segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

O POEMA “PEGADAS NA AREIA” E OS NOVOS ADESTRADORES

Nos círculos cristãos há um poema muito conhecido que exalta a protecção de Deus nas nossas vidas, remonta aos anos 30 do século passado, chama-se “Pegadas na Areia” e não resistimos em traduzi-lo para português de Portugal, porque queremos dividi-lo com os nossos leitores e serve-nos de mote ao assunto que iremos aqui tratar. Diz ele: “ Sonhei que estava a andar pela praia com o Senhor e que no céu passavam alguns momentos da minha vida. Em cada momento que passava, apercebi-me que eram deixados dois pares de pegadas na areia: um era meu e o outro de Deus. Quando a última cena da minha vida passou diante de nós, olhei para trás e para as pegadas na areia, e notei que inúmeras vezes ao longo da minha existência, havia apenas um par delas na areia. Notei também que isso aconteceu nos momentos mais angustiantes e difíceis da minha vida. Bastante aborrecido, perguntei então para Deus: Senhor não me prometeste que jamais me abandonarias caso te seguisse? Notei agora que nos momentos mais atribulados que vivi, somente vi na areia um par de pegadas. Não compreendo porque me deixaste só nas horas em que mais necessitava de ti! Deus respondeu-me: Meu querido filho, jamais te abandonei nas horas mais difíceis e de maior sofrimento da tua vida. Quando viste apenas um par de pegadas na areia eram as minhas, relativas aos momentos em que te carreguei nos braços”.
Não queremos reclamar para nós um estatuto divino ou constituir-nos em deidade, porque somos finitos, manifestamente imperfeitos, falta-nos estatura, não nos sobra loucura e estamos cá para servir e ajudar. No entanto, ao atentarmos para o poema atrás citado e para os actuais cães de alguns adestradores que formámos ou que fizeram parte das nossas fileiras, reparamos que a qualidade do seu ensino é incomparavelmente inferior ao dos cães que ajudámos a adestrar, quando os seus donos foram nossos alunos, decréscimo de qualidade que nos desagrada e cujas causas não nos podem ser imputadas, por serem da responsabilidade daqueles que ajudámos a erigir, discípulos que nos são gratos e com os quais instámos para que aprendessem, dominassem a técnica, fossem rigorosos e apegados aos procedimentos, sedentos de conhecimento erudito, ligados à ciência e ao mesmo tempo pragmáticos, dispensando-lhes todo o apoio, tempo e paciência – carregámo-los literalmente ao colo!
Diante do que acabámos de dizer uma questão se levanta: qual ou quais são as causas do seu desaproveitamento, uma vez que o objectivo de qualquer mestre é fazer com que os seus discípulos o superem e ultrapassem? Cada caso é um caso, mas na maioria deles faltou dedicação, estudo, aprimoramento e humildade, sobrando noutros a inevitável e histórica maledicência que os tornou sectários e condenados à estagnação, involução que os vitimou a eles e aos seus seguidores, uns por apego ao poder e os outros por ausência de opções ou de clarividência. Formar líderes nunca foi ou será uma tarefa fácil, porque lhes cabe compreender as dificuldades de quem os segue e ajudá-los a superá-las, encontrar a motivação certa para cada condutor e cão, ser inquebrantável de ânimo e galvanizar as suas classes, embolsar a sua própria revolta e estar sempre pronto a auxiliar, manter-se de pé quando todos já jogaram a toalha ao solo e nunca desistir face ao insucesso, insucesso que é por norma da sua responsabilidade e não de quem lhe obedece, por não se fazer compreender ou por exigir dos outros algo para além do seu alcance.
Adestrar é compreender para construir, é descortinar o que há para melhorar, aprimorar homens para que melhor entendam os cães, encontrar novas linguagens interespécies, estabelecer a profícua unidade binomial e servir para estender a felicidade a todos, esforço que alguns só conseguem quando obrigados e que normalmente desprezam, enredados pelo seu próprio ego e atribulados pelos seus achaques. Um mestre nunca se dá por satisfeito, aprende com os seus erros e não cessa de aprender, procura melhorar a cada dia que passa e não serve de tropeço a quem o procura. E quando assim não é, os donos viram-nos as costas e os cães são condenados ao subaproveitamento. Tudo isto ensinámos e enfatizámos mas parece que não nos deram ouvidos ou que necessitam de mais tempo para o seu amadurecimento.

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