Para os mais distantes da História e ligados aos estereótipos adoptados, a variedade étnica marroquina surpreende, chega a assustar, porque vemos gente igual à nossa, com traços físicos que nos são familiares e que não esperávamos encontrar ali, particularmente na orla litoral, junto a velhas fortalezas esquecidas e identificadas por caracteres que nos são estranhos. Ali, o título real “Rei de Portugal e dos Algarves daquém e dalém Mar” ganha forma e significado, o mar passa de barreira a auto-estrada e o passado desnuda o presente. Quem se dedicar, em solo nacional, à procura arqueológica de evidências mouras, duro trabalho tem pela frente, porque os cemitérios foram profanados, as construções de taipa fundiram-se com o solo e tudo foi arrasado e destruido, na tentativa inglória de apagarmos aquilo que somos e de enterrarmos parte da nossa origem. Como a história é escrita pelos vencedores, a sobrevivência obrigou ao esquecimento. Mesmo que se ignore a etimologia de inúmeros significados da nossa língua, ainda que a pele seja mais clara e o cabelo mais liso, o magrebino habita entre nós, distanciando-nos dos lituanos, estónios e letões, porque a envergadura não mente e o ADN mitocondrial não engana. Ser moreno é ser escuro, e escuro não é branco, quando muito: branco-sujo! Quantos se podem “gabar” que não tiveram ou têm um moreno na família? Já vimos em famílias de sangue azul, portadoras de nomes quatrocentistas, indivíduos escuros que nem marroquinos, idênticos aos iraquianos que vemos na CNN. Enquanto tivermos vergonha de nós próprios, jamais chegaremos onde queremos, porque o temor encurta o passo! Sempre que abraçamos este assunto, lembramo-nos de uma discussão entre dois nobres, que querendo justificar as suas linhagens, empreenderam um levantamento genealógico, chegando a surpreendentes conclusões: um descendia de uma concubina de D.João II e outro teve por avó uma cozinheira. Não obstante: Viva o Rei!
Em vão tentou a Dinastia Borgonhesa, fundada por D. Afonso Henriques (Ibn-Arrik para os Mouros, “filho de Henrique”), travar o inevitável. A pouco visível Muralha Fernandina ao redor de Lisboa, acaba também por ser um monumento ao fracasso, porque apesar das proibições reiteradas, a miscigenação aconteceu e a Igreja, não lhe restando outro remédio, tudo legitimou. E depois…”enterrámos a pedra no fundo de um poço”. Os séculos foram passando e o mouro virou tabu, como se a cultura árabe assentasse exclusivamente sobre o dorso de um camelo ou o uso do turbante fizesse toda a diferença. E lá pelas estevas, onde as fragas brilham ao sol, há sempre quem se considere descendente de um ignoto Sigesmundo, apesar de nascer com a mancha mongólica, ter uma densidade enorme de melanina sobre as unhas, evidenciar feições semitas e assentar sobre “pés egípcios”. Como é sabido, muita da nossa gente mais ilustre, daquela que fez história e é objecto de veneração, proveio da bastardia e da miscigenação, inclusive aquele que está escudado por um leão, a Sul do Parque EduardoVII, a pairar sobre Lisboa. Por razões político-geográficas virámos as costas ao Magreb, apesar de ignorados e sem grande peso na Europa. Adoptámos a cultura anglo-saxónica e temo-nos deleitado com as películas de Hollywood, onde uns rapagões arianos, sustentados pela oligarquia ashkenazi, perseguem os hispânicos, geralmente os maus da fita. Que papeis cabem ao António Banderas e ao Joaquim de Almeida (o sobrenome é em si mesmo revelador)? Ao espanhol já o vimos fazer de mouro num filme sobre vikings e o português, para não escapar à regra, aparece invariavelmente associado ao narcotráfico sul-americano! O que é que os outros sabem, que nós não sabemos?
A cultura do El Andalus, por força da espada, do cutelo do poder e dos bons ofícios da inquisição, também por causa de forte divisão interna, foi gradualmente remetida para a lenda, ofuscada pela valorosa reconquista cristã e arrumada no sótão longínquo das nossas memórias. Por mais estranho que pareça, porque a conveniência tende a vencer o puritanismo, tanto a Coroa como a Igreja, graças às hortas, acabaram por proteger os mouros, inclusive alguns dos retornados da Grande Expulsão Peninsular, escondendo-os atrás dos muros conventuais. Apesar dos magrebinos se terem tornado cristãos e adquirirem nomes latinos, geralmente ligados à agricultura e seus ofícios, muitos dos seus hábitos originais permanecem até hoje. Sem o contributo dos mercadores árabes, que dominavam o mediterrâneo nessa ocasião, jamais teríamos o Cão de Água Português, originalmente designado por “cão turco” (cão mouro em Trás-os-Montes). A ligação à agricultura e à transumância acabaram por salvar a mourama ibérica, que sempre se fez acompanhar de cães pastores, tal qual os Alanos anteriormente instalados em Alenquer.
A norte de Marrocos fica o Monte Atlas, uma montanha mitológica há muito ligada à pastorícia, donde é oriundo o cão com o seu nome, também conhecido por Aidi (cão em árabe). O Aidi é um cão pastor, de porte médio, com uma altura entre os 52 e os 62 cm, com um CAP médio de 2, rectangular, de pelagem semilonga e densa, com uma coloração muito variável (areia; baio; fulvo; ruivo e tigrado, podendo ser bicolor ou tricolor, de modo cerrado ou isolado). É um cão rústico, robusto e musculado, de características vulpino-molossóides, territorial e activo. É usado para proteger os rebanhos e os seus pertences, fazendo frente a chacais e outros predadores, sendo extremamente meigo para os donos, inclusive se forem crianças, possuindo todas as qualidades inerentes a um bom cão de guarda, já que se mantém sempre vigilante e alerta. Por vezes, são encontradas algumas características indesejáveis, porque alguns cães apresentam olhos claros, um focinho demasiado pontiagudo, a cauda encaracolada e uma pelagem mais curta. É comum, ainda que indesejável, que alguns indivíduos ostentem orelhas erectas.
Face à descrição anterior e porque observámos alguns cães destes, estamos em crer que contribuíram para a formação das distintas raças nacionais, mormente os podengos e os molossos ligados ao pastoreio. A divisão clássica dos podengos, baseada na diferença de alturas, pode encontrar razão junto do Aidi, assim como a predominância da cor branca nos molossos do Sul. Neste último caso, a distribuição das manchas é similar, ainda que a ossatura e a envergadura não correspondam. Talvez os factores ambientais tenham aqui uma palavra a dizer. Os tradicionais rafeiros de médio-porte, os ditos “cães grandes”, comummente ligados à pastorícia, à caça e à guarda de habitações, hoje em número decrescente, são em tudo idênticos ao Cão do Atlas, tanto física quanto psicologicamente, podendo ser seus descendentes ou provir da mesma origem. Seria de todo desejável, considerando a investigação científica já ao dispor e antes que a castração atinja o seu propósito, que se fizesse o levantamento genético dos cães nacionais, comparando o seu ADN com o encontrado no Aidi. Nisto se revelaria a excelência e a oportunidade de um desejável trabalho académico.
Até lá, ficamos entregues ao Professor Mamadú, badalado xamã africano que tem resposta e solução para tudo, pelo menos é que diz, ou pior do que isso, a ouvir pseudo-eruditos acerca da origem dos nossos cães, segundo o que é aceite e impossível de contestar, ainda que remetam a sua génese para terras imaginárias ou prà além das pisadas por Marco Polo. Uma coisa é certa: as cores esbatidas do Cão do Atlas ainda são visíveis nos nossos rafeiros, na combinação entre o branco, o fulvo e o cinzento; na ostentação do ruivo, do cobre e do bronze. Paralelamente, nas raças sincopadas e aprovadas por Lisboa (os mouros chamavam-lhe Al-Lishbuna), a rusticidade vai-se perdendo e a qualidade é meramente estética. Diferentes povos carregaram diferentes cães, não seria interessante saber donde vieram os nossos? Será que os Mouros não trouxeram nenhum? Se fossem chineses…
A cultura do El Andalus, por força da espada, do cutelo do poder e dos bons ofícios da inquisição, também por causa de forte divisão interna, foi gradualmente remetida para a lenda, ofuscada pela valorosa reconquista cristã e arrumada no sótão longínquo das nossas memórias. Por mais estranho que pareça, porque a conveniência tende a vencer o puritanismo, tanto a Coroa como a Igreja, graças às hortas, acabaram por proteger os mouros, inclusive alguns dos retornados da Grande Expulsão Peninsular, escondendo-os atrás dos muros conventuais. Apesar dos magrebinos se terem tornado cristãos e adquirirem nomes latinos, geralmente ligados à agricultura e seus ofícios, muitos dos seus hábitos originais permanecem até hoje. Sem o contributo dos mercadores árabes, que dominavam o mediterrâneo nessa ocasião, jamais teríamos o Cão de Água Português, originalmente designado por “cão turco” (cão mouro em Trás-os-Montes). A ligação à agricultura e à transumância acabaram por salvar a mourama ibérica, que sempre se fez acompanhar de cães pastores, tal qual os Alanos anteriormente instalados em Alenquer.
A norte de Marrocos fica o Monte Atlas, uma montanha mitológica há muito ligada à pastorícia, donde é oriundo o cão com o seu nome, também conhecido por Aidi (cão em árabe). O Aidi é um cão pastor, de porte médio, com uma altura entre os 52 e os 62 cm, com um CAP médio de 2, rectangular, de pelagem semilonga e densa, com uma coloração muito variável (areia; baio; fulvo; ruivo e tigrado, podendo ser bicolor ou tricolor, de modo cerrado ou isolado). É um cão rústico, robusto e musculado, de características vulpino-molossóides, territorial e activo. É usado para proteger os rebanhos e os seus pertences, fazendo frente a chacais e outros predadores, sendo extremamente meigo para os donos, inclusive se forem crianças, possuindo todas as qualidades inerentes a um bom cão de guarda, já que se mantém sempre vigilante e alerta. Por vezes, são encontradas algumas características indesejáveis, porque alguns cães apresentam olhos claros, um focinho demasiado pontiagudo, a cauda encaracolada e uma pelagem mais curta. É comum, ainda que indesejável, que alguns indivíduos ostentem orelhas erectas.
Face à descrição anterior e porque observámos alguns cães destes, estamos em crer que contribuíram para a formação das distintas raças nacionais, mormente os podengos e os molossos ligados ao pastoreio. A divisão clássica dos podengos, baseada na diferença de alturas, pode encontrar razão junto do Aidi, assim como a predominância da cor branca nos molossos do Sul. Neste último caso, a distribuição das manchas é similar, ainda que a ossatura e a envergadura não correspondam. Talvez os factores ambientais tenham aqui uma palavra a dizer. Os tradicionais rafeiros de médio-porte, os ditos “cães grandes”, comummente ligados à pastorícia, à caça e à guarda de habitações, hoje em número decrescente, são em tudo idênticos ao Cão do Atlas, tanto física quanto psicologicamente, podendo ser seus descendentes ou provir da mesma origem. Seria de todo desejável, considerando a investigação científica já ao dispor e antes que a castração atinja o seu propósito, que se fizesse o levantamento genético dos cães nacionais, comparando o seu ADN com o encontrado no Aidi. Nisto se revelaria a excelência e a oportunidade de um desejável trabalho académico.
Até lá, ficamos entregues ao Professor Mamadú, badalado xamã africano que tem resposta e solução para tudo, pelo menos é que diz, ou pior do que isso, a ouvir pseudo-eruditos acerca da origem dos nossos cães, segundo o que é aceite e impossível de contestar, ainda que remetam a sua génese para terras imaginárias ou prà além das pisadas por Marco Polo. Uma coisa é certa: as cores esbatidas do Cão do Atlas ainda são visíveis nos nossos rafeiros, na combinação entre o branco, o fulvo e o cinzento; na ostentação do ruivo, do cobre e do bronze. Paralelamente, nas raças sincopadas e aprovadas por Lisboa (os mouros chamavam-lhe Al-Lishbuna), a rusticidade vai-se perdendo e a qualidade é meramente estética. Diferentes povos carregaram diferentes cães, não seria interessante saber donde vieram os nossos? Será que os Mouros não trouxeram nenhum? Se fossem chineses…
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