Diz-se
que só os homens aprendem com os seus erros mas dum jeito ou de outro todos os
animais o fazem motivados pelo instinto de sobrevivência, caso contrário há que
muito que estariam extintos por ausência de adaptação. É sabido que os mais
instintivos tendem a desaparecer precocemente e que os predadores melhoram
consideravelmente o seu desempenho com o treino e o tempo, esmerando-se nos
métodos e alcançando novas presas quando necessário. Dos animais que temos mais
à mão, o cão é aquele que melhor se adapta, exactamente porque possui poucos
instintos e é rico em personalidade, aprendendo em simultâneo com as
experiências positivas e negativas que nele se constituem em lições de vida, o
que realça a importância do impulso ao conhecimento, primeiro responsável pelo
maior ou menor sucesso no seu ensino, busílis que muitos canicultores olvidam
para mal dos seus pecados e que acabará por comprometer o bom-nome dos animais
que criam pela diminuição da sua procura. De que valerá um cão saudável, robusto
e valente se apresentar dificuldades na aprendizagem?
Ninguém
duvida que o “reforço positivo” é o melhor dos métodos para ensinar todo e
qualquer cão, que é de fácil assimilação para os donos e do agrado dos cães, um
verdadeiro hino à sã e mútua convivência. Mas se subtrairmos dele as
experiências negativas pelo concurso exclusivo do facilitismo, alguns cães
tornar-se-ão bobos, pouco regrados, disparatados e despreparados para os perigos
que os cercam, vendo assim comprometida a sua salvaguarda pela experiência
repetitiva que não os alertou para a realidade à sua volta e que obstará também
à identificação dos seus inimigos, aumentando assim a sua vulnerabilidade, o
que é contraproducente para os cães em geral e fatal para os de guarda.
Contudo, tal não deverá impedir o maior peso da recompensa no seu ensino. Sim,
os cães deverão experimentar também o insucesso para que, mediante os seus
erros, encontrem a solução adequada, desde que este não se constitua em trauma
e sempre obrigue a um final feliz pelo engenho, incentivo, agrado e supervisão dos
seus mestres. Se errar é humano como dizem, só o errar dos cães os levará ao acerto
porque nasceram para agradar e são naturalmente competitivos.
O
aumento das dificuldades, que deverá ser gradual e só proposto depois de
vencidos os exercícios anteriores, estimulará e desenvolverá o impulso ao
conhecimento que herdaram, benefícios mais profícuos e visíveis na sua fase
plástica, estágio que atravessam antes de atingirem as suas maturidades sexual
e emocional e que os levará à excelência cognitiva, ao desembaraçar de um
conjunto de situações que encontrarão ao longo da sua vida. Estimular o acerto
é obrigatório para quem ensina, nem quer por vezes tenhamos de lhes contar a
história da frente para trás, porque ao invés de “verem a luz no final do túnel”,
só a vêem depois dele ultrapassado. O hábito salutar de colocar problemas aos
cães com indicadores por eles perceptíveis irá torná-los mais aptos e menos
dependentes, autonomia procurada naqueles cujo serviço não conta com a presença
habitual dos seus donos, até porque mais importa, em termos de trabalho, o
desenvolvimento do seu córtice cerebral do que a morfologia da sua cabeça,
havendo inúmeras ocasiões, nomeadamente nas desvantajosas, em que mais importa
esquivar-se do que “dar o corpo ao manifesto”. Um cão valente morre na peleja e
um convenientemente preparado aguarda ocasião e procura a vantagem. Assim, não é
errado dizer-se que o nível de aptidão dum cão reflecte normalmente a
encontrada no seu dono, que será mais ou menos capaz de acordo com a capacidade
de quem o ensinou. Geneticamente subsistem cães com diferentes graus de aptidão,
mas todos podem vê-la substancialmente aumentada. Para tudo é preciso ter sorte
e há cães que não têm nenhuma.
Hoje
mais do que nunca, os cães são obrigados a lidar com um sem número de
dispositivos mecânicos, eléctricos e electrónicos no seu quotidiano e
desempenho das suas missões, tanto os civis como os militares, quer se destinem
à parceria, ao auxilio, à procura, à protecção, ao desencarceramento, ao
salvamento ou ao resgate de pessoas, o que faz do adestramento um tremendo
desafio e obriga os canicultores à produção de cães mais curiosos, mais
disponíveis e com maior versatilidade, porque se assim não procederem, correm o
risco de passar os seus cães à história, onde os dinossauros os esperam em
conjunto com outros já desaparecidos, todos eles inadaptados, porque tudo o que
é imprestável acaba preterido e desprezado. Melhor seria que trabalhassem em
conjunto com os adestradores porque estes melhor do que ninguém, ao testarem objectivamente
os animais, poderão indicar-lhes com menor margem de erro quais os progenitores
mais habilitados e recomendáveis. O cão não é um produto de primeira necessidade mas torna-se imprescindível
quando os seus méritos são insubstituíveis.
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