Nos círculos cristãos há um poema muito
conhecido que exalta a protecção de Deus nas nossas vidas, remonta aos anos 30
do século passado, chama-se “Pegadas na Areia” e não resistimos em traduzi-lo para
português de Portugal, porque queremos dividi-lo com os nossos leitores e
serve-nos de mote ao assunto que iremos aqui tratar. Diz ele: “ Sonhei que estava a andar pela praia com o
Senhor e que no céu passavam alguns momentos da minha vida. Em cada momento que
passava, apercebi-me que eram deixados dois pares de pegadas na areia: um era
meu e o outro de Deus. Quando a última cena da minha vida passou diante de nós,
olhei para trás e para as pegadas na areia, e notei que inúmeras vezes ao longo
da minha existência, havia apenas um par delas na areia. Notei também que isso
aconteceu nos momentos mais angustiantes e difíceis da minha vida. Bastante
aborrecido, perguntei então para Deus: Senhor não me prometeste que jamais me
abandonarias caso te seguisse? Notei agora que nos momentos mais atribulados
que vivi, somente vi na areia um par de pegadas. Não compreendo porque me
deixaste só nas horas em que mais necessitava de ti! Deus respondeu-me: Meu
querido filho, jamais te abandonei nas horas mais difíceis e de maior
sofrimento da tua vida. Quando viste apenas um par de pegadas na areia eram as
minhas, relativas aos momentos em que te carreguei nos braços”.
Não queremos reclamar para nós um estatuto
divino ou constituir-nos em deidade, porque somos finitos, manifestamente
imperfeitos, falta-nos estatura, não nos sobra loucura e estamos cá para servir
e ajudar. No entanto, ao atentarmos para o poema atrás citado e para os actuais
cães de alguns adestradores que formámos ou que fizeram parte das nossas
fileiras, reparamos que a qualidade do seu ensino é incomparavelmente inferior
ao dos cães que ajudámos a adestrar, quando os seus donos foram nossos alunos,
decréscimo de qualidade que nos desagrada e cujas causas não nos podem ser
imputadas, por serem da responsabilidade daqueles que ajudámos a erigir,
discípulos que nos são gratos e com os quais instámos para que aprendessem, dominassem
a técnica, fossem rigorosos e apegados aos procedimentos, sedentos de
conhecimento erudito, ligados à ciência e ao mesmo tempo pragmáticos, dispensando-lhes
todo o apoio, tempo e paciência – carregámo-los literalmente ao colo!
Diante do que acabámos de dizer uma questão
se levanta: qual ou quais são as causas do seu desaproveitamento, uma vez que o
objectivo de qualquer mestre é fazer com que os seus discípulos o superem e ultrapassem?
Cada caso é um caso, mas na maioria deles faltou dedicação, estudo, aprimoramento
e humildade, sobrando noutros a inevitável e histórica maledicência que os
tornou sectários e condenados à estagnação, involução que os vitimou a eles e
aos seus seguidores, uns por apego ao poder e os outros por ausência de opções
ou de clarividência. Formar líderes nunca foi ou será uma tarefa fácil, porque
lhes cabe compreender as dificuldades de quem os segue e ajudá-los a superá-las,
encontrar a motivação certa para cada condutor e cão, ser inquebrantável de ânimo
e galvanizar as suas classes, embolsar a sua própria revolta e estar sempre
pronto a auxiliar, manter-se de pé quando todos já jogaram a toalha ao solo e
nunca desistir face ao insucesso, insucesso que é por norma da sua responsabilidade
e não de quem lhe obedece, por não se fazer compreender ou por exigir dos
outros algo para além do seu alcance.
Adestrar é compreender para construir, é
descortinar o que há para melhorar, aprimorar homens para que melhor entendam
os cães, encontrar novas linguagens interespécies, estabelecer a profícua
unidade binomial e servir para estender a felicidade a todos, esforço que
alguns só conseguem quando obrigados e que normalmente desprezam, enredados pelo
seu próprio ego e atribulados pelos seus achaques. Um mestre nunca se dá por
satisfeito, aprende com os seus erros e não cessa de aprender, procura melhorar
a cada dia que passa e não serve de tropeço a quem o procura. E quando assim
não é, os donos viram-nos as costas e os cães são condenados ao
subaproveitamento. Tudo isto ensinámos e enfatizámos mas parece que não nos deram ouvidos ou que necessitam de mais tempo para o seu amadurecimento.