Um
cavalheiro e uma senhora, ambos com um filho menor de um casamento anterior,
decidiram “juntar os trapinhos” e constituir família, vindo alguns anos depois
a adquirir um Pastor Alemão, mais por insistência dos miúdos do que por vontade
da senhora, que se sempre se manifestou reticente a tal desejo, já que até ali
nunca tinha tido qualquer experiência com cães dentro de casa, pormenor que
recambiou o cachorro para uma barraca na varanda, por sinal inadequada para o
seu tamanho e porte, vindo a ser gradualmente desprezada pelo animal, que
preferia suportar o calor, o frio e a chuva intensos do que entrar para dentro
dela. Como o cachorro se transformou num matulão em poucos meses, transbordando
força e vitalidade, a senhora, fazendo uso do seu bom senso, optou por
treiná-lo, uma vez que era ela quem mais cuidava do animal, decisão desde logo
contrariada, apesar de certa, pelo restante agregado familiar, todo ele
interessado em liderar o pobre animal.
O cavalheiro alvitra para si o direito histórico, arvorado
em “cabeça de casal” e porque sempre teve pastores alemães, a sua filha quer
seguir o seu exemplo e o enteado também reclama para si essa tarefa. Apesar da
competitividade, nenhum deles tem tempo para a levar a cabo sistematicamente, o
primeiro porque trabalha no estrangeiro e só vem a casa de oito em oito dias, e
os outros porque se encontram encharcados em actividades extra-curriculares,
para além de aos fins de semana rumarem, respectivamente, à mãe e ao pai que
não vivem com eles, comprometendo assim a carga horária necessária ao
condicionamento do cão. Enquanto a senhora andou com ele, facto que se
verificou no início do treino, o animal evoluiu a olhos vistos, alcançando sem
dificuldade a condução em liberdade, facto a que não foi alheio o apego que
nutre pela sua companheira. Há medida que o tempo foi avançando e a liderança
acabou repartida pelos quatro, justificadamente, o cão regrediu,
apresentando-se confuso, desinteressado, nervoso e inconformado no treino,
resistindo agora em andar à trela alinhado por quem o conduz. Porque se
comportará assim?
O
desencanto do animal prende-se com o número dos líderes impostos, que ao exigirem
maior submissão, despromovem-no socialmente, levando-o a ocupar um lugar cada
vez mais baixo na hierarquia, naturalmente reservado para os cães mais débeis e
submissos, situação que o desagrada e induz à resistência, por atentar em
simultâneo contra as suas características individuais e forte sentimento
territorial, não vendo com bons olhos a troca sistemática de condutores por
obstar aos seus afectos e que o obriga a obedecer a quem pouco ou nada lhe diz,
o que aponta claramente para a perca do seu bem-estar, resultando daí a sua
insatisfação. A manter-se a situação, a que poderá levar à submissão forçada e
a resistência à despromoção social?
Obviamente à manha! Que como toda a gente sabe não
tem origem genética e que resulta do estudo e posterior chantagem dos donos por
parte dos cães, particularmente dos mais mimados e objecto de cuidados
excessivos, no intuito de invalidar as ordens, desgraçar a liderança e de fazer
gorar os seus intentos, habilidade presente tanto nos submissos como nos
dominantes, ainda que nos últimos a resistência seja mais visível, porque
procuram o desespero dos donos pela exaustão, aproveitando-se das suas
fraquezas, pouco equilíbrio psicológico e menos valias técnicas para perpetuar
vícios de difícil eliminação, minando passo a passo o processo pedagógico, o
que não irá livrar alguns da reeducação. No caso específico deste cão, é
natural que se ensurdeça diante dos condutores mais tolerantes e que se jogue
no chão quando conduzido por outros mais autoritários, acabando de uma forma ou
de outra por mandar bugiar todos, ainda que no meio disto tudo seja o menos
responsável, porque age por reacção e obrigado pela sua salvaguarda!
Agregados familiares como o aqui retratado, porque
a aquisição de um cão é um projecto familiar e importa que todos saiam
satisfeitos, cão inclusive, deverão escolher um animal menos territorial e mais
sociável, meigo e brincalhão, com fracos impulsos à defesa, à luta e ao poder,
mais fácil de encontrar entre os bracos, em particular nos retrievers e também nos
humildes rafeiros, animais por norma comunitários e gratos a todos os que lhe
querem bem, porque nem todas as raças caninas se prestam a ser de todos e
algumas, quando obrigadas a isso, acabarão por fornecer indivíduos que não
virão a ser de ninguém, por terem sido seleccionados com outro propósito (antagónico).
Agora, o que fazer com o lupino aqui descrito? Somente aconselhar os donos e
serenar os miúdos, dizendo-lhes que deixem a educação do cão ao cuidado da senhora,
porque após a instalação e assimilação dos comandos, que acontecerá dentro da
brevidade possível, qualquer um deles conseguirá conduzir o animal de modo
satisfatório, o que já fizemos e voltaremos a fazer, por respeito ao cão e pela
felicidade de todos. Oxalá nos oiçam e a dita senhora mantenha o mesmo empenho.
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