segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O Cão lobeiro: um silvestre entre nós


Lobeiro é um adjectivo português que significa literalmente “da cor do lobo” e é atribuído aos cães bicolores parcial ou maioritariamente cinzentos. Esta variedade cromática ainda é visível nalgumas raças caninas, mormente naquelas ligadas à caça e ao pastoreio. Na actividade cinegética é mais fácil encontrar esta pelagem nos rafeiros, porque se confunde com as cores dos ecossistemas adjacentes e põe em risco a vida dos auxiliares. Por causa disto, poucos são os cães de caça cinzentos, que cederam lugar aos malhados e a outras cores uniformes. Como o lobeiro regula a sua pelagem pelo relógio biológico (mais cinzento no Outono e Inverno, mais vermelho na Primavera e Verão), é difícil encontrar exemplares de pêlo comprido nesta variedade sem a manipulação humana. Os criadores apaixonados de CPA-Lobeiro, aqueles que pretendem desvendar os segredos da raça, no legado omisso de Stephanitz e seus seguidores, sempre sonham com um lobeiro de pêlo comprido, porque além de raro é extraordinariamente belo. Assim, não é por acaso que no livro “O MEU PASTOR ALEMÃO”, da autoria do Dr. Bruce Fogle, aparece na contra-capa um exemplar destes. Para o alcançar, não basta beneficiar um exemplar preto-afogueado de pêlo comprido com um lobeiro, porque o factor é recessivo e os lobeiros nascerão incólumes. Neste caso, a haver cachorros de pêlo comprido, eles serão afogueados, ainda que menos peludos que o seu progenitor. Mas se beneficiarmos um desses lobeiros com outro exemplar de pêlo comprido seremos bem sucedidos, porque o lobeiro usado na construção é portador do factor. O aparecimento automático de animais desta variedade não resulta da sorte, mas da ignorância das linhas ascendentes dos cães beneficiados ou da disparidade entre o papel e a genética. O ocultismo é para quem usa e a safadeza para quem o fez.
Falar de lobeiros é falar de Pastores Alemães ou como dizem alguns: de Lobos da Alsácia, ainda que lhes faltem os estribos para a montaria. A proto-dominância da raça foi lobeira e dela se chegou à variedade preto-afogueada pelo contributo de outros factores cromáticos. Graças à presença lobeira, os sucessivos estalões têm contemplado a diversidade pigmentária presente nos membros dos exemplares bicolores. Não há um só lobeiro, mas muitos, na interacção cromática entre o cinza e as outras cores. Ele vai do lobeiro-preto (exemplar negro com cinzento no colar e nos calções) até ao lobeiro branco (exemplar branco apenas com o dorso cinzento), pode seu mais ou menos avermelhado, mais cinzento ou dourado e pode chegar ao cinza uniforme pelo contributo dos exemplares negros. O desprezo inicial pelos brancos e o afastamento sucessivo dos negros tem comprometido a biodiversidade cromática e ocultado a exuberância lobeira.
Durante décadas o lobeiro quase desapareceu, enfraquecendo a raça e restringindo as suas acções, como se dela fosse alheio ou um exemplar de menor préstimo. Não obstante, permaneceu vivo nas classes de trabalho e à função deve a sua sobrevivência. Mas não nos confundamos: não basta ser lobeiro para ser um cão de trabalho! Os lobeiros iniciais e que perduraram até à década de 60, tinham a pele mais clara e menos azulada. Os actuais têm-na invariavelmente azul, pela acção directa da dominância preto-afogueada, ratificada pela certificação pigmentária. Para haver lobeiros basta que um dos progenitores o seja, mesmo que a presença do factor seja na construção minoritária. Em síntese, os lobeiros que hoje proliferam, são preto-afogueados encapotados numa pelagem lobeira, porque a dominância alheia encurta o seu potencial.

Por outro lado, também para não fomentar a hedionda divisão entre trabalho e beleza, que a ninguém serve e é falsa, não convêm criar em separado linhas de lobeiros, porque elas não subsistem sem o contributo da variedade dominante e evoluem para outras características, distantes dos benefícios da selecção operada, já que o CPA contemporâneo carrega consigo algumas mais-valias. Os lobeiros, quando criados em separado, têm tendência para o gigantismo, nanismo e pernaltismo, apresentam um crânio mais pequeno e o focinho afunilado, carecem de dietas mais ricas e são assolados por problemas articulares. Do ponto de vista psicológico, são mais instintivos e resistem à autoridade, procuram a autonomia e desprezam por mais tempo a parceria: são caçadores a modo próprio. O mundo mudou e os métodos também (e que dizer dos homens?), a coerção tende a ser banida e a actual sujeição ao alimento não resolve tudo. Será que os homens do presente estão preparados para os cães do passado? Há que acautelar a parceria, porque sem ela nenhuma raça sobreviverá!
Que vantagens nos trazem os lobeiros?
A variedade é caracterizada por uma maior autonomia operacional e logística, por uma propensão pisteira extraordinária e por uma abordagem segura, podendo fornecer exemplares próprios para o resgate e salvamento, mediante a rusticidade que garante o desempenho em situações particularmente difíceis. A autonomia visível nos lobeiros é advinda de uma máquina sensorial mais aprimorada, que lhes garante a detecção à distância e o preparo nas acções emergentes, condições indispensáveis a um bom guardião. As suas acções ofensivas, senão o estragarem ou houver necessidade do contrário, são extremamente eficazes, porque a sua evolução é dissimulada e tirada a partir da surpresa. Os lobeiros absorvem sem maior dificuldade a recusa de engodos e resistem a novas amizades, mercê da desconfiança e da tendência para o isolamento. Nas propriedades circundadas por bosques ou mato, o lobeiro torna-se praticamente invisível, porque a sua pelagem confunde-se com a do ecossistema confiado. A sua polivalência estende-se também às propriedades de alvenaria, porque ao contrário de outros, procura as sombras e não se deleita a chapinhar nos charcos. Contudo, reclama por mais espaço e abomina o encarceramento.
Das variedades cromáticas presentes no actual CPA, o lobeiro é o que apresenta um odor mais activo, por isso esfrega-se no chão para o ocultar, podendo fazer o mesmo com as fezes do animal a caçar. Nas ninhadas heterozigóticas, onde existem lobeiros e preto-afogueados, é comum assistir-se à divisão dos grupos de modo automático e precoce. O cão lobeiro tem uma curva de crescimento mais alongada, equilibra-se mais tarde e procura a variação das dietas. Não é um comilão inato, mas um cão apreciador das iguarias sazonais: ele come para sobreviver! Muito mais haveria a dizer sobre o lobeiro, mas fiquemos pela analogia: o CPA veste o uniforme de gala no afogueado, o fato de macaco no lobeiro e a farda de guarda-nocturno no negro.

1 comentário:

  1. tenho um lobeiro lindissimo e realmente alguma das caracteristicas que descreveu são de facto verdadeiras,alem de serem para muito mais apegados ao dono que os os outros de outra pelagem,pelo menos é a minha experiencia pessoal,parabens pelo artigo.

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