segunda-feira, 31 de agosto de 2009

::: Há Cães maus? (as nossas conclusões) :::

Para os cinófobos todos o serão e para os seus adoradores nenhum haverá. E diante destas atitudes extremadas, uns serão suas vítimas e os outros seus escravos, independentemente do grau de agressividade de cada cão. Nestes últimos 35 anos passados a educar e a reeducar estes animais, para sossego dos primeiros, nunca vimos nenhum cão tal qual tigre ou leão. Por outro lado, alguns reizinhos de quatro patas deram-nos “água pelas barbas”, pela necessidade de reeducação dos seus donos. A par com o aquecimento global, com a insegurança generalizada e agora com a crise económica, por força do sustento dos media, porque o assunto vende, a saga do cão perigoso tem merecido honras de primeira página. Esta publicidade tem levado ao repúdio dos donos e à aversão pelos cães, a um alerta generalizado perante qualquer binómio, manifestado pelas cautelas típicas de quem visita um zoo: “toma cuidado, não te aproximes!”

Até à década de 90 do Século passado, reeducámos, com sucesso, cerca 200 cães “agressivos”. Em 80% deles o fenómeno ficou a dever-se a causas ambientais e em apenas 20% encontrámos razões genéticas. Destes 20%, metade pertencia à mestiçagem entre Cães Pastores Alemães e Serras da Estrela, 8% a raças homologadas pela FCI e apenas 2% foram rafeiros, não caçadores e descendentes de mestiços. O cruzamento CPA/Serra da Estrela (lupino/molosso), ao tempo muito em voga, porque a ambas as raças era confiada a guarda de quintas, stands e unidades fabris, mostrou-se desastroso pela sobredominância dos genes complementares, a quem a heterose operada não foi alheia. A heterose, feita aqui de modo circunstancial, é um fenómeno que procura o aumento do vigor dos indivíduos a partir do acasalamento de progenitores não aparentados. Os seus descendentes apresentavam um excepcional impulso ao poder, sustentado por um raro impulso à luta, resistindo à liderança e a qualquer tipo de regra alheia. Com o advento dos “cães de aluguer”, próprios das firmas de segurança, estes animais entraram em desuso e o seu cruzamento deixou de ter significado, aparecendo por descuido, esporadicamente. Nos cães oriundos das raças homologadas, maioritariamente do 1º grupo e provenientes das Américas, produto de acasalamentos endogâmicos, a par com o baixo impulso ao conhecimento, sobressaía uma exagerada carga instintiva e uma imensurável dominância. Os rafeiros que reeducámos, distantes da selecção natural, eram mestiços provenientes do mesmo grupo e de comportamentos idênticos, caracterizados por uma “inesperada” autonomia. Contudo, foram os que menos trabalho nos deram!
Por causa da sua personalidade, porque são cães condicionais, a todos foi recomendado a reafirmação dos códigos inibidores, sustentáculos da regra e da coabitação harmoniosa. Os donos cumpriram e a incidência dos problemas desapareceu. Somente um cão veio a ser abatido, não por causar problemas, mas pelo histórico havido, pelo medo que o dono nutria pelo animal. Estes desvios genéticos caninos obrigam a uma liderança humana ainda mais forte, a um relacionamento mecânico e a uma antevisão sistemática dos problemas. Manter um animal com estas características não está ao alcance de todos, só o amor suportará a deficiência e apostará na sua adaptação. Face ao disposto na Lei, hoje ninguém arrisca, o abate é a solução mais procurada. O desfecho do combate entre personalidades assenta sobre a lei do mais forte e poucos o conseguem levar de vencida, porque o coração está dividido. Valerá a pena arriscar? Cada um deverá responder por si.

Pelo que nos foi dado a observar, a maioria dos desvios ficou a dever-se a factores ambientais, a questões ligadas à instalação doméstica e ao tipo de liderança, a atribuições antropomórficas, à novidade, ao descuido e ao despreparo dos proprietários. Merecerão estes cães ser abatidos? Um cão não é um “tamagoshi”! Ele é um ser vivo, profundamente emocional e diferente da sua representação virtual, um indivíduo social, altamente competitivo, em constante aprendizagem, cativo a hábitos e dependente do grupo, podendo chegar à sua liderança pela oportunidade. Foram-nos confiados 160 cães, atribulados por factores ambientais e tendencialmente agressivos. Como cada um tinha uma ficha e ainda não eliminámos o arquivo, adiantamos aqui as causas dos seus desvios e o seu número. A certeza dos problemas foi-nos ratificada pelas soluções encontradas. Vamos aos números:
  1. Isenção de liderança activa ........................ 96
  2. Instalação doméstica imprópria .................. 30
  3. Sociabilização deficitária ........................... 15
  4. Liderança abusiva ...................................... 8
  5. Agressividade provocada ............................. 6
  6. Isolamento sistemático .............................. 3
  7. Cuidados exagerados……………………………………….. 2
Não podemos fazer dos nossos números uma realidade absoluta, atendendo à situação geográfica da Escola e ao particular dos cães locais. Estamos a reportar-nos a cães de apartamento, guardiães de quintas e fábricas nos arredores de Lisboa. Nenhum destes cães teve algum tipo de treino anterior, 48 deles foram o 1º cão dos seus proprietários e 40 pertenciam a senhoras. No seu número foram encontrados poucos rafeiros, alguns Mastins Espanhóis, São Bernardos, Serras da Estrela, Rafeiros Alentejanos, Rottweilers, Podengos Gigantes, Filas de S.Miguel, Caniches, Shi-Tzus, Sharpeis, Teckels, Cockers dourados, Goldens americanos e até um Cão de Água Português. Nenhum cão de caça veio para reeducação e apenas 1 Pastor Alemão foi alvo desse trabalho, um exemplar de pelo comprido, votado ao esquecimento durante seis anos consecutivos. Todos foram descodificados e nenhum retornou ao comportamento primitivo. Os proprietários acompanharam os trabalhos e a transferência decorreu sem problemas. A instituição da regra garantiu o êxito. Passemos a algumas conclusões:
  1. O grupo somático canino que mais concorreu para a reeducação foi o dos molossos (pequenos, médios e grandes).
  2. Os rafeiros foram os mais ausentes.
  3. Os cães de raça constituíram o 2º maior grupo.
  4. Os mestiços de CPA/Serra da Estrela foram maioritários.
  5. Nenhum cão de caça foi enviado para a reeducação.
  6. 70% dos cães dividia a casa com os seus proprietários.
  7. 70% dos proprietários já tinha tido um ou mais cães.
  8. 60% dos donos não possuía as condições de liderança necessárias.
  9. Os cães territoriais, independentemente da sua raça, foram os mais visados.
  10. A agressividade manifesta não se restringiu a um tamanho específico de cão.
  11. 75% da liderança era masculina.
  12. Os cães reeducados tinham idades compreendidas entre os 2 e os 5 anos.
  13. A média de idade dos proprietários foi de 44 anos.
  14. 95% dos donos ignorava o particular racial do seu cão.
  15. 70% dos cães havia sido criado desde cachorro em casa, coabitando com os seus donos.
  16. 80% dos cães só agrediu o agregado familiar.
  17. Apenas 25% deles mostrou hostilidade contra animais domésticos.
  18. A reeducação foi desenvolvida num período de 60 dias.
  19. A transferência para os proprietários durou mais 1 mês.
  20. O número das cadelas sujeito à reeducação foi de 5 (2,5%).

No caso dos cães de raças nacionais, onde a agressividade gratuita indiciou uma causa genética, grande número deles provinha, em parte, de diferentes origens, ainda que de características idênticas. Estamos em querer que essa heterose, considerando a reclamada parceria, ignorava ao tempo, qual o destino a dar aos cães. Associados ao fenómeno, paralelamente, foram identificados baixos impulsos ao conhecimento e ao movimento, independentemente dos modos afectivos ou mecânicos utilizados.

Nas raças estrangeiras, a causa do fenómeno apontou para uma endogamia intencional, visível na homozigose dos indivíduos. Não podemos afirmar, porque nos falta conhecimento para tal, que a excessiva consanguinidade contribuiu para o aumento da agressividade, isto apesar da identidade dos comportamentos, da fixação nos mesmos alvos e da manifestação das mesmas respostas. Estes cães atacavam sem razão aparente, dispensando estímulos e não procurando a recompensa.

Quem somos nós para o dizer, muito menos para o recomendar, mas parece-nos, face às leis comunitárias sobre cães perigosos, que o retorno aos indivíduos desprezados ou omitidos nas actuais selecções, pode ser uma solução viável para o problema, nomeadamente o concurso às variedades recessivas há muito esquecidas. Será que a alteração das dominâncias produzirá indivíduos diferentes? Estamos no boom da endogamia, será que a heterose virá em nosso auxílio?

A mestiçagem CPA/ Serra da Estrela, estamos em crer que graças ao contributo dos genes sobredominantes, mostrou ataques atípicos, numa combinação explosiva do modus operandi de ambas as raças, juntando ao ataque imprevisível do Serra a eficácia usual do Pastor. De início, a solução para o problema foi encontrada pelo aumento exagerado da dependência. Os mestiços Rottweiler/Fila, Rottweiler/CPA, Rottweiler/Dogue Argentino e Presa Canário/Pastor Belga, revelaram comportamentos idênticos. Referimos apenas estes porque foram os que nos caíram em mãos, existem por aí outros, iguais ou piores!
Em síntese, tanto a homozigose quanto a heterose contribuíram para o problema, muito embora a primeira tenha fornecido maior número de indivíduos, porque foi procurada e intencional nas raças ditas para guarda. Actualmente, pelo que nos é dado a observar e tem vindo a público, apenas 2% da globalidade dos cães é perigosa, porque cão que não se vende desaparece e os canicultores estão atentos. Podemos ficar descansados!

Ainda existem cães perigosos, mas o seu número é cada vez menor e tende à extinção. A maioria dos cães considerados perigosos nunca o foi, apenas vestiu essa pele pela indução acidental ou pelo despropósito dos seus proprietários. Cuidado com os donos! Não é difícil criar estímulos, induzir ou manietar um irracional, já que a dependência pode garantir a tirania.

E a propósito, quando pretender comprar um cão, não deverá procurar conselho junto de quem os conhece? Ou quererá levar para casa um ilustre desconhecido? De qualquer modo, é bom que saiba para que quer o animal.

Sem comentários:

Enviar um comentário