terça-feira, 18 de maio de 2010

O pastor que veio do Inn e que desembocou no Tejo

Apenas quinze quilómetros separam Branau am Inn de Marktl am Inn, respectivamente os locais de nascimento de Adolf Hitler e Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI), não obstante a primeira localidade ser na Áustria (perto de Salzburgo) e a segunda pertencer à Alemanha (Baviera). Ambas têm em comum o Rio Inn, um dos afluentes do Danúbio que nasce nos Alpes e que atravessa três países (Suiça, Áustria e Alemanha). Apesar dos esforços de muitos, alguns até dentro da própria igreja católica, que insistem em colocar ambos à sombra da suástica, abissal é a diferença entre a ideologia do defunto “cabo da Baviera” e a praxis doutrinária de Ratzinger, facto inquestionável face à disparidade de pensamentos, porque o primeiro elegeu uma raça e o segundo abraçou aquela Deus que elegeu para Si. A vida militar do Papa debaixo da opressão do nationalsozialismus não o transforma em nazi, caso contrário, teríamos que considerar todos os ex-combatentes da Guerra Colonial também como fascistas, o que seria um tremendo disparate e jamais espelharia a verdade.

A vinda do Papa a Portugal, independentemente de se ser cristão, católico, doutros credos ou ateu, foi um acontecimento que não passou despercebido, porque mobilizou multidões, foi muito mediatizado e até deu tolerância de ponto para a função pública, apesar da maioria dos obsequiados ter dispensado tanto a doutrina como a companhia do Bispo de Roma, no interesse pelo penúltimo e exorcizando assim o inevitável, já que a morte é certa e importa viver a vida! A visita deste Papa, tão incompreendido e mal amado no mundo latino, suscitou-nos a curiosidade e dispusemo-nos a observá-lo e a ouvi-lo atentamente, pela televisão e diante de comentadores que transformaram o rigor em apologia, desvirtuando o que ouviam pelo politicamente correcto, abandonando o catecismo proposto pelo gáudio da crendice que garante as audiências. É caso para se dizer: Graças a Deus que não afundaram a teologia do Pastor do Inn, expressa em palavras simples à beira do Tejo.

Joseph Ratzinger não evidencia o beatismo formal do finado Paulo VI, o populismo outrora visível em João Paulo II, não é fotogénico nem tão pouco espectacular, evita os grandes gestos e foi obrigado a sorrir, não obstante, lá disse: “não foi a Igreja que impôs Fátima, mas Fátima que se impôs à Igreja”. Cada um interpretará isto como quiser e tirará disso as suas elações, porque o assunto é sensível e o Peregrino evitou maiores explicações, atribulado que anda com o movimento carismático nas suas fileiras e apostado na unidade de todos os cristãos, para além de fustigado pelos casos de pedofilia perpetrados por alguns membros do seu clero e assolado por questões ligadas ao celibato e ao sacerdócio feminino. Já lá vai o tempo em que papas combatiam os reinos vizinhos, o combate agora é interno e muito mais extenuante. As suas homilias e exortações foram sempre cristocêntricas e escatológicas, tendo como base doutrinal a bíblia, ainda que destorcidas por algum clero nacional, sobejamente mais mariano do que escriturístico.

Se João Paulo II contribuiu para a queda do muro de Berlim e para a unidade de todos os europeus, talvez caiba a Bento XVI o combate pela unidade de todos os cristãos que ao longo dos séculos edificaram fortes barreiras entre si, desenterrar solução para a dissenção e encontrar um compromisso melhor do que adiantado pela paz de Augsburgo, forjado pelos políticos e elaborado pela conveniência. Será este Papa uma ponte para isso? Passou por aqui um alemão vestido de Papa (um filósofo ao que consta), um adepto da razão que enfatizou três conceitos: verdade, vocação e vida eterna, um teólogo inato para o ensino e um bávaro na verdadeira acepção da palavra. Não beijou o chão à chegada mas confirmou a fé dos seus antes de partir.

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