segunda-feira, 31 de agosto de 2009

::: Há Cães maus? (as nossas conclusões) :::

Para os cinófobos todos o serão e para os seus adoradores nenhum haverá. E diante destas atitudes extremadas, uns serão suas vítimas e os outros seus escravos, independentemente do grau de agressividade de cada cão. Nestes últimos 35 anos passados a educar e a reeducar estes animais, para sossego dos primeiros, nunca vimos nenhum cão tal qual tigre ou leão. Por outro lado, alguns reizinhos de quatro patas deram-nos “água pelas barbas”, pela necessidade de reeducação dos seus donos. A par com o aquecimento global, com a insegurança generalizada e agora com a crise económica, por força do sustento dos media, porque o assunto vende, a saga do cão perigoso tem merecido honras de primeira página. Esta publicidade tem levado ao repúdio dos donos e à aversão pelos cães, a um alerta generalizado perante qualquer binómio, manifestado pelas cautelas típicas de quem visita um zoo: “toma cuidado, não te aproximes!”

Até à década de 90 do Século passado, reeducámos, com sucesso, cerca 200 cães “agressivos”. Em 80% deles o fenómeno ficou a dever-se a causas ambientais e em apenas 20% encontrámos razões genéticas. Destes 20%, metade pertencia à mestiçagem entre Cães Pastores Alemães e Serras da Estrela, 8% a raças homologadas pela FCI e apenas 2% foram rafeiros, não caçadores e descendentes de mestiços. O cruzamento CPA/Serra da Estrela (lupino/molosso), ao tempo muito em voga, porque a ambas as raças era confiada a guarda de quintas, stands e unidades fabris, mostrou-se desastroso pela sobredominância dos genes complementares, a quem a heterose operada não foi alheia. A heterose, feita aqui de modo circunstancial, é um fenómeno que procura o aumento do vigor dos indivíduos a partir do acasalamento de progenitores não aparentados. Os seus descendentes apresentavam um excepcional impulso ao poder, sustentado por um raro impulso à luta, resistindo à liderança e a qualquer tipo de regra alheia. Com o advento dos “cães de aluguer”, próprios das firmas de segurança, estes animais entraram em desuso e o seu cruzamento deixou de ter significado, aparecendo por descuido, esporadicamente. Nos cães oriundos das raças homologadas, maioritariamente do 1º grupo e provenientes das Américas, produto de acasalamentos endogâmicos, a par com o baixo impulso ao conhecimento, sobressaía uma exagerada carga instintiva e uma imensurável dominância. Os rafeiros que reeducámos, distantes da selecção natural, eram mestiços provenientes do mesmo grupo e de comportamentos idênticos, caracterizados por uma “inesperada” autonomia. Contudo, foram os que menos trabalho nos deram!
Por causa da sua personalidade, porque são cães condicionais, a todos foi recomendado a reafirmação dos códigos inibidores, sustentáculos da regra e da coabitação harmoniosa. Os donos cumpriram e a incidência dos problemas desapareceu. Somente um cão veio a ser abatido, não por causar problemas, mas pelo histórico havido, pelo medo que o dono nutria pelo animal. Estes desvios genéticos caninos obrigam a uma liderança humana ainda mais forte, a um relacionamento mecânico e a uma antevisão sistemática dos problemas. Manter um animal com estas características não está ao alcance de todos, só o amor suportará a deficiência e apostará na sua adaptação. Face ao disposto na Lei, hoje ninguém arrisca, o abate é a solução mais procurada. O desfecho do combate entre personalidades assenta sobre a lei do mais forte e poucos o conseguem levar de vencida, porque o coração está dividido. Valerá a pena arriscar? Cada um deverá responder por si.

Pelo que nos foi dado a observar, a maioria dos desvios ficou a dever-se a factores ambientais, a questões ligadas à instalação doméstica e ao tipo de liderança, a atribuições antropomórficas, à novidade, ao descuido e ao despreparo dos proprietários. Merecerão estes cães ser abatidos? Um cão não é um “tamagoshi”! Ele é um ser vivo, profundamente emocional e diferente da sua representação virtual, um indivíduo social, altamente competitivo, em constante aprendizagem, cativo a hábitos e dependente do grupo, podendo chegar à sua liderança pela oportunidade. Foram-nos confiados 160 cães, atribulados por factores ambientais e tendencialmente agressivos. Como cada um tinha uma ficha e ainda não eliminámos o arquivo, adiantamos aqui as causas dos seus desvios e o seu número. A certeza dos problemas foi-nos ratificada pelas soluções encontradas. Vamos aos números:
  1. Isenção de liderança activa ........................ 96
  2. Instalação doméstica imprópria .................. 30
  3. Sociabilização deficitária ........................... 15
  4. Liderança abusiva ...................................... 8
  5. Agressividade provocada ............................. 6
  6. Isolamento sistemático .............................. 3
  7. Cuidados exagerados……………………………………….. 2
Não podemos fazer dos nossos números uma realidade absoluta, atendendo à situação geográfica da Escola e ao particular dos cães locais. Estamos a reportar-nos a cães de apartamento, guardiães de quintas e fábricas nos arredores de Lisboa. Nenhum destes cães teve algum tipo de treino anterior, 48 deles foram o 1º cão dos seus proprietários e 40 pertenciam a senhoras. No seu número foram encontrados poucos rafeiros, alguns Mastins Espanhóis, São Bernardos, Serras da Estrela, Rafeiros Alentejanos, Rottweilers, Podengos Gigantes, Filas de S.Miguel, Caniches, Shi-Tzus, Sharpeis, Teckels, Cockers dourados, Goldens americanos e até um Cão de Água Português. Nenhum cão de caça veio para reeducação e apenas 1 Pastor Alemão foi alvo desse trabalho, um exemplar de pelo comprido, votado ao esquecimento durante seis anos consecutivos. Todos foram descodificados e nenhum retornou ao comportamento primitivo. Os proprietários acompanharam os trabalhos e a transferência decorreu sem problemas. A instituição da regra garantiu o êxito. Passemos a algumas conclusões:
  1. O grupo somático canino que mais concorreu para a reeducação foi o dos molossos (pequenos, médios e grandes).
  2. Os rafeiros foram os mais ausentes.
  3. Os cães de raça constituíram o 2º maior grupo.
  4. Os mestiços de CPA/Serra da Estrela foram maioritários.
  5. Nenhum cão de caça foi enviado para a reeducação.
  6. 70% dos cães dividia a casa com os seus proprietários.
  7. 70% dos proprietários já tinha tido um ou mais cães.
  8. 60% dos donos não possuía as condições de liderança necessárias.
  9. Os cães territoriais, independentemente da sua raça, foram os mais visados.
  10. A agressividade manifesta não se restringiu a um tamanho específico de cão.
  11. 75% da liderança era masculina.
  12. Os cães reeducados tinham idades compreendidas entre os 2 e os 5 anos.
  13. A média de idade dos proprietários foi de 44 anos.
  14. 95% dos donos ignorava o particular racial do seu cão.
  15. 70% dos cães havia sido criado desde cachorro em casa, coabitando com os seus donos.
  16. 80% dos cães só agrediu o agregado familiar.
  17. Apenas 25% deles mostrou hostilidade contra animais domésticos.
  18. A reeducação foi desenvolvida num período de 60 dias.
  19. A transferência para os proprietários durou mais 1 mês.
  20. O número das cadelas sujeito à reeducação foi de 5 (2,5%).

No caso dos cães de raças nacionais, onde a agressividade gratuita indiciou uma causa genética, grande número deles provinha, em parte, de diferentes origens, ainda que de características idênticas. Estamos em querer que essa heterose, considerando a reclamada parceria, ignorava ao tempo, qual o destino a dar aos cães. Associados ao fenómeno, paralelamente, foram identificados baixos impulsos ao conhecimento e ao movimento, independentemente dos modos afectivos ou mecânicos utilizados.

Nas raças estrangeiras, a causa do fenómeno apontou para uma endogamia intencional, visível na homozigose dos indivíduos. Não podemos afirmar, porque nos falta conhecimento para tal, que a excessiva consanguinidade contribuiu para o aumento da agressividade, isto apesar da identidade dos comportamentos, da fixação nos mesmos alvos e da manifestação das mesmas respostas. Estes cães atacavam sem razão aparente, dispensando estímulos e não procurando a recompensa.

Quem somos nós para o dizer, muito menos para o recomendar, mas parece-nos, face às leis comunitárias sobre cães perigosos, que o retorno aos indivíduos desprezados ou omitidos nas actuais selecções, pode ser uma solução viável para o problema, nomeadamente o concurso às variedades recessivas há muito esquecidas. Será que a alteração das dominâncias produzirá indivíduos diferentes? Estamos no boom da endogamia, será que a heterose virá em nosso auxílio?

A mestiçagem CPA/ Serra da Estrela, estamos em crer que graças ao contributo dos genes sobredominantes, mostrou ataques atípicos, numa combinação explosiva do modus operandi de ambas as raças, juntando ao ataque imprevisível do Serra a eficácia usual do Pastor. De início, a solução para o problema foi encontrada pelo aumento exagerado da dependência. Os mestiços Rottweiler/Fila, Rottweiler/CPA, Rottweiler/Dogue Argentino e Presa Canário/Pastor Belga, revelaram comportamentos idênticos. Referimos apenas estes porque foram os que nos caíram em mãos, existem por aí outros, iguais ou piores!
Em síntese, tanto a homozigose quanto a heterose contribuíram para o problema, muito embora a primeira tenha fornecido maior número de indivíduos, porque foi procurada e intencional nas raças ditas para guarda. Actualmente, pelo que nos é dado a observar e tem vindo a público, apenas 2% da globalidade dos cães é perigosa, porque cão que não se vende desaparece e os canicultores estão atentos. Podemos ficar descansados!

Ainda existem cães perigosos, mas o seu número é cada vez menor e tende à extinção. A maioria dos cães considerados perigosos nunca o foi, apenas vestiu essa pele pela indução acidental ou pelo despropósito dos seus proprietários. Cuidado com os donos! Não é difícil criar estímulos, induzir ou manietar um irracional, já que a dependência pode garantir a tirania.

E a propósito, quando pretender comprar um cão, não deverá procurar conselho junto de quem os conhece? Ou quererá levar para casa um ilustre desconhecido? De qualquer modo, é bom que saiba para que quer o animal.

E quando o Bebé chegar, o que fazer com o Cão?

Esta é uma dúvida que paira sobre a cabeça dos futuros papás, proprietários de um ou mais cães, preocupados com o bem-estar e salvaguarda do seu bebé. Este é também o caso do Carlos e Esteves e da Rita Rua. E como o assunto é do interesse geral, aqui deixamos algumas dicas ou conselhos.

PRIMEIRA REGRA: Se não controla as acções do seu cão de modo seguro e objectivo, afaste-o do recém-nascido. Você pode chegar tarde!

E como até os cães mais controlados necessitam de preparação para a novidade, também aqui são exigidos cuidados pré-natais, para que tudo corra bem e a desejada parceria aconteça. Não havendo parecer médico contrário ou reticência do veterinário, segundo a nossa opinião, a coabitação entre o bebé e o cão, deverá obedecer a 5 momentos distintos. São eles: a preparação, a apresentação, a familiarização, a sociabilização e a adopção. Qualquer um deles é importante e cada um dá acesso ao que imediatamente lhe sucede.

Aconselhamos, considerando o sucesso de muitos, quando o cão é anterior à chegada do recém-nascido, que o animal já tenha sido alvo de algum condicionamento na área da obediência, pelo ajustamento doméstico eficaz ou pelo contributo dos subsídios escolares. Esta pré-condição, projecta a adaptação segura, minimiza as dificuldades e diminui drasticamente o número dos problemas vindouros. Como se compreende, improvisar nesta matéria é ficção, desenrascar é demérito, porque não podemos optar pela política: “depois de casa roubada, trancas na porta!”

O que faremos na preparação?
Os trabalhos da preparação, como o próprio nome indica, são anteriores ao nascimento da criança, um conjunto de metas que visa a adaptação canina para o feliz evento. Antes de tudo, importa que os donos respeitem a higiene diária do bicho, coisa pouco comum de se ver, já que a maioria dos proprietários caninos é besuntona. Já vimos CPA’s e Serras da Estrela a ser tosquiados, cães que nunca viram uma escova e poucos são os donos com um trem de limpeza capaz. E como limpar cansa, rotineiramente os cães vão a banhos, como se de patos se tratassem! As boas condições higino-sanitárias caninas, pelo menos nesta ocasião, devem ser meticulosamente respeitadas. O cão deverá participar nos preparativos e familiarizar-se com as futuras rotinas, saber o que lhe irá ser permitido ou não, e os cuidados a haver, para que o berço não seja retraçado e o carrinho inundado pelo seu fluxo mictório. Tudo deverá ser do conhecimento do animal, para que a sua curiosidade não venha a dar azo ao disparate. Em todas as disciplinas cinotécnicas existe um crescendo operativo, um aproveitamento da confusão canina, entre a ficção e a realidade, uma transição gradual entre a fase teatral e a real. Faremos o mesmo nesta ocasião. Será a nossa capacidade de antevisão que irá fazer a diferença, na reprodução das situações com que o cão irá ser confrontado (quem deve embalar o berço são os pais, não o cão, os brinquedos caídos não devem ser abocanhados, o sono do bebé deve ser respeitado e a sua comida não deverá ser furtada). Para melhor preparar o cão para a chegada do bebé, também para se acostumar ao seu choro, é desejável substitui-lo no berço, atempadamente, por um boneco similar, de dimensões reais e que chore, atribuindo-lhe o nome de tratamento que irá ser dado à criança, para que o berço não tombe e o bebé vá parar ao quintal. O que se procura na preparação, quando houver necessidade disso, é alteração positiva do comportamento do cão face à novidade do recém-nascido. O advento do bebé não deverá promover a descida hierárquica do cão, coisa que o animal não veria com bons olhos, mas robustecer a liderança pela parte integrante.

O que é e para que serve a apresentação?
Quando a preparação é bem feita, a transição para a apresentação é automática, porque a aceitação já foi alcançada. A apresentação começa pela mostra do novo membro da família ao cão e sugere as adaptações necessárias, as inerentes ao diálogo inter espécies e ao particular do indivíduo canino envolvido. A supremacia dos códigos anteriormente aplicados, deve ser capaz de reparar, todos os problemas causados pela novidade. Como se depreende, a apresentação é um acto condicional, cativo ao momento próprio e dentro das rotinas previamente estabelecidas.
Como operaremos a familiarização?
A familiarização é um momento subdividido em duas fases: uma na presença dos progenitores e outra na sua ausência. Trata-se aqui de habitar o cão à criança, como elemento presente no seu quotidiano. Sem familiarização não há sociabilização nem adopção. Ainda bem que o cão é um animal de hábitos! A convivência entre ambos começa na presença dos pais, debaixo da sua direcção, atenção e fiscalização. O bicho deverá coabitar com o bebé, respeitar o seu status e tolerar o seu particular, de modo gradativo e de acordo com as respostas alcançadas. A passagem à segunda fase começa por ser falsa, porque será desenvolvida pela ocultação dos pais, tendo a situação sob controlo e “debaixo de olho”. A transição não é automática e existem cães manhosos, geralmente vítimas de donos de igual condição. Jamais passe à segunda fase na incerteza da resposta animal. Apesar de ser mais fácil deixar o cão no canil ou pendurado numa varanda, é melhor que o cão se acostume à criança, desde logo, do que a atacar depois de crescida, quando já andar e intentar puxar-lhe as orelhas.

Qual a importância da sociabilização e como a desenvolveremos?
Só a sociabilização plena garante a adopção. A sociabilização é um processo pedagógico que capacita o cão a viver na sociedade, de modo descontraído e extrovertido, segundo as regras aplicadas, na defesa da sua integridade e dos demais, quer eles sejam seus iguais ou diferentes. Como em tantas outras coisas, a sociabilização começa por ser doméstica e estende-se a todos os indivíduos presentes na sociedade adjacente. Como já se percebeu, a sociabilização é advinda do concurso da familiarização e das metas que a tornaram possível. Tornar um cão sociável é ajudá-lo a vencer os seus medos e receios, a controlar os seus instintos e a desenvolver a sua capacidade não-predadora, pela prática do exemplo e pelo contributo da sua curiosidade. Sociabilizar o cão com o bebé, é uma tarefa aturada e unilateral, porque mais depressa nos entende o bicho do que o recém–nascido. Protegendo a criança e satisfazendo a necessidade de contacto canina, a sociabilização torna-se viável pelo cumprimento das regras. O cão deve ser alertado para o singular da criança, a identificar a sua mímica como algo próprio e inofensivo. Os arremessos caninos contra crianças, muito raramente são contra as de colo, verificando-se mais tarde, por abuso ou invasão de território, por aqueles que nunca tiveram algum contacto com elas. É desejável que o cão permaneça junto do berço e do parque, que assista a todos os cuidados relativos ao bebé e que não use as suas fraldas como espólio. A sociabilização carece de tempo e estabelece-se com o crescimento da criança.
Como acontece a adopção?
A adopção é um fenómeno típico dos cães bem sociabilizados, daqueles que foram objecto de uma boa instalação doméstica e que se sentem membros activos do grupo. O cuidado dispensado a um cão nunca regressou de mãos vazias, transformando-se no aumento da segurança daqueles que o operaram. O cão tendencialmente defende aquilo que considera seu, particularmente se for territorial e se vir confrontado com intrusos. O êxito da sociabilização pode levar à guarda do bebé e isso acontece com alguma frequência, quando a criança é identificada como um bem a guardar, pertença do seu líder ou membro mais vulnerável do grupo: o cão irá adoptá-la como sua! E isto a ninguém deve espantar, porque o bicho procede de igual modo com os restantes bens do dono!
Conforme se antevê, o estabelecimento destas metas é tarefa do líder, que as deve alcançar para além da sua presença e sem o esforço dos elementos neutros (restantes membros da família), que usurpando papéis, podem comprometer todo o processo pedagógico.
Depois do que foi dito, dirão alguns:
- O meu cão nunca necessitou de nada disto!
Ao que responderei:
- Pois é, também eu, que nasci com um Pastor Alemão ao lado, afortunadamente com mais juízo do que o encontrado nos meus progenitores!
O apego aos procedimentos evita a tensão e diminui a novidade. Quem sabe não espera acontecer, faz!

Portfólio de um Reprodutor

À imitação dos já gastos “casamentos por procuração”, tal qual anúncio de convívio em matutino, alguns acordos pré-nupciais caninos são agora estabelecidos, via Internet, através do envio de fotografias dos reprodutores. A esmagadora maioria desses criadores envia somente uma fotografia do seu cão, de corpo inteiro e segundo o plano lateral, ignorando os demais planos de igual importância. Como acreditamos que o farão por desconhecimento, adiantamos aqui os planos necessários a um portfólio canino esclarecedor, servindo-nos do Afonso como ilustração, um cruzado de Chow-Chow com CPA, que apesar de distante dessas andanças, se disponibilizou para o efeito.

Do portfólio de um reprodutor devem fazer parte 5 planos: 1 lateral de corpo inteiro e 4 de pormenor (um frontal, um de traseira, um superior e outro da cabeça). Antes que nos acusem de excesso de zelo, adiantamos de imediato a importância de cada um deles e as informações que contêm, para que o futuro casamento, como noutras espécies, não se venha a revelar uma “carta fechada”.

No Plano Lateral de Corpo Inteiro são-nos dadas a observar, entre outras, as seguintes características:
1.A relação craniofacial. 2. A existência ou não de barbela. 3. O ângulo do stop. 4. A implantação das orelhas. 5. O tipo de chanfro nasal e comprimento do focinho. 6. Os eixos longitudinais craniofaciais superiores. 7. A inclinação do chanfro nasal. 8. A relação cabeça/dorso. 9. O elevado e a largura do pescoço. 10. O tipo de dorso (côncavo ou convexo). 11. A relação entre a altura e o comprimento (se o cão é quadrado ou rectangular). 12. A profundidade do tórax. 13. A inclinação da garupa. 14. A altura dos codilhos. 15. O comprimento da cauda e o seu tipo. 16. A inclinação dos metacarpos. 17. O tipo e classe de dedos. 18. As angulações traseiras. 19. A relação coxa/perna. 20. O tipo de pelagem e a distribuição das cores. 21. Desenvolvimento e proporção da espádua e das coxas.

No Plano de Pormenor Frontal podemos avaliar os seguintes pormenores:
1.O tipo de aprumos dianteiro. 2. A existência ou não de pé chato (dedos abertos). 3. A disposição dos joelhos. 4. A largura do peito. 5. A profundidade do tórax. 6. A simetria dos membros. 7. A inserção dos ombros.

O Plano de Pormenor Traseiro é esclarecedor relativamente a:
1. Ao tipo de aprumos traseiros (se há jarrete de vaca ou não). 2. Ao assentamento dos pés. 3. À largura das coxas. 4. Ao desenvolvimento muscular externo das coxas. 5. Ao tipo de ossatura. 6. À inserção da cauda. 7. À proporção entre a perna e a coxa. 8. Do estreitamento do jarrete ou não. 9. Da disposição da cauda.

No Plano de Pormenor Superior é-nos revelado o tipo de eixos (os cães galopadores são mais largos atrás e mais estreitos à frente, ou contrário dos molossos que são mais largos à frente). É o melhor plano para se identificar a relação do volume da cabeça em relação ao dorso. Espádua e garupa são aqui melhor avaliados. Também o tipo de costela é neste plano evidenciado.

No Plano de Pormenor da Cabeça procura-se identificar as seguintes características morfológicas:
1.Tipo de olhos e espaço interocular. 2. A existência ou não de máscara. 3. Tipo e largura da mandíbula. 4. Largura do crânio. 5. Existência ou não de despigmentação.

Para mais e melhores informações, recomendamos a consulta do Estalão da raça do seu cão, colocado à sua disposição pelo Clube Português de Canicultura. Fotografar animais não é fácil, basta ver as fotografias constantes nas revistas da especialidade. Os cães não fogem à regra. Há por aí alguns habilidosos, na arte de ocultar defeitos, que apenas “chapa” o melhor dos animais, ludibriando assim os futuros compradores pelo concurso de vários truques e pelo recurso a novos meios. Um dos mais comuns é o de esconder o abatimento de metacarpos no meio da relva. Há que estar atento. Doravante já sabe: o Portfólio de qualquer cão deve ter 5 planos.

Fim-de-semana de 29 3 30 de Agosto: Visitas, calor e APC

Este fim-de-semana teve duas faces, Sábado e Domingo foram dedicados a diferentes trabalhos. No Sábado a Carla Ferreira inscreveu-se na Escola e trabalhou com a sua cadela CPA Lobeira. O Roberto Mariano adquiriu um cachorro CPA Lobeiro excelente e o Greg trabalhou para o aumento da sua prole. Os trabalhos foram dedicados à obediência linear, sendo complementados teoricamente com os textos relativos à postura dos condutores.

No Domingo, assolados pelo calor que se fez sentir, porque não estamos no Afeganistão e não pretendemos ir caçar aos Urais, optámos por tarefas mais ligeiras e enveredamos pelo “APC”. O “APC” é um conjunto de exercícios binomiais voltados para si mesmos, uma brincadeira que espelha a cumplicidade entre donos e cães.


O Eduardo ainda não regressou, o Daniel temendo a gripe A (a do porco como diz o Octávio) ficou em casa, o Carlos Esteves foi a banhos e a Íris para a outra banda. A Princesa veio, trabalhou e fez a reportagem fotográfica. A Pescadinha foi para o Portugal profundo.
No final ainda houve tempo para fotografar a Margarida com o Loki, que pesa mais do dobro da miúda.

Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: Ana/Loki, Alexandra/Abu, Bruno/Pepe, Carla/CPA-LB, Carlos Santos/Fortuna, Filipe/Jürgen, Manel/Mini, Octávio/Greg, Jorge/Audaz & Juvat, Joana/Flikke, João Moura/Xita, Princesa/Pipo & Ricky e Zé Gabriel/Master & Menina.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

::: Técnica de salto: a condução à trela :::

Quando um cão é introduzido aos saltos verticais pelo auxílio da trela, que só deve acontecer nos de menor altura, no intuito de o ajudar na marcação do salto e a vencer a transposição requerida, algum cuidado há que haver, para que o ensino não lhe seja fatal e obste a sua natural propensão saltadora. E como é mais fácil inovar do que corrigir vícios, dividiremos o salto nos seus três momentos principais e adiantaremos os requisitos técnicos necessários para uma transposição segura, eficaz e feliz.

1. NA PREPARAÇÃO:
a) No nosso entender, hoje bem distante da preocupação competitiva, o convite para o salto só deve acontecer depois do “Junto” ter sido alcançado, salvaguardando a obediência que tudo sustenta e garante, porque não somos adeptos das doutrinas “ prà frente é que é Lisboa” e “seja o que Deus quiser”, repletas de disparate e de grave consequência para o cão, considerando a experiência directa, o robustecimento do seu carácter, o desenvolvimento dos seus índices atléticos e a sua integridade.

b) Como qualquer transposição é garantida pelo andamento que a possibilita, a sua transição torna-se indispensável. Num salto isolado e novo para o cão, duas coisas podem acontecer como reflexo da sua insegurança: ou o bicho entra em galope desenfreado ou reduz a velocidade. Nenhum dos casos por si mesmo garante a transposição, porque o primeiro tende a escapar-se e o segundo já “pensou” na renúncia. E quando cão entra desenfreado, o dono vai a reboque, executando o salto atrasado e sujeitando o animal à tracção. Erroneamente e depois do insucesso, muitos condutores optam por parar o cão ou pô-lo a passo, desprezando a marcha que garante a transição natural e segura. A transição do trote para o galope, que é a correcta, deve acontecer segundo as características morfológicas de cada cão, já que a curvatura de salto de uns é de 20 º e de outros 45º.

c) O atrelar forçado que gera o desencanto, próprio dos cães isentos de recapitulação doméstica e da respectiva cumplicidade, é responsável por um sem número de posturas caninas anómalas, efeitos que reflectem a precariedade da unidade binomial, que sendo alcançada à bruta, lança mão da coerção ou abandona os cães a si próprios. Na abordagem do obstáculo o condutor deve evoluir com o cão junto de si e com a cabeça levantada, para que o animal veja linha de salto e se prepare para a transposição. Não é errado e até é desejável, quando feito isoladamente e não em classe, que os cães pendurados na trela sejam convidados para as transposições pelo convite de uma bola ou pela indução de um brinquedo. A manobra é descodificadora e a alteração é alcançada pela memória afectiva, desprezando o despropósito mecânico que obsta à transposição confiante e segura.

d) Nas evoluções circulares, como é o nosso caso, o corpo do condutor não deve tapar o obstáculo ao cão, condenando-o a uma marcação de recurso e a uma transposição de surpresa. O procedimento a haver é idêntico ao recomendado no Código da Estrada, o relativo às mudanças de direcção e à consequente procura do eixo da via. O condutor deverá, momentaneamente, abandonar a progressão circular e garantir uma evolução rectilínea, para que o obstáculo seja de todo visível e o salto perceptível. Assim se deve proceder no 1º salto, na chamada apresentação do obstáculo. Se a transposição for segura, não haverá mais necessidade disso, o condicionamento fará o resto.

e) A mão do condutor deverá ir no sítio do ajuste, sobre o cabedal preto que remata a trela e antecede o fecho, executando um movimento ascendente de escora a 45º, de acordo com a altura do obstáculo. Para que tudo corra bem, esta ajuda deve acontecer a uma distância igual à da altura do obstáculo a transpor. Os condutores menos aptos e pouco aplicados, que geralmente não procedem assim e operam atrasados, puxam os seus cães para cima na altura da suspensão, obrigando os animais a um “salto de cabra”, contrariando a extensão necessária e a progressão continuada. Como este movimento não é natural, acciona o receio e o desinteresse do cão, porque propicia o estoiro e antecede a lesão. Até à suspensão, momento em que o cão se encontra sobre a linha do obstáculo, o condutor evolui a seu lado, adiantando-se depois no comprimento total da trela, para garantir o ângulo de saída e possibilitar ao cão um impacto ao solo suave, quando ele distribui, o mais rápido possível, o peso corporal pela totalidade dos seus membros. A inacção da mão do condutor só induz a dois desfechos: ou o cão salta antecipadamente (o conhecido “salto do meio da rua”), ou torna-se especialista em renúncias. Não nos podemos esquecer que estamos a condicionar.

f) O nervosismo binomial perante a acção, a excitação dos animais, o contributo do impulso ao movimento, a competitividade canina e o prévio conhecimento da acção, não devem e não podem colocar em risco a liderança, porque a ginástica cinotécnica outra coisa não é do que obediência dinâmica. Não devemos usar a ginástica para destruir a obediência. Ao invés, devemos servir-nos dela para reforçar o nosso controle e mostrar ao cão quem capitania as acções. Sempre que um cão não espera pelo dono e parte para o salto isoladamente, dispensando o comando e evoluindo a modo próprio, a obediência está em risco e a liderança a extinguir-se. Como a ginástica sem a cumplicidade é uma prática esclavagista, onde a coerção deve ser banida e o estímulo potenciado, usaremos nesta situação o comando de “atrás”. O recurso a este automatismo direccional possibilitará o “junto” sem atropelos, porque vendo-se condicionado atrás, o cão aguardará o convite para vir ao nosso lado. Toda a condução à trela é uma forma de condicionamento (a trela é um subsídio de ensino), uma má condução à trela induz a um péssimo desempenho em liberdade. Devemos estar cientes disto!

g) O que garante o sucesso em qualquer salto é a sua entrada (preparação), inteiramente ligado à velocidade e à direcção empregues. A transição de andamento é garantida pelo comando de “em frente”, solto por ocasião da marcação do salto. A repetição do comando, nestas circunstâncias, é justificada pela necessidade de manter a constância da velocidade, particularmente junto dos cães que lhe resistem ou que tendencialmente se distraem. Os saltos oblíquos operados sobre o lado esquerdo da linha de salto, quando a mão de condução é a esquerda, reflectem um “junto” precário que dá azo à distracção e obsta à correcta marcação, consentindo em simultâneo numa velocidade inadequada, quer ela seja acima ou abaixo da requerida. A perpetuação deste vício obsta ao bom desempenho na “Técnica de Condução”, porque causa entrave nas mudanças de direcção, induz o cão à fuga ou provoca o seu desinteresse pelo trabalho. Os saltos oblíquos, responsáveis também pela queda das barreiras, devem ser objecto de reparo e eliminados de imediato.

2. NA EXECUÇÃO:

a) Na execução do salto, altura em que o cão se suspende sobre a linha do obstáculo, que pode ser mais demorada ou não, dependendo isso do tipo de dorso e da angulação que os seus membros posteriores apresentam, o condutor deve progredir em aceleração, para não perigar a extensão do salto e possibilitar a sua convexidade. Atendendo a isso, é errado e de funesta consequência, parar, desacelerar ou olhar para trás no momento da suspensão. Estas lacunas técnicas ficam a dever-se à insegurança e ao mau preparo físico dos condutores, tendem a perpetuar-se e são inibidoras do desejável crescendo atlético canino.

b) Como é por demais sabido, o comando para a transposição é o de “up”.

c) A execução do salto deve ser efectuada sobre o centro da barreira a transpor. Por esta razão, como indicação para o condutor, as barreiras são bicolores, geralmente divididas em 5 partes, com o seu meio devidamente assinalado.

d) Neste momento do salto e para garantir a transposição natural, é indispensável que ela seja feita em segmento de recta e nunca numa evolução curva ou oblíqua.

3. NA SAÍDA:

a) Na saída do salto o condutor deve adiantar-se no comprimento total da trela, por isso tem ela um metro e oitenta de extensão, exactamente o triplo da distância média entre eixos encontrada nos cães, possibilitando a desaceleração conveniente que torna possível o reagrupamento no “Junto”. Se esse adiantamento não acontecer, o cão sujeita-se a um duro impacto ao solo, suportando de modo indevido, o seu peso corporal somente sobre as mãos.

b) A exemplo da entrada e da execução, também na saída se deve manter a progressão rectilínea, para que a desaceleração seja segura e não recaia sobre um dos lados do cão, o que geralmente induz a lesões instantâneas ou persistentes.

c) O condutor que até à execução levava a mão no sítio do ajuste, a partir daí solta-a, operando o seu recobro na extensão oferecida pela trela. Caso não o faça, arrisca-se a sair rebocado e talvez projectado para o solo.

Muito mais haveria a acrescentar sobre a técnica de salto na condução à trela, sobre os seus requisitos e os problemas colocados a cada um um. Apenas adiantámos os subsídios mais urgentes e sintetizámos as dificuldades mais frequentes. A Escola encontra-se ao dispor de todos para maiores explicações.

Os Cães dos Saloios

NOTA INTRODUTÓRIA

As três histórias seguintes constam de um volume dedicado “Aos Cães dos Saloios”, a publicar à posteriori, naquilo que essa relação tem de diferente e único. Como o modo de tratar os cães não é uniforme em todo o País, dominado durante séculos por uma economia de sobrevivência e povoado por diferentes etnias, predominou o uso canino para os mais diversos fins, em detrimento do seu bem-estar. Os saloios herdaram o gosto de caçar dos seus senhores medievais, enquanto matilheiros e pastores. Os cães têm sido seus companheiros de aventuras e desventuras, reflexo do seu êxito ou insucesso, numa relação muito próxima e adornada por considerações antropomórficas. Eles “entendem-se” uns aos outros!


O CÃO DO “SAIAS” SERRALHEIRO

O Saias era um serralheiro de cinquenta anos, corado de cara, leve de ossos e de olhos pequenos. De altura era meão, tinha bom trato e andava sempre a sorrir. Optou pelo ofício para fugir às lides do campo, com custo tirou a 4ª classe e permaneceu saloio de raiz. Vivia num brejo virado a oeste, numa encosta ventosa e solarenga, perto de uma vila e longe da sua confusão. Poucos sabiam o seu nome verdadeiro, toda a gente o tratava por Saias. A alcunha ganhou-a num baile, por força da embriaguez, quando um guarda o convidou a sair: “ Saia, se faz favor!”. A narrativa do sucedido e a manifestação do seu desgosto, valeram-lhe o nome que o acompanhou por toda a vida. Como serralheiro era uma desgraça, a si mesmo se chamava desenrascado, dele era frase gasta: “ Porrada daqui, porrada dali, e o portão fica à esquadria”. Dizia-se caçador, mas em abono da verdade, caçava tão mal quanto soldava. Como a teimosia nunca lhe faltava, e porque se sentia outro de arma à tiracolo, decidiu arranjar um cão a preceito. Deu quinhentos mil reis por um podengo e jurou dar nas vistas.

O cão era vivo e astuto, ganhou o nome de “Purdido” para se acostumar à voz “ busca o que está perdido”. Comprou-o para dar caça aos coelhos, para os detectar, e ir apanhar os que se encontravam feridos. Como a pontaria do caçador não era famosa, os coelhos podiam descansar e o cão perdia-se pelos montes. Quando alguém lhe perguntava pela caça, a resposta era sempre a mesma: “ O Purdido retraça-ma toda, até parece que não lhe dou de comer!”. E na verdade parecia, porque quando se soltava, dava sumiço aos coelhos e galinhas dos vizinhos. À conta disso, o serralheiro várias vezes andou “ à unha”, muito embora os prejuízos, corressem sempre por conta da casa. Pouco a pouco, começou a fartar-se do animal, já nem aguentava ouvir os pirralhos, a troça que faziam ao passar o seu portão: “ - Ò Saias prende o cão!”. Dar-lhe um tiro, não era capaz; se o desse a outro, passava vergonha; mandá-lo para o Canil da Câmara, também não queria. Ele gostava do animal, mas a situação não estava famosa, o problema tinha que ser resolvido. Alheio a isto tudo, o Purdido saltava-lhe para cima e lambia-lhe as mãos.

Naquele tempo, e não foi há tantos anos assim, os saloios trocavam porcos com os alentejanos, o toucinho dado pela bolota era muito procurado e os outros queriam febra. O negócio interessava a ambas as partes e ciclicamente, os camiões faziam-se à estrada, carregados de “recos”1 e soltando aroma pelas encostas. Foi aí que o Saias se lembrou, tinha encontrado a solução para o problema. Foi falar com um dos motoristas, o Zé da Glóira, pedir-lhe que levasse o cão em segredo, e o largasse na outra banda 2. Às cinco da manhã, depois de olhar para todos os lados, pôs o cão dentro de uma saca e colocou-o dentro da cabina do camião. Depois de fechar a porta, virou-se para o motorista e pôs o dedo à frente do nariz, dizendo: “ o segredo é a alma do negócio”. Sim, porque ainda teve que pagar pelo frete!

Há medida que os dias iam passando, o serralheiro “roía-se por dentro”, sentia a falta do bicho e nem podia olhar para a barraca. Para se consolar, lá ia dizendo para si “ encontraste um novo dono e estás melhor do que aqui”. Mas o remédio durava pouco, a saudade sufocava, o apetite estava de férias e a cama andava sempre às voltas. Ai como ele gostava de voltar a ouvir os pirralhos! O pátio parecia vazio e as horas não ter fim. Quase como em homenagem, colocava as poucas sobras à disposição dos cães vadios. “Já lá iam quinze dias, e parecia que fora ontem”. Quando lhe perguntavam pelo cão, não respondia, chamavam-lhe de “variado” e ele mandava-os para aquela parte.

Ao cair da noitinha, depois de haver jogado dominó na taberna, entrou trôpego em casa, sentou-se numa cadeira e deixou a porta aberta. Apoiou a cabeça nas mãos, deixou-a cair sobre a mesa e fechou os olhos. De repente, ouve um estalar de ossos, abre os olhos e nem queria acreditar: “ será que estou bêbado?”. Mas não, era o Purdido quem ali estava, dentro da barraca, a comer uma galinha, sabe lá de quem! O Saias correu para o cão e sentiu-lhe as costelas, pediu-lhe perdão e agradeceu à Providência. Depois da benzedura soltou: “ À Purdido dum corno, que de burro n’a tens nada!”.

Depois do feito, a aldeia agradou-se do cão e muitos passaram a levar-lhe comida. Morreu de velho e o Saias não teve mais nenhum!
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1 Nome popular atribuído aos porcos. 2 Designação dada às localidades da margem sul do Tejo.


O DESAPARECIMENTO DA CADELA DA MADAME

Os saloios são na generalidade gente hospitaleira, que recebe quem chega de acordo com aquilo que vê: “ tudo tens, tudo vales; nada tens, nada vales!” E como para eles estrangeiro é sinal de riqueza, todas as forasteiras recebem o título de “Madames”. Não sabemos onde desenterraram isso, se das Invasões Francesas ou do seu contributo para as “criadas de servir”. De qualquer modo, o tratamento não é desinteressado e a honraria pressupõe algum tipo de lucro.

E quando menos se esperava, chegou a determinada aldeia uma Madame. Era uma norte-americana, na força da idade, que tinha sido educada num colégio suíço e que adquiriu, pelos proventos do pai, uma quinta e vários lotes de terreno. Rapidamente aprendeu a falar português e a todos cativou pela sua simpatia. Com ela chegou também o seu companheiro, um francês quarentão, de poucas falas, dado ao copo e dito “caçador de talentos”. Este enfant de la patrie , oficialmente, dedicava-se a gerir a carreira de tenistas femininas vindas do Leste, na sua maioria russas, ucranianas, moldavas e romenas. Nenhuma delas alcançou o Top 10, mas algumas satisfizeram, na perfeição, os caprichos mais íntimos do seu empresário. E como o viver naquela casa se tornou insustentável, para suavizar a sua existência e encontrar uma confidente, a Madame adquiriu uma cadela Labrador, contra a vontade do seu companheiro que a tratava a pontapé, quer se encontrasse ébrio ou não.

Um dia, fustigada pelas constantes sevícias, a cadela fugiu de casa e nunca mais apareceu. A dona tudo fez para a encontrar, até contratou uma vidente, que munida de um pêndulo, tentava, guiada pelos espíritos, descobrir o paradeiro do animal sobre um mapa da região. Os espíritos pagaram-se bem, mas a cadela continuava sem dar sinal de vida. Como a bicha havia sido educada numa escola canina, onde teve bom aproveitamento, no meio do desespero e dois meses depois, a dona solicitou os serviços do Director da Escola, solicitando-lhe o emprego de cães pisteiros para a tarefa. O homem resistiu ao encargo, argumentando que os seus cães eram para a procura de pessoas e não de animais, que indevidamente os estava a ensinar a caçar e que o tempo decorrido já havia apagado todas as pistas. Mas perante tal pranto e a insistência, viu-se obrigado a concordar, pondo-se em marcha com três cães, na esperança de não estragar o melhor, usando os outros dois no seu lugar, o que não veio a acontecer.

E o bom do Brusco, assim se chamava o melhor pisteiro, depois de apanhar o rasto, sempre parava junto a uma oficina de mecânica automóvel. Fazendo fé no “nariz” do cão, o Director da Escola instava com o mecânico: “De certeza que o Sr. não viu por aqui uma cadela lavradora preta?” E como já eram decorridas três vezes e a pergunta era sempre a mesma, o mecânico incomodado retorquiu severamente: “ Você julga que eu não tenho mais que fazer, já lhe disse que não. Eu quero que todos os cães se explodam!” E assim se terminaram as buscas. Contudo uma dúvida pairava na cabeça do Director da Escola "O Brusco nunca me enganou, será que está a ficar velho e zonzo?"

Passados dez meses sobre o ocorrido, o Mateus chega à Escola, um ex-aluno divertido e esforçado, condutor de um rottweiler. Vinha feliz e trazia uma novidade, de tão contente que estava, quis dividir a sua felicidade: “ Ò Sr. João, você nem vai acreditar naquilo que eu lhe vou dizer, mas a verdade é que tenho agora uma lavradora preta cinco estrelas, ele faz tudo e nunca foi ensinada, é um espectáculo! Eu até a levei à Escola do Artur, e para espanto meu, ela também fez as escadas de quatro metros e meio!”

- Onde é que descobriste essa cadela? Perguntou o Director da Escola.
- A cadela era duma francesa maluca. O marido dela dava porrada no animal e ele foi parar a uma oficina de um amigo meu. Parece que andou por lá um gajo com uns cães, mas não teve hipótese, o mecânico mandou-o à fava! Respondeu o Mateus.

- Esse gajo que por lá andou, fui eu! Não te importas de trazer a cadela para que eu a veja? Solicitou o Director da Escola.

A cadela veio e o mistério ficou resolvido: era a mesma. O Mateus, sabendo do interesse da dona legítima, quis livrar-se do animal, para evitar maiores complicações e dar paz à sua consciência. Como o Francês ainda vivia com a dona, não resultando daí qualquer benefício para o animal, optou-se, depois da concordância da proprietária, por entregar a cadela a uma companhia cinotécnica policial, onde está até à presente data. Afinal o Brusco tinha razão, os homens é que mentem! Naquele dia, para além de um pedido formal de desculpas, o pisteiro recebeu uma suculenta iguaria do seu agrado.


TÊM VISTO A JINHA? Falar de cães é falar de homens, dos laços afectivos que se estabelecem a partir da dependência animal, da cegueira canina em seguir o seu líder e do provável fim comum. Poucas coisas são mais personalizadas que o nosso cão, alcançando-se, por força do hábito, uma transferência física e anímica do homem para o animal. Esta interacção distancia o cão do lobo, aumenta a nossa responsabilidade e engrossa o nosso caderno de encargos. A julgar pelo número de cães abandonados, grande número de pessoas ignora estes factos, causando problemas e vítimas, relegando para o colectivo, a solução que não encontrou e o preço das suas opções. Mas vamos à história.

O Ti Américo para os amigos, o Sr. Américo para quem servia, era um homem de sessenta anos, de cara estreita e barba mal semeada, pequeno, amarelado de tez e de aspecto pouco robusto. Já ninguém se lembra como chegou àquela terra, donde veio e o que fazia, ninguém lhe conheceu família, nem mesmo à hora da sua partida. Ocupava a vida a fazer fretes, valendo-se de um carro de mão feito de madeira, comprido e com uma roda do mesmo material, revestida a tira de pneu. Era frequente encontrá-lo entre a paragem das camionetas e a estação dos comboios, onde ganhava a vida e carregava os embrulhos para os clientes. O pequeno carro havia-lhe moldado a silhueta, mesmo quando não o empurrava, e por mais que desse aos braços, sempre andava curvado. Vivia sozinho numa barraca junto à linha do comboio, tratava de tudo o que era seu e deitava-se com as galinhas. Dificilmente ia “beber um copo”, a menos que alguém lho pagasse. De qualquer modo, entrava mudo e saía calado, não gostava de falar de si, e muito menos dos outros. Parecia ter sempre que fazer.

Como o dinheiro era pouco, aceitava sem melindre sapatos e roupas usadas. Não se escusava a um prato de sopa e rabiscava qualquer tipo de alimento. Quando havia feira na localidade, ele esperava pelo seu encerramento, deitando mão à fruta e aos legumes desprezados. Nesses dias, o pequeno fato de macaco azul vinha a abarrotar, o carro vinha carregado e um assobio ecoava na Praça. Muita daquela comida tinha que durar uma semana, exactamente até à próxima Feira. Numa dessas incursões, junto ao pneu de um tractor, viu uma saca de serapilheira atada. Temendo que estivesse esquecida e que o seu proprietário voltasse, resistia em tocar-lhe, pois não queria passar por ladrão. Estranhamente, a saca mexeu-se e de lá dentro saiu um ganido. Depois de olhar para todas as direcções, não resistiu e abriu a saca. Lá dentro estavam três cachorrinhos, dois mortos e uma cadelinha viva. Disposto a criá-la, levou-a para casa, indo todo o caminho a pensar no nome que lhe iria dar. Ficou Jinha.

A Jinha era uma cadela mestiça, provavelmente de quatro olhos1 com podengo, baixinha mas vivaça, negra e de pelo cerdoso. Rapidamente aprendeu a escoltar o carro, a acompanhar o seu dono para todo o lado. Quando o carro estava carregado ou o sol era forte, deitava-se debaixo dele; quando estava vazio, adormecia dentro da caixa. E que ninguém pensasse em tocar nalguma coisa, aí é que era o diabo! Era doida por sopa de tutano, o que nem sempre comia, porque a procura era muita e o magarefe tinha de cativar a clientela. Mas de vez em quando lá calhava. Felizmente que comia de tudo, desde batatas a couves, de feijões a azeitonas. Partilhava a mesma mesa e a mesma cama com o dono – tudo lhes era comum.

Certo dia, os despachos começaram a amontoar-se, e do Américo nem sinal! O homem da Agência ia perguntando a todos por ele, mas ninguém sabia onde estava, todos diziam que não o tinham visto. “ Provavelmente está a curti-la. Amanhã logo virá! “ Dizia o agente para se conformar.

Já haviam passado dois dias e do Américo nem notícia! Houve quem alvitrasse que fora à Sede do Concelho, que finalmente fosse visitar algum filho ou parente. Sim, até porque a Jinha não era vista, e onde estivesse um, estaria o outro.

Na taberna mais próxima da barraca jogava-se às cartas, à lerpa, e como o jogo era a dinheiro, as portas estavam trancadas. O estratagema era válido para os guardas e para as mulheres dos jogadores, evitando multas e publicidade desnecessária. Quando tudo parecia correr bem, sente-se a porta a abanar, alguém estava do lado de fora! As cartas voaram para dentro das tulhas, os jogadores esconderam-se por onde puderam e o merceeiro encomendou-se à Virgem. Fingindo que tinha sido acordado, perguntou: “ Quem é que está aí. Não são horas para acordar ninguém. Isto aqui não é nenhuma farmácia!”

Com a porta abanar e não obtendo resposta, também porque a hora já ia alta, o merceeiro avançou para a porta munido do “ tira-temas”2. Abriu-a com cuidado, com a tranca a ampará-la por dentro, espreitando receoso. Para espanto seu, viu somente a Jinha, que num movimento de vai-vem, não parava de ladrar. “ Ah cadela dum bode mocho, qe’que te deu para ma atazanares?”, dizia ele.

E porque a cadela não se calava, espelhando aflição, decidiram segui-la. Ela levou-os até à barraca do dono, onde sobre uma esteira, ele dormia para sempre, junto a um candeeiro sem petróleo e coberto por sacas de foskamónio. O homem foi sepultado e desconhece-se quem pagou o enterro. A cadela permaneceu durante dias ao redor da barraca, ao lado do carro e de olhos postos no horizonte. Ocasionalmente vinha à localidade para comer, até que um dia desapareceu.

Perante o ocorrido, os vizinhos perguntavam uns aos outros: “ Têm visto a Jinha? “

A Jinha tinha sido vista por quem não devia, pelos empregados camarários da “carroça”3. Não ofereceu resistência, foi um serviço limpo. Soube-se que morreu por injecção letal, porque dentro do prazo legal, ninguém a adoptou ou reclamou.
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1 Designação saloia para cão lanudo, bicolor, de máscara cerrada com uma mancha mais clara sobre cada olho. 2 Nome atribuído a um porrete. Na zona saloia usa-se o termo “ cachaporro”. 3 Viatura automóvel destinada à captura e transporte dos cães vadios. O nome é advindo do veículo usado anteriormente. Geralmente transportava quatro funcionários munidos de redes e arpões. Os cães eram capturados a partir do cerco e não raramente eram usados paus e pedras. O espectáculo era degradante.

A sucessora do PM

O PM, o gato de operou a sociabilização de tantos cães e morreu de velho, já tem sucessora, uma gatinha tigrada cinzenta, salva do abandono e recolhida à beira de uma estrada. Ela adora vir para a Pista Táctica, corre atrás dos cães e não se teme perante eles. Recebeu o nome de Maria Joana, respectivamente os nomes da sua salvadora e da sua madrinha. Graças à sua valentia e inquietude, os cães estão a sociabilizar-se com ela, mostrando a curiosidade típica e o desejo de a identificar. A Joana adora a gata, o Flikke já a considera da família e a bichana elegeu a pista como seu lugar social. A história repete-se, para bem dos cães e alegria da gata.

A procura do Atavismo

Esta tem sido uma guerra interminável, operada massivamente nos últimos cinquenta anos: a procura do atavismo canino. O Lobo Checo, o Lobo Italiano e os Pastores Holandeses disso são exemplo. Nos Estados Unidos até houve necessidade de regulamentar a percentagem de sangue lobo nos cães. O retorno ao Lobo tem-se revelado desastroso, porque os híbridos perdem dependência e ganham autonomia, dificultam a parceria e agem pelos seus instintos, tornando-se desprezíveis para os fins procurados. Por detrás de tudo isto, está a procura do super-cão, um guardião de créditos inquestionáveis, que à dentada tudo varrerá. A transferência da matilha animal para a constituição binomial é o maior dos seus entraves, inviabilizando os desejos dos que almejam feras no quintal. À parte disto, a capacitação dos híbridos tem sido morosa e votada ao insucesso, devido à troca de alvos que leva à perseguição de outros animais. Ganha-se o caçador e perde-se o guardião.

Há já muito que os saloios sabiam disso, em tempos idos, depois de verificarem a inutilidade dos raposos em cativeiro e querendo melhores cães de caça, iam deixar as suas cadelas com o cio no Cabeço da Velha, junto à Avessada, para que os raposos as cobrissem e daí resultassem excelentes caçadores. A manobra era feita “à boca calada” e muito poucos viram recompensado o seu esforço. O fraco índice de sucesso levou ao abandono das acções, muito embora se encontrem ainda, na região, características desse atavismo nalguns rafeiros caçadores. Depois de auscultar os mais velhos, a opinião é unânime: “quanto menos sangue raposo, melhor!”
Na Europa, o CPA foi o cão mais solicitado para estas vãs tentativas, por causa do seu tipo e morfologia. No entanto, os híbridos resultantes da sua contribuição, ao invés de suplantarem as suas qualidades, adquiriram outras bem distantes da mais-valia procurada. Ouvimos de um instrutor militar a seguinte sentença: “ Uma vez soldado, soldado para sempre. Depois de sentir o estalar do verniz, qualquer um sabe daquilo que é capaz! Dificilmente voltará a ser o mesmo!” No nosso modesto entender, o cão actual ainda tem demasiadas características atávicas que o ligam ao lobo, não necessita de mais e quanto menos tiver, melhor para todos, em abono do seu bem-estar e sobrevivência. Segundo a opinião de alguns etólogos, ligados à preservação de diferentes lobos, a “História do Capuchinho Vermelho”, como parte da cultura ocidental, contribuiu para o aniquilamento desenfreado desses animais. O medo que temos dos outros leva-nos a tentativas desesperadas, cria mercado. Até quando seguiremos as fábulas?

Fim-de-semana de 22 e 23 de Agosto: Trabalhar para melhorar

Este fim-de-semana não houve praia para ninguém. Os trabalhos foram escolares e dedicados à Técnica de Salto, na vertente da condução à trela. As aulas foram divididas em duas partes: uma teórica e outra prática. O Carlos Santos, o Carlos Esteves e o Bruno Carreiro, continuaram a limpeza da Pista Táctica. Todos os presentes melhoraram o seu rendimento e o aproveitamento foi superior. A Família Veiga Santos retomou os trabalhos e a Joana evoluiu segundo o esperado. Os almoços aconteceram no “il massimo” e os quatro períodos do treino foram concorridos.
No intervalo dos exercícios ainda se arranjou tempo para o “baptismo da Ana”, que apesar das instruções, fez do chão tapete. Esta nossa amiga, muito nervosa de início, mostrou a valentia reconhecida aos ribatejanos. A Flor continua no hotel e chegou uma nova aluna, a Íris, proprietária de um bassetóide SRD, de nome ZIGUI. O Eduardo foi para França de automóvel, levar a família para a sua nova residência em Paris. Volta para a semana. A Princesa continua a trabalhar para aparecer na “Caras” e na “Flash”, uma vez que detesta a “VIP”. A Rita visitou-nos e está a ficar uma mamã radiante.
Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: Alexandra/Abu, Ana Pinto/Loki, Bruno/Pepe, Carlos/Zara, Joana/Flikke, João Moura/Xita, Manuel/Mini, Octávio/Greg, Virgílio/Pascoalito e Zé Gabriel/Master & Menina.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

::: Temos pena! :::

A expressão acima é típica da malta nova, vulgarizou-se e é aplicada nos casos em que nada há a fazer, nas situações irremediáveis e que importa suportar. É também usada como falsa lamentação, quando qualquer coisa se torna inevitável ou determinado acto conduz ao fim esperado. Para que isso não lhe suceda a si e seja votado à mesma sentença, se pensa adquirir um cão, saiba de antemão, aquilo que o espera e os problemas que irá enfrentar, porque a adopção do animal é um compromisso “duro de roer”, confirmado pelo número de cães descartados ou abandonados. É bom saber com o que contar, para que o seu desejo não se transforme em castigo e se sinta vítima da sua opção, mal fadado pela sorte e condenado ao sacrifício.
A aquisição de um cão obriga, entre outras coisas, ao aumento das despesas, à alteração das rotinas, a cuidados especiais, a férias repartidas, a uma maior disponibilidade, à novidade pedagógica e à aposta no seu bem-estar. Em síntese: à alteração do seu modo de vida, individual, familiar e social. E para que tudo vá bem desde o início, a opção deve ser familiar e nunca resultar de um desejo individual, porque o cão é um animal social e toda a família estará, quer queira, quer não, implicada no seu processo de adopção. Quando assim não acontece, bem cedo o cão estará de “malas aviadas”.

O primeiro ano de vida de um cão é o mais dispendioso, mesmo que não se opte pelo seu adestramento, porque a ração para cachorros é mais cara, o quadro de vacinação tem que ser respeitado e as desparasitações são mais frequentes. Com o cão “a pagar as favas” e o dono a fugir às despesas, ele custará no mínimo 300 euros, podendo chegar aos 5.000, isto se todas as infra-estruturas já houverem sido criadas. Mas se houver necessidade de construir um canil e uma intervenção cirúrgica se tornar urgente, estes valores serão facilmente ultrapassados. Porque é mais um passageiro, a aquisição de um cão poderá levar à troca da viatura, à compra de uma caixa de transporte e a um sem número de acessórios. O cão mexe com o orçamento familiar e é bom que todos estejam de acordo. Não estamos aqui a contabilizar os estragos causados pelo animal, os praticados em casa ou contra terceiros. O cão é para quem pode e não para quem quer!

O animal obrigará à alteração de rotinas, devido à sua necessidade excursionista e aos seus passeios higiénicos, à limpeza das suas instalações e à prática do exercício físico necessário. Ele exige cuidado e atenção, porque sendo um animal social, procura a integração, busca a parceria e reivindica a coabitação. Desperta-nos para a brincadeira, interrompe os nossos afazeres e dá sumiço a alguns dos nossos objectos mais queridos. Não raramente faz asneiras para nos chamar à atenção e ainda por cima necessita de ser limpo. A vida de um proprietário canino pode dividir-se em duas fases: antes e depois do cão. Apesar da factura ser alta, os benefícios poderão falar mais alto. Só o amor aguentará a alteração das rotinas! Ídas ao veterinário, tosquias, a limpeza de orelhas, a administração de medicamentos, a distribuição do penso e o escovar diário, são alguns dos cuidados especiais a haver, muito embora cada cão obrigue a diferentes tarefas e preocupações, de acordo com o seu particular sexual, clínico ou racial, porque é um indivíduo e como tal, diferente dos demais. Quem não tem tempo para um cão, não o desperdice na sua aquisição!

E quando as férias chegarem, o que fazer com o cão? Há que pensar nisso!
A maioria livra-se dele e descarrega o fardo sobre empregados, amigos, parentes e vizinhos, a quem ficam a dever favores. Alguns optam por um hotel para cães e muito poucos partem de férias com ele. Para ser cão é preciso ter sorte e poucos são os que a vêem. De qualquer modo, a decisão não é fácil e causa algum embaraço, é mais uma decisão a tomar e um problema a resolver. Dá que meditar!

O cão reclama do dono uma disponibilidade física e mental muitas vezes para além do esperado, porque não é humano, tem outras preferências e diferentes objectivos, tem crenças próprias e agrada-se das coisas tangíveis à sua natureza. Não lhe podemos dar um livro para ler, mas ele pode interromper a mais gostosa das nossas leituras, acordar-nos a meio da noite e ladrar quando menos deve, incomodando vizinhos e derramando mal-estar à nossa volta. As queixas na Polícia que o digam!
Na sociedade actual poucos têm tempo para os filhos, para exercer a sua acção pedagógica enquanto pais. Alguns, impensadamente e para colmatar a falta, oferecem aos pirralhos um cão, o que só agrava a situação, porque os miúdos não ganham responsabilidade e o bicho aproveita-se da situação, sobrando a responsabilidade para os mentores da ideia. Um cão carece de educação e de um líder, e quando ambos faltam, ele tende à desobediência e a assumir a liderança. É errado entregar a educação de um cão a terceiros, porque a ausência do agente pedagógico pode provocar a rebeldia contra o próprio dono. Optar por um cão é educá-lo, procurar uma escola para a edificação comum.

A aposta no bem-estar canino deve ser considerada e muitas vezes colide com os interesses e desejos dos demais, atenta contra a nossa carteira e pode fazer gorar alguns dos nossos projectos. Para todos os efeitos o cão é mais um membro da família, bem diferente dum porco numa loja ou de um peixinho vermelho no aquário. Garantir uma boa instalação doméstica, uma alimentação equilibrada, a higiene necessária, uma assistência médico-veterinária capaz, interagir com ele e proceder à sua adaptação, são tarefas exigíveis a quem deseja ter um cão. Apostar no seu bem-estar é torná-lo feliz, mesmo que chegue cansado e a paciência já falte.
Se depois do que foi dito, ainda deseja ter um cão, seja bem-vindo, estamos aqui ao seu lado, seja nosso companheiro de jornada, temos muito a descobrir e os desafios não serão poucos. Pode contar com a nossa experiência, estamos prontos para o ajudar. Verá que vale a pena!

O Cão no Verão: alguns conselhos

  1. Evite deixar o cão encerrado dentro do automóvel, mesmo que deixe as janelas abertas. O calor pode-lhe ser fatal.
  2. Os cães de focinho mais curto apresentam maiores dificuldades em respirar, atingindo a exaustão mais cedo. Procure para eles um lugar mais arejado e sombrio.
  3. Os cães negros ou maioritariamente negros, quando sujeitos aos raios solares, atingem uma temperatura corporal até + 6º centígrados, quase instantaneamente. Proteja-os do sol.
  4. Se deixar o seu cão num hotel, dê preferência aos canis virados a Norte.
  5. Quando em viagem, não se esqueça da água e do bebedouro do seu cão.
  6. Se tem por hábito alimentar o seu cão pela manhã, passe a distribuição do penso para a noite. No verão os cães optam por comer nessa ocasião.
  7. Adquira um reservatório portátil de água.
  8. Coloque no animal uma coleira insecticida e evite permanecer em áreas alagadas ou húmidas, tanto ao amanhecer como ao anoitecer.
  9. Não marche com o seu cão quando a temperatura ambiente for superior a 25º centígrados.
  10. Não sujeite o seu cão a banhos de mar constantes. A água salgada acelera a desidratação. Se o fizer, lave-o depois com água doce. Praia e água potável são indissociáveis

Crónicas de uma Família chalada (relatos via telefone)

Apesar de todos conhecermos “A história do velho, do rapaz e do burro”, temos outra para vos contar, esta real: a da Família Veiga Santos.

Enquanto alguns deixam os seus cães num hotel e outros entregam-nos aos cuidado de empregados, parentes ou vizinhos, para já não falar naqueles que os abandonam, a Família Veiga Santos decidiu ir de férias com os seus cães para os Açores. A logística não foi fácil e exigiu algum planeamento. Uma semana antes da partida, por via marítima, foi enviado um canil desmontável, a montar junto à residência de férias. A Mini, uma cachorra miniatura, foi transportada ao colo da dona e o Abu, um CPA de 6 meses, foi no porão do avião. Chegaram em simultâneo, todos ilesos e o Pastor Alemão nem precisou de tomar calmantes, graças ao trabalho anteriormente desenvolvido. E lá pelas Ilhas, andam “serra acima, serra abaixo”, felizes e contentes, mostrando uma cumplicidade que não se conforma com o isolamento. Temos recebido notícias deles pelo telefone, a experiência tem sido gratificante e a adaptação dos animais excelente. A loucura dos donos trouxe a felicidade aos cães. Ainda há gente assim!
Um aluno meu, que procedeu doutra forma, quando confrontado com as exigências colocadas aos donos de cães, teceu o seguinte comentário: “ Se todos os donos de cães cumprissem com o indicado na Acendura, o número destes animais baixaria para 10 ou 5%. Em matéria de férias, há que haver equilíbrio”. Talvez este nosso prezado discípulo tenha feito uma importante descoberta, que 90 ou 95% dos cães se encontram em mãos impróprias, sujeitos à precariedade dos rendimentos familiares e a um sem número de condicionalismos, a quem o comodismo pode não ser alheio. Pergunta-se: a alta proliferação de cães não tem levado ao seu descarte e abandono? E por falar em equilíbrio, ecologicamente falando, o que deveria haver mais: lobos ou cães, caça ou caçadores? E depois, como entenderá o cão a ausência do dono? Entenderá ele o conceito de férias? Ficará a contar os dias? Como se sentirá?
Infelizmente, não temos uma reportagem fotográfica das aventuras da Família Veiga Santos. Tal não foi possível por dificuldades técnicas, o que lamentamos, porque as fotos revelariam a alegria desses binómios em férias e ilustrariam melhor este texto. E porque estamos a falar de condutores, ainda que de cães, lembro aqui o slogan militar “omnia per omnia portans” (transportando tudo por toda a parte).

Il Massimo

Esta veraneante acompanhada pela Isis, não é uma das nossas condutoras habituais, mas uma amiga recente e de reclamada conveniência, chama-se Ana e é a gerente do Restaurante Il Massimo, identificado entre nós como “o restaurante das tias“. Para além de gerente, a Ana é também a cozinheira, especialista em tapas e em diversas iguarias tradicionais. Intitula-se de inventora, é bem disposta e faz as nossas delícias. Apresenta umas entradas saborosas e umas sobremesas divinais. O preço da refeição completa é de 7 euros.
O Restaurante está situado em Alcainça, na estrada que vai da Malveira para Mafra, ao lado do talho e à frente do Supermercado Silva. O staff é constituído pelo patrão, pela gerente e pelo Sássá. O primeiro, no dizer do terceiro, “come, ralha, recebe o guito e desaparece”. O Sássá, para além de ser “pau para toda a obra”, é o empregado de balcão, o “preto”, como é tratado carinhosamente pela Ana. Vale a pena visitar este Restaurante, que apesar de modesto, é muito acolhedor e preserva os mistérios da nossa gastronomia meridional, salpicados aqui e ali de influências tropicais, castelhanas e italianas. Inovação é a palavra que melhor lhe assenta. Felicidades, Ana!

Fim-de-semana de 15 e 16 de Agosto: E a Zara aprendeu a nadar

Neste fim-de-semana dividimos os trabalhos entre a Escola e a praia pluvial. A maioria dos binómios encontra-se de férias e assistência às aulas foi diminuta. No Sábado, antes do horário normal das aulas, o Carlos Santos, o Jorge, o Rui e o Bruno acabaram a limpeza da pista táctica, deixando-a a brilhar e com os requisitos de sempre. Daqui enviamos o nosso muito obrigado. Depois evoluímos pela imobilização à linha e socorremo-nos do perímetro exterior. Na imobilização ninguém ganhou ao Audaz, apesar da pouca certeza do Jorge.
A Flor deu entrada no Hotel e a família do Daniel rumou em direcção às Praias do Sul. Os três Veiga Santos estão nos Açores, a família Moura na Costa Vicentina e a Pescadinha entregue às suas obrigações sociais. 80% dos alunos estão fora e daqui em diante começarão a regressar, partindo depois aqueles que aqui ficaram. A Zara também deu entrada no hotel e a Luna foi coberta pelo Antar. Em Dezembro teremos 3 ninhadas para venda, de excelente qualidade e créditos firmados.
No Domingo deslocámo-nos à nossa praia privativa, o Jorge ganhou um colchão com rádio e foi um dos únicos donos a entrar na água. Finalmente a Zara aprendeu a nadar correctamente e depois não queria outra coisa. Assim que pôde, roubou um dos alteres do Loki e nunca mais o largou. Os cães adoraram a aula, as fotos disso dão mostra. A Isis nada mais rápido do que anda e parecia um castor na sua azáfama. O Loki não gosta que o Rui vá para a água, fica aflito e quando o apanha, adverte-o com uma dentada, como que a dizer: toma cuidado contigo, não te afastes! A sessão das fotografias coube à Rita e surpreendentemente a Isis não desapareceu. O Bruno está radiante, a sua mãe chegou no Domingo, acompanhada pela sua irmã mais nova. Agora é que é caso para dizer: “comida pronta e roupa lavada!”
Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: Ana/Loki, Bruno/Pepe, Carlos Esteves/Zara, Jorge/Audaz e Rui/Isis.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

::: Ele não tem escolha :::

No dia em que o Homem transformou o lobo em cão, o bicho ficou sem escolha, sentiu a sua sobrevivência condicionada e ficou para sempre algemado à dependência. Mas mesmo que permanecesse lobo, a sua condição não sofreria alteração, porque foi a cegueira dos seus instintos que o levou ao aprisionamento. Talvez resida nisto a maior diferença entre homens e cães: o direito à opção.
A adaptação do cão doméstico foi alcançada pelo contributo do sentimento gregário, o cão é um animal social. Tudo aconteceu por substituição: da alcateia para a matilha e dela para a liderança humana. O cão não nasceu para estar só, precisa do grupo e sobrevive por ele. Não raramente, o excessivo amatilhamento, pela constituição da parceria, obsta à instalação da liderança humana. Assim, a aquisição instantânea de vários cães pode revelar-se um desastre, fomentar uma hierarquia onde o dono não terá lugar, voz activa ou qualquer domínio. E já agora, a haver um segundo cão, ele só deverá chegar quando o primeiro já reconhecer a liderança do dono, constituindo-se como auxiliar, mediante exemplo, na educação do recém-chegado.
Face a irracionalidade canina, o Homem obrigou-se ao lugar de “macho alfa”, porque o cão não tem escolha e não saberá a diferença entre o certo e o errado, se o líder não o fizer saber. É mais fácil educar um cão do que um filho, porque ele será o que nós quisermos, muito embora seja facilmente ludibriado e não evolua para além daquilo que lhe foi ensinado. É aqui que a Escola e o adestramento se tornam importantes, pelo aumento da experiência que lhe poderá salvar a vida.
Sujeito ao grupo, dependente do dono, o cão tudo fará para lhe agradar, porque cães e homens nasceram para ser amados e não basta somente perdoar-lhes as transgressões. Se nos é possível comparar, um cão sem o grupo é um apátrida, um refugiado em terra inóspita ou um lobo solitário. Ao contrário do que se julga, os cães da população activa são os que mais sofrem, devido ao isolamento e à ausência de vínculos afectivos eficazes. Inversamente, os cães das crianças e dos idosos são substancialmente mais felizes, graças à cumplicidade e à comunhão de vida que a divisão do tempo oferece. Nisto se vê a vanglória da disciplina quando confrontada com a afectividade.
Amar um cão, implica na sua sobrevivência, na aposta da sua adaptação ao meio, no estabelecimento de metas e objectivos que visem o seu bem-estar, no estabelecimento de regras que garantam a perfeita coabitação e na recompensa efusiva que visa o agradecimento. Educar é amar!

Eduardo & Vega: um binómio remanescente


Esta semana um novo binómio chegou à pista: Eduardo & Vega. Pouco a pouco, como aconteceu no passado recente, o número de cachorros CPA negros está a aumentar nas nossas fileiras. A Vega é uma cachorra da criação do Roberto Mariano, filha do Greg e da Buba, tem 4 meses de idade, uma vontade imensa de trabalhar e uma biomecânica excepcional, segue o Eduardo para todo o lado e não larga o pelotão da frente. Para além dos parabéns ao dono, que são merecidos pela excelente instalação doméstica, cuidado e tempo dispensados, há que reconhecer o trabalho do seu criador, pelo imprinting efectuado e pelo superior acompanhamento do 1º ciclo infantil. Quando ao criador certo se junta o dono ideal, a felicidade de um cachorro está garantida, o binómio cedo acontece e o futuro apresenta-se risonho.
A Vega parece a reencarnação da Inca e da Bia, descende directamente do Schwartz e do Warrior, é bisneta do Klint e neta do Bero. O Eduardo, que é também proprietário do Micks, o cão que mais evoluiu no último mês, está a aprender o particular das variedades recessivas, nomeadamente as precoces, já que a cachorra, logo na 1ª lição, ultrapassou o perímetro exterior da pista táctica. Conduzir cães negros é um privilégio, mas não é aconselhável para condutores inexperientes, porque a sua curva de crescimento é mais curta e o tempo não pode ser desaproveitado. Este é um novo desafio para o Eduardo, estamos convictos que o levará de vencida. Neste momento a Acendura encontra-se deficitária em lobeiros, apenas 3 participam nos trabalhos escolares: o Pascoalito, o Kaiser e a Amora. Breve o Juvat, propriedade do Carlos Santos, aumentará o seu número.