segunda-feira, 24 de março de 2014

MÚSICA, SOCIABILIZAÇÃO E RENDIMENTO

Se entendermos a música como uma arte de representação que combina ritmos, harmonias melodias, sons e silêncios, e que se presta a um sem número de utilidades, incluindo os usos pedagógico e terapêutico, mercê dos sentimentos e emoções que desperta, capazes de produzir alteração no humor dos seus ouvintes, então somos obrigados a reconhecê-la como uma forma sublime de linguagem, tal como disseram Beethoven: “ A música é o vínculo que une a vida do espírito à vida dos sentidos. A melodia é a vida sensível da poesia” e também Nietzsche: “A música oferece às paixões o meio para se obter prazer delas”. Mas será essa linguagem apenas perceptível, válida e benéfica para os homens? Sabemos que não, pois todos já vimos aves e mamíferos reagirem a pequenos trechos musicais, servindo-se deles como estímulo ou aviso para o despoletar de determinadas reacções, tanto condicionadas como instintivas, emitidos por instrumentos, por fenómenos naturais, pela voz humana ou por outros animais, o que prova que a linguagem sonora é também perceptível e activa entre os animais. Exemplos disso, entre tantos, são o apito na columbofilia, o apito de ultra-sons, o clicker e os comandos verbais no adestramento. Que benefícios trará a música, enquanto linguagem sonora, para o ensino canino? É disso que iremos tratar a seguir.
Ainda que pouco visto entre nós, é de todo conveniente que a música acompanhe as sessões de adestramento, principalmente quando trabalham em simultâneo diferentes classes e interessa que todas contribuam para o rendimento global escolar, porque ela tende a acalmar os cães mais agressivos e a relaxar os mais submissos e inibidos, para além de desenvolver a memória afectiva de todos eles mal aconteça a sua apresentação, o que de sobremaneira ajuda na socialização exigível e facilita a concentração dos animais. E como se isto não bastasse, ela irá ainda contribuir para a habituação aos disparos e acostumar os cães aos sons mais estridentes e agudos que os levam a uivar. Este condicionamento musical, pois é disso que se trata, porque se constitui em estímulo, pode estender-se ao uso de diferentes melodias para o despoletar de diversas acções caninas, tais como: operar travamento, convidar para a brincadeira, suscitar alerta, indicar trajectos e ordenar acções defensivas e ofensivas, dispensando assim outro tipo de ordem expressa. Os benefícios do concurso à música não se restringem exclusivamente aos cães, já que predispõem os seus condutores para uma liderança mais objectiva e sintonizada, ajudando aqueles mais inibidos, dados à distracção e portadores de uma voz menos clara e modelada (a maioria dos gagos não gagueja quando canta).
Há muito que nos valemos dos músicos de rua com o mesmo propósito, quando as classes em excursão são constituídas por cães muito jovens ou por binómios recém-chegados ou quando importa familiarizá-los com o buliço urbano, o que fizemos há pouquíssimo tempo.
Para além dos benefícios relativos á sociabilização, a adição da música tende a aumentar o rendimento individual canino, tanto na obediência como no desempenho sobre obstáculos. A melhoria é também visível nas acções relativas à protecção dos donos e do seu património, independentemente se usar o sinal do alarme ou outro tipo de melodia, mercê do aviso que carrega o ânimo e despoleta a emoção, o que torna essas acções mais fiáveis e duradouras, qualidades que a mecanicidade só por si tende a minorar por desinteresse ou saturação, o que realça o papel da música para o engrandecimento e uso da memória afectiva canina.
Do ponto de vista cognitivo, diferentes notas ou combinações musicais, quando usadas entre o 4º e o 6º mês de vida dos cachorros, podem contribuir para o aumento da sua capacidade de aprendizagem, se as usarmos para a procura e na identificação de diferentes objectos, um jogo que vale a pena experimentar e cujos resultados serão surpreendentes.
Todos estamos lembrados da “velha técnica” de deixar um rádio ligado junto a um cachorro recém-chegado a casa para que não se sinta só e se acalme, o que seria difícil de acontecer não fora o mundo dos cães ser constituído por sons e odores. A terapia da música ou a musicoterapia tem sido responsável pela recuperação de muitos fiéis amigos com problemas de stress, ansiedade, medo ou agressividade desmedida, de origem genética, ambiental ou traumática, facilitando a constituição binomial e a futura inserção social desses indivíduos, que de outra forma dificilmente as alcançariam, quando encharcados somente em químicos fartos em contra-indicações, nocivos, de desmame prolongado e por vezes capazes de potenciar o indesejável efeito contrário. Para que a música surta efeito, donos e cães deverão sintonizar-se com ela, porque nenhuma terapia subsiste sem um bom terapeuta, que a experimenta, distribui e doseia segundo o conhecimento que tem do indivíduo a recuperar, estudo e prática facilitados pela transcendência da linguagem musical. Dificilmente um cão ficará impávido e sereno no meio de uma algazarra, mas já vimos muitos deitados junto a um rádio ou televisor, a dormitar descansados, alheios ao mundo ao seu redor e também a adormecerem com as cantilenas dos seus donos. Se a música faz bem aos cães, então há que usá-la!

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