo: a maioria dos proprietários de cães não os deveria ter, porque a sua impropriedade tem sentenciado animais e causado dolo a terceiros. Como o rol dos disparates é imenso, apenas manifestaremos alguns: isenção de autoridade objectiva, convívio desregrado, excessivo isolamento, ignorância e desrespeito pelos diferentes estádios etários caninos, antropomorfismo e instigação. E “quando a Pátria está perdida”, quem virá para a escola: o dono ou o cão? Por vezes algo de insólito acontece: o cão adora a escola e o dono não! Porque será? Quem terá maiores dificuldades? Ao adquirir um cão, não se arme em valente, escolha-o de acordo com as suas características pessoais, não se esconda atrás dele, porque depois de detectado pode acabar caçado!
Dos 10 até aos 18 meses o cão passa de juvenil a júnior (isto se usarmos as clássicas divisões desportivas), ganha mais força e velocidade, muda de interesses e procura a parceria. Este é o período em que decidiremos, após descobrirmos a sua vocação natural, qual o serviço a destinar-lhe. Não adianta incumbi-lo de tarefas alheias às suas qualidades, porque a sua capacidade de improviso é diminuta e sempre lhe causará incómodo, ainda que induzido e ludibriado pela acção da liderança. O número dos cães multiusos é cada vez menor, resultado da selecção natural e portador de uma adaptabilidade extraordinária. Ao invés, superabundam por aí cães especialistas, próprios para tarefas específicas e menos adaptados para outras. No entanto, e diremos afortunadamente, sempre existirão indivíduos diferentes dentro da mesma raça, possibilitando tarefas para além do uso comum. E isto não é tão raro, se o cão ainda conserva algumas características atávicas que o ligam ao lobo ou a outros canídeos, mais perto se encontra da biodiversidade que o gerou. A potenciação de um cão por outro diferente pode levar a diferentes desempenhos, que sendo atípicos, demonstram o peso do sentimento gregário.

A partir dos 10 meses, o cão é tratado como adulto, ainda que o não seja, pois não queremos que a maioridade nos traga algumas surpresas desagradáveis. São próprios desta idade os seguintes trabalhos escolares:
1. Instalação dos automatismos básicos de imobilização e direcção.
2. Condução linear, dinâmica e nuclear.
3. Desempenho em liberdade e assimilação da linguagem gestual.
4. Sociabilização inter pares e interespécies.
5. Aptidão defensiva e ofensiva.
6. Desempenho satisfatório na Pistagem.
7. Autonomia operativa (aceitação do trabalho na ausência do dono).

Como o assunto não se esgota aqui, se necessitar de maiores esclarecimentos, contacte-nos através do nosso e-mail, através do qual tentaremos dar resposta ao que nos for solicitado.

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