O Cão
de Ursos da Carélia (em finlandês Karjalankarhukoira ) é um spitz usado
para caçar animais de grande porte (alces, ursos, glutões, etc.), tanto na
Finlândia quanto na vizinha Rússia, nas regiões fronteiriças da Carélia Lagoda,
Olonetas e Carélia Russa, proximidade geográfica que justifica para alguns a
mesma origem do Laika Russo. A criação objectiva da raça iniciou-se por volta
de 1936, muito embora os primeiros registos individuais só venham a acontecer 10
anos mais tarde (1946). Durante o conflito russo-finlandês, ocorrido entre 30
de Novembro de 1939 e 12 de Março de 1940, que ficou para a história como a “Guerra
de Inverno”, a raça quase desapareceu e em 1960 a sua criação
encontrava-se seriamente comprometida. Apesar das contrariedades, os seus
criadores conseguiram recuperá-la outra vez e perpetuá-la até aos dias de hoje,
mantendo-lhe as características originais e seguindo o mesmo propósito de
sempre: o de produzir um caçador de grandes animais.
O Cão de Ursos da Carélia, que é um ilustre desconhecido em Portugal, é
extremamente atento, ágil, resistente e forte, tem um temperamento
independente, manifesta altíssima agressividade, é territorial, muito autoconfiante,
reservado, equilibrado e inteligente, é corajoso, rústico e persistente,
estabelece fortes vínculos com o dono, sendo-lhe fiel e leal, evidencia um
forte impulso à luta e um extraordinário instinto de caça, para além de ser um
bom guardião, características que o obrigarão à sociabilização e a um
adestramento firme, porque é pouco sociável com outros cães e tende à
desobediência, ainda que extremamente amistoso com as crianças. Temendo a
precariedade da liderança face à sua persistência e autonomia, muito
desaconselham-lhe o treino de ataque. Ao mesmo tempo e pelas mesmas razões,
existe consenso quanto à sua condução atrelada nos espaços públicos. Diga-se em
abono da verdade que estamos na presença de um lobo com a confiança dum cão e
não perante um cão com as tibiezas dum lobo.
Quanto à morfologia e ao aspecto geral, o Cão de Ursos
da Carélia é um canídeo de porte médio, de conformação robusta e sólida,
ligeiramente rectangular, de olhos expressivos e pequenos, orelhas erectas e
pelagem densa. A sua cabeça vista de frente apresenta-se triangular, o crânio é
largo, visível de frente, e de perfil ligeiramente convexo, sendo mais largo
entre as orelhas. O sulco sagital é visível e as arcadas superciliares são
ligeiramente desenvolvidas. O stop é pouco pronunciado, longo de preferência e
arqueado para o crânio. O focinho é profundo e adelgaça-se subtilmente em
direcção ao nariz. A cana nasal é recta e o nariz é grande e de cor preta. Os
lábios esperam-se finos e bem ajustados e os arcos zigomáticos são fortes. A
sua dentição é completa e os dentes apresentam-se simétricos e bem
desenvolvidos. A sua mordedura é em forma de tesoura. Os seus olhos são
pequenos e ligeiramente ovais, de expressão curiosa e ardente. As suas orelhas
são erectas, de alta implantação, de tamanho médio e arredondadas nas pontas. O
seu pescoço é de comprimento médio, arqueado, bem musculado e revestido de
farta pelagem, não apresentando barbelas. Apresenta a cernelha claramente definida
(nas fêmeas essa definição é menor), dorso paralelo ao solo e musculado, lombo
curto e também musculado, o peito é largo mas não em demasia e nivelado pela
linha dos cotovelos, o antepeito é bem visível e não muito largo. Possui
costelas arqueadas e o ventre ligeiramente esgalgado, a garupa é ligeiramente
inclinada, larga e forte. A cauda é de inserção alta, de comprimento médio,
curvada sobre o dorso e a sua ponta toca-o em qualquer dos seus lados.
Os seus membros anteriores são de ossatura forte, rectos e paralelos
quando vistos de frente. O braço e o ombro apresentam o mesmo comprimento e o
antebraço é ligeiramente mais longo. Os ombros são relativamente oblíquos e
musculados, o mesmo sucedendo com os braços, não manifestando qualquer
descodilhamento quando imóvel ou em marcha. Os seus metacarpos são de comprimento
médio e ligeiramente oblíquos, as suas patas são compactas, bem arqueadas,
arredondadas (pé de gato) e correctamente direccionadas para a frente. As
almofadas são elásticas e revestidas lateralmente por densa pelagem. Os seus
membros posteriores são igualmente fortes e musculados, rectos e paralelos
quando vistos por trás. A linha anterior dos posteriores é uniformemente
arqueada. As coxas são largas, longas e fortemente musculadas. Os joelhos são
de angulação média e virados para a frente. As pernas são longas e musculados,
os metatarsos são curtos, fortes e verticais, os jarretes são baixos e
visivelmente angulados. As patas traseiras são ligeiramente maiores e menos
arqueadas que as dianteiras, ainda que igualmente elásticas e revestidas
lateralmente por densa pelagem. O movimento do Cão de Ursos da Carélia é leve e
cobre bastante terreno sem esforço, transita facilmente do trote para o galope
e adopta este andamento natural como prática preferencial, o que o torna
próprio para rondar propriedades maiores ou mistas, estas últimas constituídas
por jardins, pomares, vinhas ou bosques.
A pele do Cão de Ursos da Carélia não apresenta rugas, dobras ou pregas,
sendo naturalmente ajustada à carne. A sua pelagem é dupla e o seu subpêlo é
denso e macio, contrariamente ao pelo que é áspero, duro e recto, mais longo no
pescoço, no dorso e na face posterior das coxas (calções). A cor da sua pelagem
é maioritariamente negra, por vezes atenuada com nuances castanhas e quase
todos os exemplares apresentam manchas brancas claramente definidas na cabeça,
no pescoço, no peito, na barriga e nos membros. O estalão da raça adianta 57cm de altura para os
machos e 52cm para as fêmeas, aceitando como tolerância +/-
3cm em ambos os casos. O peso indicado para os machos oscila entre os 25 e os
28kg e para as fêmeas dos 17
aos 20kg. Como o comprimento do Cão de Ursos da Carélia é apenas ligeiramente
superior à sua altura e a profundidade do seu peito é cerca de metade dela, ele
pode rodopiar, lateralizar, desviar-se ou inverter o sentido de marcha para se
desviar dos ataques ou contra-ataques dos animais a quem dá caça. Por outro
lado, graças às suas proporções craniofaciais (60/40) e ao facto da medida do
seu crânio ser aproximadamente a mesma que a mensurável na sua largura e
profundidade, os seus golpes são mais certeiros, duros e eficazes.
Quando o sangue nos
corria na guelra e aceitávamos qualquer desafio, pensámos inúmeras vezes em
adquirir um Cão de Ursos da Carélia, porque há muito conhecíamos o seu valor e
fama, certos de que trocaríamos os seus alvos e reconverteríamos o cão,
tornando-o num guardião clássico com excelentes credenciais, animados pela
experiência e êxito que tivemos na reeducação. Por força das circunstâncias da
vida, nem todas debaixo do nosso controlo ou decorrentes do nosso querer e
responsabilidade, tal nunca veio a suceder, o que infelizmente lamentamos. Hoje
já nos pesam os ossos para vestir a pele de urso. Caberá aos mais novos fazê-lo
e comprovar que estávamos certos. Nunca nos iludimos com as pretensas
qualidades dos híbridos do lobo, até porque em 1987, apesar de já o sabermos pela análise do Lobo Checo, do Lobo Italiano e
doutros, fizemos várias ninhadas deles e de imediato comprovámos as suas menos
valias.
O Cão
de Ursos da Carélia é a melhor das opções para quem é disponível e
excursionista, gosta de cães duros, rústicos, valentes, atentos e inesgotáveis,
para quem nasceu líder, tem experiência, não desarma, é equilibrado e necessita
dele, porque é um caçador persistente e um guardião como poucos, apesar da sua
leveza e carácter aparentemente tímido. Contudo, ele é um companheiro que exige
escovagem diária, aturada sociabilização entre iguais, trabalho sistemático e
terreno para bater, tornando-se apático ou stressado quando excessivamente
confinado ou inactivo.
Jamais
será um cão para brincadeiras, farsas ou para “ver se dá”, porque os seus
ataques são potentes, por norma superiores e inesperados, quer se lance do solo
ou se empine para enfrentar, hábito que depressa adquire quando contrariado,
acossado ou debaixo de alguma vantagem. É evidente que dentro da raça, à
imitação do que se passa nas outras, existem cães de todos os perfis
psicológicos e que todos eles podem ser transformados por força do treino,
quadro experimental e demais peso ambiental.
Com
denunciada alegria e emoção, mas não descuidando a análise fria e objectiva,
apresentámos aos nossos leitores este finlandês pouco conhecido, um verdadeiro
Apolo canino, nascido nas longínquas terras do Norte, entre russos e
finlandeses, cujo nome original nem conseguimos soletrar, um valente que nos
fez e faz sonhar.
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