Se
entendermos a música como uma arte
de representação que combina ritmos, harmonias melodias, sons e silêncios, e
que se presta a um sem número de utilidades, incluindo os usos pedagógico e
terapêutico, mercê dos sentimentos e emoções que desperta, capazes de produzir
alteração no humor dos seus ouvintes, então somos obrigados a reconhecê-la como
uma forma sublime de linguagem, tal
como disseram Beethoven: “ A música é o vínculo que une a vida do espírito à
vida dos sentidos. A melodia é a vida sensível da poesia” e também Nietzsche:
“A música oferece às paixões o meio para se obter prazer delas”. Mas será essa linguagem
apenas perceptível, válida e benéfica para os homens? Sabemos que não, pois
todos já vimos aves e mamíferos reagirem a pequenos trechos musicais, servindo-se
deles como estímulo ou aviso para o despoletar de determinadas reacções, tanto
condicionadas como instintivas, emitidos por instrumentos, por fenómenos
naturais, pela voz humana ou por outros animais, o que prova que a linguagem sonora é também perceptível e activa
entre os animais. Exemplos disso, entre tantos, são o apito na columbofilia, o
apito de ultra-sons, o clicker e os comandos verbais no adestramento. Que
benefícios trará a música, enquanto linguagem sonora, para o ensino canino? É
disso que iremos tratar a seguir.
Ainda que
pouco visto entre nós, é de todo conveniente que a música acompanhe as sessões
de adestramento, principalmente quando trabalham em simultâneo diferentes
classes e interessa que todas contribuam para o rendimento global escolar,
porque ela tende a acalmar os cães mais agressivos e a relaxar os mais
submissos e inibidos, para além de desenvolver a memória afectiva de todos eles
mal aconteça a sua apresentação, o que de sobremaneira ajuda na socialização
exigível e facilita a concentração dos animais. E como se isto não bastasse,
ela irá ainda contribuir para a habituação aos disparos e acostumar os cães aos
sons mais estridentes e agudos que os levam a uivar. Este condicionamento
musical, pois é disso que se trata, porque se constitui em estímulo, pode
estender-se ao uso de diferentes melodias para o despoletar de diversas acções
caninas, tais como: operar travamento, convidar para a brincadeira, suscitar
alerta, indicar trajectos e ordenar acções defensivas e ofensivas, dispensando
assim outro tipo de ordem expressa. Os benefícios do concurso à música não se
restringem exclusivamente aos cães, já que predispõem os seus condutores para
uma liderança mais objectiva e sintonizada, ajudando aqueles mais inibidos,
dados à distracção e portadores de uma voz menos clara e modelada (a maioria
dos gagos não gagueja quando canta).
Há muito
que nos valemos dos músicos de rua com o mesmo propósito, quando as classes em
excursão são constituídas por cães muito jovens ou por binómios recém-chegados
ou quando importa familiarizá-los com o buliço urbano, o que fizemos há pouquíssimo tempo.
Para além dos benefícios relativos á sociabilização,
a adição da música tende a aumentar o rendimento individual canino, tanto na
obediência como no desempenho sobre obstáculos. A melhoria é também visível nas
acções relativas à protecção dos donos e do seu património, independentemente
se usar o sinal do alarme ou outro tipo de melodia, mercê do aviso que carrega
o ânimo e despoleta a emoção, o que torna essas acções mais fiáveis e
duradouras, qualidades que a mecanicidade só por si tende a minorar por desinteresse
ou saturação, o que realça o papel da música para o engrandecimento e uso da
memória afectiva canina.
Do ponto
de vista cognitivo, diferentes notas ou combinações musicais, quando usadas
entre o 4º e o 6º mês de vida dos cachorros, podem contribuir para o aumento da
sua capacidade de aprendizagem, se as usarmos para a procura e na identificação
de diferentes objectos, um jogo que vale a pena experimentar e cujos resultados
serão surpreendentes.
Todos
estamos lembrados da “velha técnica” de deixar um rádio ligado junto a um
cachorro recém-chegado a casa para que não se sinta só e se acalme, o que seria
difícil de acontecer não fora o mundo dos cães ser constituído por sons e
odores. A terapia da música ou a musicoterapia tem sido responsável pela
recuperação de muitos fiéis amigos com problemas de stress, ansiedade, medo ou
agressividade desmedida, de origem genética, ambiental ou traumática, facilitando
a constituição binomial e a futura inserção social desses indivíduos, que de
outra forma dificilmente as alcançariam, quando encharcados somente em químicos
fartos em contra-indicações, nocivos, de desmame prolongado e por vezes capazes
de potenciar o indesejável efeito contrário. Para que a música surta efeito,
donos e cães deverão sintonizar-se com ela, porque nenhuma terapia subsiste sem
um bom terapeuta, que a experimenta, distribui e doseia segundo o conhecimento
que tem do indivíduo a recuperar, estudo e prática facilitados pela
transcendência da linguagem musical. Dificilmente um cão ficará impávido e
sereno no meio de uma algazarra, mas já vimos muitos deitados junto a um rádio
ou televisor, a dormitar descansados, alheios ao mundo ao seu redor e também a
adormecerem com as cantilenas dos seus donos. Se a música faz bem aos cães,
então há que usá-la!
Sem comentários:
Enviar um comentário