domingo, 26 de outubro de 2014

BLACK RUSSIAN TERRIER: MADE IN USSR

O Terrier Russo Negro ou Terrier Negro da Rússia, como o próprio nome indica, é originário da Rússia e produto original do Exército Vermelho da extinta União Soviética, sendo também conhecido no Ocidente como “o Cão de Stalin”, numa alusão ao ditador que governou aquelas repúblicas comunistas desde 1922 até 1953. Desenvolvido em segredo na década de 40 do século passado, a sua criação viria a sofrer maior incremento a partir de 1953. Seleccionado para vir a ser um cão de guerra ou um super-soldado canino, surgiu como resposta aos excelentes cães alemães. Para a sua formação foram usadas quase 30 raças caninas, na procura de um cão grande, poderoso, agressivo, extraordinariamente resistente e atleta, mas ao mesmo tempo equilibrado de carácter, bem ataviado de máquina sensorial e obediente. As raças que mais contribuíram para a sua formação foram: o Schnauzer Gigante, o Rottweiler, o Terrier Airedale, o Pastor do Cáucaso, o Cão de Água de Moscovo e o Terranova. Aparentemente a raça alcançou os objectivos propostos e hoje, praticamente sem objectivos bélicos, tem-se revelado portadora de excelentes cães de companhia. O Terrier Russo Negro veio a ser reconhecido pela FCI no princípio da década de 80.
Do ponto de vista físico este Terrier impressiona pelo porte, ossatura, pela força e musculatura, porque é extremamente ágil para o seu peso, próprio para todo o terreno e capaz de trabalhar e sobreviver em ecossistemas muito frios. As suas patas, em formato de pé-de-gato, grossas e almofadadas, permitem-lhe ultrapassar qualquer piso e manter-lhe a temperatura corporal, salvaguardando assim o bom funcionamento dos seus órgãos internos. Os seus olhos e orelhas encontram-se protegidos pelo pêlo, protecção que lhes garante a operacionalidade nos climas mais gélidos. Evolui naturalmente em trote curto ou galope e é mais ágil do que rápido, apesar de quase inaudível nas abordagens. Apresenta costelas redondas, o que o dota de maior resistência aos embates e lhe aumenta a envergadura. Os machos oscilam entre os 35 e os 70kg de peso e a sua altura pode ultrapassar os 70cm, o que por norma acontece.
Quando avaliado do ponto de vista cognitivo, a sua capacidade de aprendizagem é média, o que justifica o seu treino logo após os 4 meses de idade, considerando o aumento da sua apreensão cognitiva e a necessidade objectiva de controlo. É um cão normalmente frio e por conseguinte pouco mimado, mas com um altíssimo sentimento territorial que se manifesta na protecção de pessoas e bens, conservando invariavelmente uma atitude defensiva. É naturalmente desconfiado perante estranhos, raramente ladra e entra em depressão quando condenado ao sedentarismo, porque foi criado para caçar e proteger, o que obrigará os seus donos a manter-lhe o exercício diário, para que o seu sistema cardiovascular se conserve forte e desenvolvido.
Este Terrier necessita em média de 2 horas de trabalho diário, que tanto pode ser desenvolvido em pista como em passeio. Havendo essa preocupação com o exercício físico, porque é resistente a doenças e não as contrai facilmente, o seu sistema imunológico resistirá muito bem à variedade de vírus que eventualmente o atacarão. Por tudo isto, pela genética e propensão, o Terrier Russo Preto exige donos disponíveis e agradados do exercício físico.
No adestramento presta-se às mais variadas disciplinas (obediência, pistagem, guarda, atrelagem, endurance, detecção, salvamento e resgate), mas não dispensa, como já atrás dissemos, o treino nos ciclos infantis e uma liderança objectiva e segura, porque tende a ser autónomo e por vezes desafiador quando desleixado, graças a ser vivaz, energético, confiante, estável, corajoso e resistente, qualidades que bem aproveitadas farão dele um excelente cão policial e militar, próprio para a manutenção da ordem pública e como cão de assalto.
Enquanto cão de cor negra, também ele precoce, necessita de uma experiência variada e rica para contrariar o particular da sua curva de crescimento. Estamos na presença de um companheiro próprio para nos acompanhar por vales, serras e montanhas, um nadador exímio que procura também rios e lagos, conservando-se dentro de água como fora dela, graças à sua fisionomia, particular do manto e também ao adiantamento das suas membranas interdigitais. O exército russo voltou a criá-lo e a raça, apesar de pouco numerosa, recomenda-se. Quem procura um guardião valente e controlável, pode confiar no Terrier Negro Russo, porque para isso nasceu e é ainda extraordinariamente multifacetado.

ASSIMILAR O “JUNTO” PARA VENCER A FIXAÇÃO

Sempre ouvi dizer que se perdoa o mal que faz pelo bem que sabe, aforismo que explica duma forma simplista os maus hábitos, a dependência, as paixões e os vícios que nos comprometem, alguns deles responsáveis pelo encurtamento dos nossos dias e pelo mal que causamos aos outros, na ânsia da felicidade que não olha a meios e que se pode reduzir a breves momentos. Sem grande dificuldade, poderemos enquadrar neste grupo de indivíduos os “tontinhos dos cães”, gente que deles abusa para a sua realização pessoal, que apaixonada por uma modalidade ou outra, acaba por desconsiderar o que é devido aos animais, dominada por uma cegueira que não controla e embalada pelo especicismo que não vê, o que tem levado muitos aos desprezo pela preparação geral e ao abuso da específica, enraizando vícios nos cães e desaproveitando as suas mais-valias. Tal é caso que vamos aqui tratar, o de uma jovem border collie destinada ao agility, nascida submissa e tornada beligerante, que raramente olha para o dono, persegue os outros cães quando se encontra solta e que não se cala quando atrelada, separada ou imobilizada, comprometendo a sua prestação por lá chegar já estoirada.
Para uma melhor compreensão do problema e das suas causas, adiantaremos seguidamente uma breve resenha do seu histórico pessoal e processo pedagógico. Adquirida a tarde e más horas (depois dos 4 meses), carente de peso, robustez e apresentação, bem cedo mostrou um conjunto de medos de difícil solução, reforçados pela transição do campo para a cidade. Máquinas em movimento, bicicletas, skates e pessoas a correr provocavam-lhe um pânico incontido, obrigando-a a refugiar-se atrás do dono ou a pôr-se em fuga quando solta. Esporadicamente atrelada, de modo desregrado e entregue aos seus receios, sempre apresentou dificuldades no “junto” (que ainda mantém), porque evoluía desconfiada, com a cabeça em cata-vento e desinteressada pelos brinquedos, evitando o contacto visual com o dono e atrasando-se ou adiantando-se de acordo com o particular das circunstâncias. Sobre o dono importa dizer que é novato nestas andanças e que a cadela é o seu primeiro cão, sendo um indivíduo introvertido e pouco expressivo, mais dado ao sonho do que à confiança no trabalho, um típico adepto do “laissez faire” e por conseguinte pouco ambicioso, que despreza o princípio pedagógico da sobrecarga e abomina o trabalho sistemático. Cansado dos arrufos da cadela, que julga resultantes das suas características pastoris, o que faz sentido mas não encobre outras razões, pensa agora enjaulá-la durante as aulas, para que ela não se estoire e os outros possam evoluir em paz.
E porque o homem dividiu as suas preocupações connosco e não é caso único, vamos adiantar aqui as soluções que julgamos válidas para os seus problemas, já que eles excedem a responsabilidade exclusiva da cadela e só serão vencidos pelo empenho do dono. A primeira solução que adiantamos é a prática diária do “junto” atrelado e reforçado pela recompensa, durante 1 hora, num local conhecido da cadela e menos propenso a distracções, numa cadência de marcha de 5km/h, para cimentar a confiança no dono, evitar a fixação exagerada que induz a perseguições desnecessárias e operar a melhoria dos seus ritmos vitais, dotando-a assim de maior resistência, porque importa alcançar a fixação exclusiva na pessoa do dono, levar de vencida os seus medos, contrariar mecanicamente as suas tendências e prepará-la para o desgaste produzido pelas provas ou percursos, já que a marcha é o melhor suporte para o galope e o andamento que melhor se presta ao controle dos donos, contrariamente ao passo que leva ao relaxe e ao galope desenfreado que tende a ensurdecer os cães.
Enquanto durar este redireccionamento, tanto a frequência quanto a intensidade dos percursos a galope deverão ser diminuídas, nunca ultrapassando as duas sessões semanais, cada uma com uma duração máxima de 15 minutos, para não se deitar por terra o que porventura se alcançou. Visando a recuperação plena dos animais e a sua motivação, entre o trabalho da marcha e a sua prestação nos obstáculos, deverá ser guardado um intervalo mínimo de 8 horas. Como complemento ao que atrás se disse e a título de esclarecimento, também os galgos destinados à corrida à pele ou à lebre natural necessitam, como preparação, de percursos diários de marcha. E quando tal não acontece, a maioria deles lesiona-se e não aguenta o calendário regular das provas, independentemente da sua procedência ou gabarito, particularmente os mais empenhados, que poderão ficar incapacitados definitivamente. Voltemo-nos para o caso da Border. Depois de alcançados os objectivos no 1º percurso indicado, é altura de procurar outro num ecossistema diverso e mais propício a distracções, agora numa toada de marcha de 7,8Km/h, transitando desse para outros até ao alcance total das soluções, prémio geralmente ganho antes dos 21 dias de trabalho.
Em simultâneo e respeitando-se o intervalo de recuperação já mencionado, a cadela deverá ser convidada para distintas manobras de sociabilização inter pares, para a instalação dos diferentes subsídios de imobilização e ser objecto de travamento específico nas situações onde por norma desobedece, já que as suas arremetidas são instintivas e despoletadas pelo medo, sendo também convidada para ser conduzida por terceiros (depois de mais confiante em si própria), no intuito de estabelecer a supremacia dos comandos perante a exagerada territorialidade, já que se torna mais agressiva junto aos donos. As manobras de sociabilização animal deverão ser desenvolvidas primeiro em marcha e depois a galope, iniciadas à trela e depois desenvolvidas em liberdade. A manobra mais conclusiva acerca do grau de obediência e sociabilização alcançados acontece na “corrida de estafetas”, quando se divide a escola em duas equipas e cada binómio é obrigado a entregar “o testemunho” ao binómio na sua frente, o que a acontecer sem qualquer tipo de treino, facilmente se tornará numa balbúrdia ou numa batalha campal.
Os subsídios de imobilização formados pelos comandos de alto, senta, deita e quieto, deverão primeiro ser tirados isoladamente e depois entre os restantes cães escolares, com estes primeiro imóveis e depois embalados nos diversos andamentos naturais, permanecendo a cadela imóvel e debaixo de ordem em qualquer dos casos, inicialmente com o dono ao lado e depois perante o seu desaparecimento. A ênfase maior deverá ocorrer sobre o “quieto à distância”, que deverá atingir os 100m num período até aos 20 minutos. Todas as situações passíveis de accionar o instinto de presa na cadela, deverão ser testadas e se necessário contrariadas, usando-se para o efeito uma trela extensível ou uma guia de 6m, travamento que evoluirá da frente para a retaguarda do animal. O grosso deste trabalho intensivo surte os seus efeitos ao cabo de 30 dias, muito embora não dispense, na maioria dos casos, o seu reavivamento, particularmente na presença de donos pouco disponíveis e cães super activos.
Como se depreende, os procedimentos não se esgotam aqui, e se não os manifestamos todos, é porque não queremos tornar-nos enfadonhos. Contudo, os que manifestámos bastam para a solução dos problemas apresentados, intimamente ligados ao perfil psicológico da cadela, à inexperiência do dono e ao consequente desprezo pela idade da cópia do animal, porque quando ela necessitou de apoio, direcção, esclarecimento e regra, o seu líder não sabia o que fazer e optou por soltá-la pelos espaços, na esperança que os problemas fossem transitórios e que o tempo tudo resolvesse. Ainda há tempo para a cadela, há que abraçar o trabalho!

ESTOU CONVENCIDO QUE ELES ATRAVESSARÃO COMIGO

Eu nunca temi a morte e nunca a entendi como um castigo, talvez porque bem cedo me acostumei à morte de outros bem próximos e porque sempre acreditei que há vida para além dela, mesmo antes que alguém mo inculcasse ou pudesse entender significados abstractos como “metafísica”, “ressurreição”, “vida eterna” e por aí adiante, o que me parece Obra alheia e jamais predestinação. Quando era jovem não pensava nela, apesar de sempre me acompanhar, porque fui saudável e os seus indícios eram pouco perceptíveis. Sem doenças de fabrico para me atormentar e liberto da maioria dos maus hábitos que comprometem a saúde, vejo-me agora atormentado pelos achaques do desgaste, presságios da proximidade da morte com os quais não me preocupo. Certo dia, depois de um grave acidente que me deixou acamado e extremamente debilitado, com problemas de tensão, equilíbrio, visão e audição, quando parecia adormecer, começo a sentir-me arrebatado sem saber para onde e a ver toda a minha vida em flashes, daquele momento até à minha infância, memórias que havia esquecido e que se tornaram familiares, de pessoas e episódios que já não recordava, com pouca relevância até então, disparados ao longo dum túnel branco e acolhedor por onde me deslocava rapidamente. Surpreso e sentindo-me a atravessar da morte para a vida, gritei desesperado por socorro e aqui estou a contar-vos o sucedido, trinta anos volvidos. Resta dizer que naquele tempo, ainda não me havia dedicado inteiramente aos cães.
Hoje, mercê do sucesso publicitário que foi “o encantador de cães” e conhecida que é a predilecção dos portugueses pelos animais de companhia, também porque importa não perder o “comboio”, não há pé-rapado ou erudito desprezado que não fale ou escreva sobre de cães, uma amálgama de gente bastante diversificada que junta gananciosos de todo o tipo e oportunistas de eleição, desde políticos esquecidos a indivíduos carenciados de ascensão, apesar da maioria deles ser alheia aos cães e à canicultura. Alguns mais astutos e conhecedores do carácter metafísico das nossas gentes, juntam o útil ao agradável e vão mais longe, alvitrando a eternidade e um paraíso celestial para os lobos familiares, que esperando os seus donos às portas do Céu, ali viveriam com eles felizes, lado a lado e para sempre. Perante tamanha imaginação, ao lado de S. Pedro com as chaves, provavelmente acompanhado por um pastor alemão, já estamos a ver S. João Baptista com um border collie por perto, não vá o cordeiro fugir! E no inferno o panorama não seria muito diferente, aparecendo Satanás ladeado por um valente cane corso à sua direita e um decidido presa canário à sua esquerda, como auxiliares da sua falta de pontaria com a forquilha! Estranhamente, patranhas destas não faltam e todas elas se vendem. Estará o animismo celta de volta ou será que nunca nos libertámos dele?
Sem a imaginação dessa gente e do seu carácter visionário, provenientes da tramóia que busca o lucro ou dalguma patologia, considerando a experiência que manifestei no primeiro parágrafo, cada vez mais me convenço que os meus cães me acompanharão na rápida passagem da vida para a morte, que estarão presentes nos flashes da minha despedida, porque os amei, levo muitos anos ao lado deles e sempre fizeram parte da minha vida, muito embora não tenha a certeza, porque não fui e não serei eu, pelo menos de modo consciente, a escolher tais imagens e a sua sequência. De qualquer maneira a ideia agrada-me e ao falar disto lembro-me do barco de Anúbis, o Deus-Chacal do Antigo Egipto, a quem cabia a tarefa de transportar os mortos para a eternidade, apesar de não ser um egiptólogo e de não me embeiçar por esses deuses, deidades que alguns afirmam agora terem ou serem de origem alienígena. Se os cães vieram a este mundo para suavizar a nossa caminhada, então não iremos precisar mais deles na bem-aventurada eternidade, porque já cumpriram o seu papel. Mais importante que atribuir-lhes um céu, é recompensá-los aqui pelo muito que nos têm dado, porque desconhecem a Redenção e agradecem que os tratem bem, livrando assim muitos do inferno em que vivem. Não obstante, chegada a hora, que bom seria rever todos os meus cães pela última vez, os meus, aqueles que treinei e os que ajudei a capacitar, até porque atendendo ao seu número – a morte tardaria em chegar! Desejos.

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking semanal dos textos mais lidos ficou assim escalonado:
1º _ EU QUERIA UM PASTOR ALEMÃO, DE PREFERÊNCIA TODO PRETO, editado em 05/06/2010
2º _ A LIÇÃO DO DR. RADAR, editado em 18/10/2014
3º _ PASTOR ALEMÃO X NALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado 15/06/2011
4º _ CPA: O BENEFICIAMENTO DO NEGRO COM O LOBEIRO, editado em 06/12/2013
5º _ O CPA AZUL: DIE GESPENST HUND (O CÃO FANTASMA), editado em 23/07/2010

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O Top 10 semanal de leitores por país ficou assim ordenado:
1º Portugal, 2º Brasil, 3º Estados Unidos, 4º Alemanha, 5º Reino Unido, 6º Espanha, 7º França, 8º Roménia, 9º China e 10º Indonésia.

domingo, 19 de outubro de 2014

SHERLOCK: A NOVA INVENÇÃO DA KLM

A  KLM, Koninklijke Luchtvaart Maatschappij (Companhia Real de Aviação), é uma transportadora aérea holandesa que prima por ser inovadora e andar na ribalta. Para promover a forma activa da sua equipa de “perdidos e achados” (lost and found) na devolução aos seus passageiros dos pertences por eles esquecidos nos aviões, lançou um vídeo promocional com um colaborador canino fictício: o “Sherlock”, um Beagle simpático que consegue encontrar os objectos desleixados e entregá-los os seus legítimos proprietários, correndo pelos corredores dos aeroportos até efectuar a sua entrega. O vídeo fez furor e dum momento para o outro teve um número exorbitante de visitas, o que obrigou aquela companhia aérea a um desmentido, muito embora tenha alcançado o seu objectivo - o de promover aquele serviço.
Apesar de nos terem vendido a notícia como verdadeira e antes do referido desmentido, logo desconfiámos das credenciais daquele funcionário canino, tendencialmente mais dado à procura de rastos do que à detecção de círculos odoríferos, conhecida que é a sua principal atribuição: a caça à raposa. No vídeo ele detecta de tudo um pouco (brinquedos, pequenas bolsas, telemóveis, etc.) e ainda descobre os donos no meio de uma multidão, o que a ser verdade, o tornaria num cão do outro mundo, considerando os diferentes componentes dos acessórios esquecidos e a felicidade de encontrar os seus donos. Ainda que tal tarefa possa ser possível, só um super-cão a poderia realizar ou um Beagle nunca visto e mesmo assim, o seu sucesso não seria absoluto.
Recentemente, por via de um megafone ou duma fanhosa aparelhagem sonora, ouvimos algo pretensamente inovador, um método descoberto por um polícia norte-americano, agora adoptado por uma escola canina portuguesa, que abandonando a prática dos engodos, detecta pessoas a partir dos seus pertences. Quem alguma vez treinou pistagem connosco sabe que sempre assim trabalhámos e que antes de nós, há várias décadas atrás, tal era prática era corrente entre os cães policiais, sendo esse o modus operandi do famoso Dox, o melhor cão policial de todos os tempos. E para quem gosta de cinema e é fã da cinemateca nacional, pode comprovar isso no filme “A Menina da Rádio”, de 1944, quando o cão “Piloto” vai procurar a “Geninha” (a actriz Maria Eugénia). Sempre ouvimos dizer que esquece muito a quem não sabe, o que neste caso se pode aplicar com propriedade. Retornando ao Sherlock da KLM, uma obra de ficção notável, digna dos mesmos elogios do outro Sherlock que também era Holmes, o vídeo lança para todos nós um desafio, que para ser ganho, terá que contar com adestradores e cães excepcionais, binómios de difícil e esporádica aparição.

A LIÇÃO DO DR. RADAR

Recambiado para Sheffield, onde se adapta sem atropelos, o Radar foi parar à Universidade local, a dona aproveitou a ocasião para a foto e o momento resultou numa grande lição graças ao lema daquele estabelecimento de ensino: “Rerum Cognoscere Causas”, que traduzido para português corrente significa “conhecer as causas das coisas”. No livrinho que faz parte do emblema daquela faculdade, pode ler-se ainda “ Disce Doce”, que longe de ser uma alusão a uma iguaria local, somente quer dizer “aprender a ensinar”, realçando o papel da universidade enquanto ferramenta para os seus alunos. Ao atentarmos para estes pormenores da foto, e porque o Radar também lá está, inevitavelmente lembrámo-nos da nossa cinotecnia, onde os mestres, desconhecendo as causas das coisas e não aprendendo a ensinar correctamente, sendo a maioria deles autodidactas, acabam secundados por alunos que não aprendem ou não têm como fazê-lo, que enveredando pelo plágio, transformam o adestramento numa actividade circense, carregado de verdades subjectivas, farto em “buchas” (truques), alicerçado na sugestão, votado ao insucesso ou isento de progressão.
Mais do que na habilidade individual ou na intuição de cada um, que têm o seu peso, o adestramento surte efeito pelas ciências que o sustentam e que lhe adiantam os procedimentos correctos na já gasta relação causa-efeito. Do mesmo modo, ele jamais se completará quanto isoladamente teórico ou prático, porque não é dogmático e depende do conhecimento que temos de nós mesmos e dos cães, na multivariedade que constitui a imensidade dos binómios, o que nos remeterá primeiro para a filosofia e para a antrozoologia (também para a antropologia, para a sociologia e para a biologia), e depois para o universo da psicologia e da etologia, considerando a liderança humana, o melhor entendimento interespécies, a consequente relação binomial e o trabalho acessório ou comum. Para um superior aproveitamento da prestação canina, há que considerar ainda os benefícios do conhecimento biomecânico, da zoognóstica, da fisiognomia e da morfopsicologia para uma melhor leitura do potencial individual, das expressões mímicas e dos rituais ainda presentes nos cães actuais.
Como se depreende, não basta saber algo sobre o comportamento animal, se desconhecemos quem somos, os entraves que causamos e não conseguimos “ler” as reacções caninas, porque as respostas dos cães são sempre reflexo daquilo que lhes é apresentado, independentemente das nossas melhores intenções, pelo que importa saber para fazer bem, já que o adestramento é uma actividade maioritariamente prática que se desenvolve pela comunicação e que melhora com a experiência e a observação. A transcendência operativa no adestramento, a acontecer, levará à transformação das respostas naturais em artificiais, alterações que resultarão da empatia, cumplicidade e comunhão de vida, da fusão de sentimentos entre homens e cães. Há que aprender para ensinar e a dar para receber! 

A DHARMA E A CURVATURA NATURAL DE SALTO

 Consciente da importância do exercício físico para o crescimento cognitivo, o dono da Dharma sempre procura a novidade de desafios, convidando-a para tarefas mais aeróbias do que anaeróbias, uma vez que ela é uma cachorra, ainda não teve o primeiro cio e importa proteger as suas articulações e esqueleto. E porque a experiência feliz é deveras importante para o progresso no adestramento, ele apenas convida a cadela para os exercícios ao seu alcance ou para aqueles onde ela se satisfaz. Vemo-los na foto acima a executar um “castelo” de aproximadamente 50cm de lado e 65cm de altura, pertencente a uma pista equestre que não nos é desconhecida. Há cães que parecem ter nascido ensinados e esse é o caso da Dharma, porque em liberdade e com um churro na boca, faz a chamada para o salto no sítio certo e mantém a cabeça na linha de transposição, apesar de o seu dono se encontrar amarrecado, efectuando um salto a 45º e com igual ângulo de saída, o que lhe garantiu um salto seguro e uma cómoda recepção ao solo. É curioso reparar na distância do dono em relação ao obstáculo, demasiado perto dele e dentro da área de saída do cadela, o que a obrigará a diminuir a extensão do salto ou a mordiscá-lo para que dali saia. Por outro lado, com a Dharma já em projecção, deveria ter corrido de imediato para a frente, para que a cadela distribuísse, o mais rápido possível, o seu peso corporal sobre a totalidade dos seus membros.
Nesta segunda foto, o dono corrigiu a sua postura e posição (parece que nos estava a ouvir) e ao fazê-lo serviu de estímulo à cadela. A força de garupa do animal é impressionante, a massa muscular das suas coxas sobressai e percebe-se claramente que o seu lado direito é o mais forte, já que optou por galopar para esse lado. Há que dar os parabéns ao Matos porque tem sabido aproveitar a carga genética e propensão atlética visíveis na sua companheira, uma pastora alemã vermelha que não hesita em mostrar os seus pergaminhos. Infelizmente nem todos os cães são assim e muitos irão necessitar de trabalho aturado à trela para aprenderem a marcar os saltos, porque ou saltam do “meio da rua” ou fazem a chamada atrasada, condições que os votam ao insucesso e põem em risco a sua integridade, aumentando-lhes assim a aversão e resistência aos obstáculos. A Dharma é das últimas descendentes da nossa linha de eleição dentro dos Pastores alemães: a Rhein-Möselring, linha que nos chegou pelo Canil da Ajuda – P, através de cães que a GNR não conservou e outrora foram muito procurados. Ao vermos esta cachorra a saltar, lembramo-nos doutra que esteve na sua origem: a Seixa da Ajuda, apesar das dez gerações que as separam. Temos cadela e o Matos melhor do que ninguém sabe disso.

A OLHAR PARA O BONECO SEM ADIVINHAR INTENÇÕES: KAPUTT!

Lembrámo-nos do termo alemão “Kaputt” por conta de um aluno teutónico que tivemos, o Sr. Egon Binger, que desejamos ainda vivo e com saúde, porque segundo se consta retornou à Alemanha e nada sabemos dele. Aparentemente austero mas muito divertido, tinha por hábito soltar o “kaputt” para os seus cães, quando eles falhavam determinado movimento ou figura e também quando lhe desobedeciam, sentença recorrente quando “o caldo ficava entornado”. O termo aplica-se sobre algo arruinado, destruído, estragado ou irremediavelmente perdido. Irremediavelmente perdidos estão também os cães que não se desacostumaram a correr atrás de bolas ou doutros brinquedos, que continuam a fixá-los e persistem em identificá-los como “targets”. E dizemos isto porquê?
Porque atrás de uma bola facilmente poderão ser ludibriados, enclausurados, roubados e até eliminados, para além de porem a sua integridade em risco quando, ávidos de uma bola ou brinquedo alheios, atravessam uma estrada para os apanharem. Bem sabemos que o método mais fácil para ensinar um cão é fazê-lo através de brinquedos, mas esse brincar deverá ter limites considerando a salvaguarda dos animais, já que o facilitismo dos donos não deverá implicar na eliminação dos cães.
A obtenção das respostas caninas não poderá resultar exclusivamente do benefício dos “targets” e deverá haver um momento em que deverão ser desleixados, porque são formas de suborno ao alcance de qualquer um, que impedem os cães de adivinhar as intenções de quem os cerca, gente nem sempre movida pelas melhores das intenções. O que dizemos para os brinquedos é também válido para aqueles cães que foram ensinados pelo empanturrar sistemático, porque facilmente concorrerão aos engodos e poderão vir a ser envenenados. E como existem outras formas de estimular e recompensar para além destas, meios ou métodos que também procuram o benefício da memória afectiva canina para o alcance da associativa, termos por norma usar os brinquedos com conta peso e medida ou quando não nos resta outra opção, substituindo-os imediatamente pela afeição aos donos, reforçada pelo trabalho comum e que é do agrado dos cães. Mais importante do que ter um campeão numa determinada modalidade desportiva que me dá gozo, é gozar da companhia do meu cão por mais tempo, alertando-o para os perigos que o cercam e ajudá-lo a adivinhar as intenções daqueles que o rodeiam. Doutro modo: Kaputt! 

E PORQUE ONTÉM FOI 13 DE OUTUBRO

Portugal é um milagre desde o dia em que nasceu e uma loucura enquanto houver mundo, um País ciclicamente caótico onde a esperança nunca acaba e donde vêm dias melhores, caracterizado por um navegar sem rumo e num aportar incerto, contra os ventos da razão e em feição de si próprio, um espaço desgovernado que sempre alcança um final feliz, uma Nação sem explicação ou a necessitar de muitas, repleta de gente improvável, esquecida e quase eterna, plebe que se renova para o passado à procura não se sabe de quê. Ser português é ser cidadão deste mundo e doutro, dum que se pensa que existiu ou doutro que se julga existir. E entre a crendice e a visão, soltam-se as loas, emerge o fado e mastiga-se a saudade.

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking semanal dos textos mais lidos deu o seguinte resultado:
1º _ RIR, APLAUDIR, CHORAR OU ASSOBIAR?, editado em 12/10/2014
2º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011
3º _ CPA: O BENEFICIAMENTO DO NEGRO COM O LOBEIRO, editado em 06/12/2013
4º _ O CÃO JOVEM (DOS 7 AOS 18 MESES): DA PUBERDADE À MAIORIDADE, editado em 26/10/2009
5º _ EU QUERIA UM PASTOR ALEMÃO, DE PREFERÊNCIA TODO PRETO, editado em 05/06/2010

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país ficou assim ordenado:
1º Portugal, 2º Brasil, 3º Alemanha, 4º Estados Unidos, 5º Angola, 6º China, 7º França, 8º Canadá, 9º Reino Unido e 10º Holanda.

domingo, 12 de outubro de 2014

O MONUMENTO QUE TARDA

No Norte do País, particularmente nos concelhos do interior mais pobres e remotos, deveria ser erigido um monumento ao porco (quiçá também à batata, às couves e ao feijão), porque tanto a economia quanto a sobrevivência das famílias assentou milenarmente sobre a sua criação e abate. Até há algumas décadas atrás, cada família rural criava anualmente dois porcos (bísaros): um para venda e outro destinado ao sustento da família. Depois de abatidos, limpos e arranjados, os animais eram conservados nas “salgadeiras”, locais muito cobiçados pela garotada, cuja barriga andava sempre às voltas, ávida de gordura e proteína animal. Aproveitava-se quase tudo do porco: carne, ossos, gordura, tripas e até os couratos, nada era desprezado e tudo servia para enriquecer as sopas, os guisados, as frituras e as feijoadas, para já não se falar na excelência dos enchidos. Apesar de há muito o merecer, o monumento que reclamamos não é para o porco, mas sim para homenagear o cão rafeiro, hoje tratado como de raça indefinida e eterno companheiro dos pobres, das suas lides e desventuras, um auxiliar multifacetado e pouco exigente, ainda que nalguns locais fosse indesejado, por ser mais uma boca para alimentar. Se o porco foi objecto de veneração pelos celtas, o cão bem depressa foi associado à fome à miséria, por força da nossa herança semito-cristã.
Ninguém duvida que o número dos cães de companhia é bastante superior ao dos cães pastores, desportivos e de utilidade e que a maioria deles não tem raça definida, verdade fácil de comprovar pelas licenças emitidas pelas autarquias, ainda que muitos deles, porque raramente saem de casa e não são vistos, não tenham qualquer registo camarário, o que impossibilita o cálculo exacto do seu número. A disparidade entre o número de rafeiros e o número de cães com pedigree já foi maior, não tanto por causa das campanhas de castração que se abateram sobre os primeiros, mas porque os cães ditos “puros” são hoje oferecidos ou quase oferecidos. Ainda que a razão económica muito tenha influenciado nesta escolha ao longo dos tempos, uma outra se levanta e de suma importância: rarissimamente um rafeiro morde o dono, alguém do seu agregado familiar, uma criança ou um estranho, característica que, ontem como hoje, muito tem contribuído para o seu bom-nome, aceitação, preferência e adopção.
Se o interior do País deve ao porco grande parte da sua sobrevivência, as populações urbanas e do litoral devem ao comum rafeiro muito do seu bem-estar psicossocial, enquanto companheiro sempre presente, submisso, amigo, pouco dispendioso e terapeuta. A travessia do campo para a cidade foi sem dúvida suavizada pela companhia dos cães, o equilíbrio de muitos jovens foi também tarefa sua e os mais idosos têm-se valido deles para combater a depressão, a demência e o isolamento, assim como aqueles que se encontram sós ou têm sido vítimas de algum tipo de ostracismo. Por tudo isto, e já não somando os cães de auxílio específico, bem que o cão de companhia deveria ter uma estátua em cada cidade e merecer mais respeito da população em geral. Infelizmente, com muito mais facilidade se erigirá um monumento a um político em vida, mesmo que se venha a descobrir que foi um crápula e um corrupto antes da sua morte. Não será no mínimo estranho maltratar quem tanto nos ama e render homenagem a quem nos maltrata? Pelo que temos visto e observado, os homens são por norma mais ingratos do que os cães, mais dados a conveniências e subornos do que aqueles que se prestam a todos os seus desejos. Agora já temos em Lisboa parques caninos, pode ser que algum monumento esteja para breve, porque merecido é ele e o auxílio canino tarda em ser reconhecido.

MORTE À MÚSICA E AOS MÚSICOS!

As duas fotos acima, enviadas por um leitor deste Blog, não obedeceram a qualquer montagem ou alteração e testemunham o desagrado dum pastor alemão pela música ou pelos músicos. O caricato da situação faz-nos lembrar Vasco Santana no papel do fadista Vasquinho da Anatomia, quando desesperado, gritava numa escadaria: “morte ao fado e aos fadistas!”. Mas que raio, será assim tão difícil acostumar os cães à música ou será que vão indigitados para tenores? Serão aqueles binómios tropa auto-comandada e não saberão ao que vão? De uma coisa podem ter a certeza: nem a tocar pífaro passaríamos por eles! Não que os temêssemos mas porque os seus tratadores não mostram unhas para tocar guitarra!

UM FINLANDÊS POUCO CONHECIDO: O CÃO DE URSOS DA CARÉLIA

O Cão de Ursos da Carélia (em finlandês Karjalankarhukoira) é um spitz usado para caçar animais de grande porte (alces, ursos, glutões, etc.), tanto na Finlândia quanto na vizinha Rússia, nas regiões fronteiriças da Carélia Lagoda, Olonetas e Carélia Russa, proximidade geográfica que justifica para alguns a mesma origem do Laika Russo. A criação objectiva da raça iniciou-se por volta de 1936, muito embora os primeiros registos individuais só venham a acontecer 10 anos mais tarde (1946). Durante o conflito russo-finlandês, ocorrido entre 30 de Novembro de 1939 e 12 de Março de 1940, que ficou para a história como a “Guerra de Inverno”, a raça quase desapareceu e em 1960 a sua criação encontrava-se seriamente comprometida. Apesar das contrariedades, os seus criadores conseguiram recuperá-la outra vez e perpetuá-la até aos dias de hoje, mantendo-lhe as características originais e seguindo o mesmo propósito de sempre: o de produzir um caçador de grandes animais.
O Cão de Ursos da Carélia, que é um ilustre desconhecido em Portugal, é extremamente atento, ágil, resistente e forte, tem um temperamento independente, manifesta altíssima agressividade, é territorial, muito autoconfiante, reservado, equilibrado e inteligente, é corajoso, rústico e persistente, estabelece fortes vínculos com o dono, sendo-lhe fiel e leal, evidencia um forte impulso à luta e um extraordinário instinto de caça, para além de ser um bom guardião, características que o obrigarão à sociabilização e a um adestramento firme, porque é pouco sociável com outros cães e tende à desobediência, ainda que extremamente amistoso com as crianças. Temendo a precariedade da liderança face à sua persistência e autonomia, muito desaconselham-lhe o treino de ataque. Ao mesmo tempo e pelas mesmas razões, existe consenso quanto à sua condução atrelada nos espaços públicos. Diga-se em abono da verdade que estamos na presença de um lobo com a confiança dum cão e não perante um cão com as tibiezas dum lobo.
Quanto à morfologia e ao aspecto geral, o Cão de Ursos da Carélia é um canídeo de porte médio, de conformação robusta e sólida, ligeiramente rectangular, de olhos expressivos e pequenos, orelhas erectas e pelagem densa. A sua cabeça vista de frente apresenta-se triangular, o crânio é largo, visível de frente, e de perfil ligeiramente convexo, sendo mais largo entre as orelhas. O sulco sagital é visível e as arcadas superciliares são ligeiramente desenvolvidas. O stop é pouco pronunciado, longo de preferência e arqueado para o crânio. O focinho é profundo e adelgaça-se subtilmente em direcção ao nariz. A cana nasal é recta e o nariz é grande e de cor preta. Os lábios esperam-se finos e bem ajustados e os arcos zigomáticos são fortes. A sua dentição é completa e os dentes apresentam-se simétricos e bem desenvolvidos. A sua mordedura é em forma de tesoura. Os seus olhos são pequenos e ligeiramente ovais, de expressão curiosa e ardente. As suas orelhas são erectas, de alta implantação, de tamanho médio e arredondadas nas pontas. O seu pescoço é de comprimento médio, arqueado, bem musculado e revestido de farta pelagem, não apresentando barbelas. Apresenta a cernelha claramente definida (nas fêmeas essa definição é menor), dorso paralelo ao solo e musculado, lombo curto e também musculado, o peito é largo mas não em demasia e nivelado pela linha dos cotovelos, o antepeito é bem visível e não muito largo. Possui costelas arqueadas e o ventre ligeiramente esgalgado, a garupa é ligeiramente inclinada, larga e forte. A cauda é de inserção alta, de comprimento médio, curvada sobre o dorso e a sua ponta toca-o em qualquer dos seus lados.
Os seus membros anteriores são de ossatura forte, rectos e paralelos quando vistos de frente. O braço e o ombro apresentam o mesmo comprimento e o antebraço é ligeiramente mais longo. Os ombros são relativamente oblíquos e musculados, o mesmo sucedendo com os braços, não manifestando qualquer descodilhamento quando imóvel ou em marcha. Os seus metacarpos são de comprimento médio e ligeiramente oblíquos, as suas patas são compactas, bem arqueadas, arredondadas (pé de gato) e correctamente direccionadas para a frente. As almofadas são elásticas e revestidas lateralmente por densa pelagem. Os seus membros posteriores são igualmente fortes e musculados, rectos e paralelos quando vistos por trás. A linha anterior dos posteriores é uniformemente arqueada. As coxas são largas, longas e fortemente musculadas. Os joelhos são de angulação média e virados para a frente. As pernas são longas e musculados, os metatarsos são curtos, fortes e verticais, os jarretes são baixos e visivelmente angulados. As patas traseiras são ligeiramente maiores e menos arqueadas que as dianteiras, ainda que igualmente elásticas e revestidas lateralmente por densa pelagem. O movimento do Cão de Ursos da Carélia é leve e cobre bastante terreno sem esforço, transita facilmente do trote para o galope e adopta este andamento natural como prática preferencial, o que o torna próprio para rondar propriedades maiores ou mistas, estas últimas constituídas por jardins, pomares, vinhas ou bosques.
A pele do Cão de Ursos da Carélia não apresenta rugas, dobras ou pregas, sendo naturalmente ajustada à carne. A sua pelagem é dupla e o seu subpêlo é denso e macio, contrariamente ao pelo que é áspero, duro e recto, mais longo no pescoço, no dorso e na face posterior das coxas (calções). A cor da sua pelagem é maioritariamente negra, por vezes atenuada com nuances castanhas e quase todos os exemplares apresentam manchas brancas claramente definidas na cabeça, no pescoço, no peito, na barriga e nos membros. O estalão da raça adianta 57cm de altura para os machos e 52cm para as fêmeas, aceitando como tolerância +/- 3cm em ambos os casos. O peso indicado para os machos oscila entre os 25 e os 28kg e para as fêmeas dos 17 aos 20kg. Como o comprimento do Cão de Ursos da Carélia é apenas ligeiramente superior à sua altura e a profundidade do seu peito é cerca de metade dela, ele pode rodopiar, lateralizar, desviar-se ou inverter o sentido de marcha para se desviar dos ataques ou contra-ataques dos animais a quem dá caça. Por outro lado, graças às suas proporções craniofaciais (60/40) e ao facto da medida do seu crânio ser aproximadamente a mesma que a mensurável na sua largura e profundidade, os seus golpes são mais certeiros, duros e eficazes.
Quando o sangue nos corria na guelra e aceitávamos qualquer desafio, pensámos inúmeras vezes em adquirir um Cão de Ursos da Carélia, porque há muito conhecíamos o seu valor e fama, certos de que trocaríamos os seus alvos e reconverteríamos o cão, tornando-o num guardião clássico com excelentes credenciais, animados pela experiência e êxito que tivemos na reeducação. Por força das circunstâncias da vida, nem todas debaixo do nosso controlo ou decorrentes do nosso querer e responsabilidade, tal nunca veio a suceder, o que infelizmente lamentamos. Hoje já nos pesam os ossos para vestir a pele de urso. Caberá aos mais novos fazê-lo e comprovar que estávamos certos. Nunca nos iludimos com as pretensas qualidades dos híbridos do lobo, até porque em 1987, apesar de já o sabermos pela análise do Lobo Checo, do Lobo Italiano e doutros, fizemos várias ninhadas deles e de imediato comprovámos as suas menos valias.
O Cão de Ursos da Carélia é a melhor das opções para quem é disponível e excursionista, gosta de cães duros, rústicos, valentes, atentos e inesgotáveis, para quem nasceu líder, tem experiência, não desarma, é equilibrado e necessita dele, porque é um caçador persistente e um guardião como poucos, apesar da sua leveza e carácter aparentemente tímido. Contudo, ele é um companheiro que exige escovagem diária, aturada sociabilização entre iguais, trabalho sistemático e terreno para bater, tornando-se apático ou stressado quando excessivamente confinado ou inactivo.
Jamais será um cão para brincadeiras, farsas ou para “ver se dá”, porque os seus ataques são potentes, por norma superiores e inesperados, quer se lance do solo ou se empine para enfrentar, hábito que depressa adquire quando contrariado, acossado ou debaixo de alguma vantagem. É evidente que dentro da raça, à imitação do que se passa nas outras, existem cães de todos os perfis psicológicos e que todos eles podem ser transformados por força do treino, quadro experimental e demais peso ambiental.
Com denunciada alegria e emoção, mas não descuidando a análise fria e objectiva, apresentámos aos nossos leitores este finlandês pouco conhecido, um verdadeiro Apolo canino, nascido nas longínquas terras do Norte, entre russos e finlandeses, cujo nome original nem conseguimos soletrar, um valente que nos fez e faz sonhar.

RIR, CHORAR, APLAUDIR OU ASSOBIAR?

Não fora o sol que se difunde nesta luz branca e única que nos alumia, eu juraria acordar certos dias num pesadelo, num país fictício de gentes fictícias, dominado pela vaidade e pelo faz de conta, onde nada pode ser levado a sério e tudo não passa de um mero entretém para crianças. Há muito que o trabalho perdeu o carácter sagrado de outrora e passou a ser entendido como um mal necessário, todos se baldam e querem levar vantagem, a corrupção engorda, os projectos colectivos são desprezados e a Nação pode esperar, enquanto uns tantos se desenrascam, até que chegue o último para apagar a luz e finalmente o País vá a pique! Assistimos casualmente a uma exibição de cães duma força policial, antes nunca lá tivesse-mos posto os pés! Não vamos aqui divulgar o nome dessa força, nem o local e hora onde se exibiu, por respeito aos tratadores que deram a cara e que são vítimas de manifesta falta de instrução, apesar de os rotularmos perante o logro (para nós mesmos e certos de que ninguém nos ouvia), de maçaricos, paisanos e manipansos, adjectivos para eles à medida, considerando a sua idade, pouco profissionalismo e desacerto, apesar de reconhecidamente “porreiros” e a lembrarem o “Quim Barreiros”, a vedeta aqui mais solicitada para festas e romarias.
A dita exibição não poderia ter corrido pior, não obedeceu a nenhuma ordem de trabalhos visível, tresandou a improviso e não acabou em alta, uma amálgama sem pés nem cabeça. A assistência, que até era razoável, mostrou-se a maior parte do tempo indiferente. E se houve aplausos e algum envolvimento da sua parte, tal aconteceu a rogo de quem dirigiu aquele péssimo espectáculo, pessoa tão apta a solicitar aprovação como em pedir desculpas. Houve momentos em que nos julgamos na Ilha Terceira, nos Açores, a assistir a uma tourada à corda. Sentindo o público algo apático, o “speaker”, apelou despudoradamente à sua clubite, atribuindo a cada cão a “camisola” de um dos três grandes do futebol nacional. Ouvia-se: “Quem é que é do Benfica? Quem é que é do Sporting? E do Belenenses? Toda a gente gosta do Belenenses, porque é um clube simpático e não faz mal a ninguém!”
Como não podemos descrever pormenorizadamente todos os exercícios ocorridos, porque não os conseguimos reter na memória, mercê da sua insignificância e baixo grau de dificuldade, iremos somente comentar um deles, por sinal pouco visto e sempre espectacular: o salto de vários arcos de fogo consecutivos, ali designados por “aros”, nomenclatura que se aceita. Bem sabemos que as exibições deste cariz são mais dadas ao folguedo do que ao rigor técnico, porque doutro modo seriam orientadas por oficiais e não por sargentos. Os arcos, elevados a sensivelmente 80cm do solo, com um diâmetro entre os 55 e 60cm (não tivemos como conferir as medidas e também não as indicaram, o que deveriam ter feito, em abono do espectáculo e do bom-nome dos cães), encontravam-se a uma distância que permitia o galope fluído dos animais sem interrupções ou ajustes, o que tecnicamente está correcto e sempre causa algum bruído e “frisson”.
Com alguma expectativa aguardámos o desenrolar daqueles exercícios, esperança vã face ao que nos foi apresentado, já que os binómios apenas fizeram os obstáculos simples, alinhados em segmento de recta e pela mão natural de condução (pelo lado esquerdo dos seus tratadores), basicamente transposições de apresentação e aquecimento. Mas o que esperávamos nós daqueles profissionais? Para além do que fizeram, esperávamos que operassem a transposição dos aros tanto à esquerda como à direita, que permanecessem na linha do primeiro salto e conseguissem mandar os cães sozinhos até ao último aro, pedindo-lhes depois que retornassem pelos mesmos obstáculos em direcção à linha de partida. Como a base dos aros isso permitia e a sua junção se encontrava dentro da curvatura natural de salto, esperávamos que juntassem os aros dois a dois, o que não acarretaria em qualquer risco para os cães e aumentaria a espectacularidade daquela exibição. Também poderiam ter subido o último aro mais 10cm, o que “agarraria” a audiência e a faria explodir em aplausos. Poderiam ainda ter disposto os aros desalinhados (desenfiados), o que desnudaria a obediência daqueles cães e a mais-valia técnica dos seus instrutores. Nada disso se viu! Já vimos escolas civis com condutores amadores a fazê-lo e bem, o que nos leva a questionar: para onde vão ou foram os cães policiais?
Na introdução aos aros do fogo ouvimos: “o fogo é um inimigo para os cães, mas depois de muito treino, os nossos conseguem ultrapassá-lo!”. Esta exclamação terá a sua validade para o populacho, para que não intente fazê-lo de qualquer maneira e sem prévia preparação, o que acontecer, viria a chamuscar um sem número de cães. Contudo, sempre será melhor explicar do que amedrontar. Parece-nos que as forças de segurança, para além da fiscalização, da persuasão, da coerção, da inibição e da punição, têm também como pedagogia o esclarecimento das populações. Ademais, quando se realiza ou se participa num evento público relacionado com cães, nunca se sabe quem temos na assistência, sabendo-se de antemão que a cinotecnia em Portugal sofreu um grande incremento (pelos vistos mais a civil do que a policial ou militar) e que o público é agora mais exigente e conhecedor, não se contentando com explicações simplistas e exibições de circunstância, com atropelos à técnica e desculpas esfarrapadas. Todos sabemos que os pastores alemães possuem uma excelente memória mecânica e que um cão depois de aprender a marcar o salto e a vencer um arco, bem depressa virá a fazer o arco com fogo, já que o obstáculo é o mesmo, o fogo pouco incomoda e o cão parte na certeza do sucesso anterior. Se aqueles cães treinaram afincadamente, tal não se viu, já que não deram mostras disso!
No final daquela paupérrima exibição, deparámo-nos com algo insólito: com um miúdo de 8 anos a puxar por um nó de corda que se encontrava preso na boca de um cão-polícia, um daqueles que tinha acabado de se exibir, não resultando disso qualquer acidente, sendo que o seu tratador se encontrava por perto. Apesar de se louvar o cuidado do cão com criança, o polícia, ao consentir no acto do infante, poderá ter contribuído para que amanhã ele venha a proceder de igual modo com um cão desconhecido e acabe mordido, sabendo-se que os churros e os nós de corda são potenciadores de mordedura, que se prestam e são usados para o desenvolvimento do instinto de presa canino e que os cães lutam desalmadamente pela sua posse, entendendo-os como prémio que não dispensam. Como o acto foi público, o cão saiu banalizado e o seu tratador ficou mal enquadrado na fotografia com o “canito”. Naquela mescla de obediência, pistagem e guarda, macedónia inconclusiva, há que louvar os cães por um lado e lamentá-los por outro, louvá-los pela disponibilidade e lamentá-los pelo subaproveitamento. E já agora, por onde andarão os senhores oficiais das companhias cinotécnicas, cavalheiros que aparecem amiúde na TV e que raramente se vêm nas exibições e demais eventos públicos? Não seremos dignos da sua presença ou terão muitos afazeres? Como já estamos fartos de ser vulgarizados, só Deus sabe o quanto gostaríamos de vê-los, já que o seu aparecimento e saber enriqueceriam de sobremaneira qualquer evento cinotécnico, dotando-o de mais rigor, erudição, qualidade e espírito de corpo.