segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

SABIA QUE OS CPA FAWN (RED SABLE AY) EXISTEM?

Antes que os julgue de híbridos ou Pastores Belgas Malinois, saiba que existem Pastores Alemães Dourados uniformes, cientificamente identificados como “red sable Ay”, que apesar da raridade da sua cor são em tudo pastores alemães iguais aos outros. A sua ocorrência é muito rara hoje em dia na Europa Ocidental devido às políticas de selecção em vigor na raça, que mais atentam para a estética do que para a qualidade dos cães. Nos Estados Unidos e no Canadá sempre surgem alguns e são-lhe atribuídos os respectivos pedigrees. A sua cor vai do champanhe ao vermelho, a designação “fawn” significa cor de gamo e há-os com mais ou menos máscara, dependendo isso da variedade cromática dos seus progenitores.
E se ainda sobrarem dúvidas, os mais cépticos poderão consultar o assunto através da Internet, bastando procurar no Google por “fawn german shepherd dogs”, apesar de nos “red sable german shepherd dogs” o assunto ser também ali tratado, que logo terão ao seu dispor as necessárias explicações científicas, para além de muitas fotografias adiantadas pelos criadores desta variedade cromática presente no CPA. A Acendura Brava foi pioneira em Portugal na criação destes raros pastores alemães, que os alcançou através de exemplares padronizados (negros e outros). O tom que mais procurámos e sempre nos encantou foi o vermelho, mas nem por isso tivemos muita sorte, já que a maioria desses exemplares saiu cor de gamo. O facto de haver pastores alemães dourados de pelo comprido não se deve a esta variedade cromática mas à presença desse factor na globalidade dos pastores.
Escrevemos este sucinto artigo para esclarecer os interessados e alguns pseudo-eruditos do Pastor Alemão nestas paragens, que há poucos anos atrás desconheciam também a existência de pastores alemães negros. A variedade dourada não é melhor nem pior que as outras e a excelência dos cães dourados da Acendura deve-se, entre outros, à qualidade dos pastores negros que entraram na sua construção, todos eles robustos, disponíveis, cúmplices, curiosos e ávidos por aprender. Produzimos poucos e na sua maioria para consumo interno, cães que ajudaram a engrandecer o nosso nome e dos quais guardamos saudade pelo muito que nos deram.

CPA: O NEGRO SEM AS INDESEJÁVEIS MANCHAS BRANCAS



Nunca foi fácil encontrar um pastor alemão totalmente negro sem as indesejáveis manchas brancas que geralmente aparecem no pescoço, no peito e nas patas, tanto na variedade negra como também nas restantes, ainda que na primeira aconteça mais amiúde, fenómeno que é devido aos lobeiros que, desde sempre, a têm beneficiado para a obtenção de excelentes cães de trabalho, facto há muito comprovado e ainda hoje muito procurado para esse fim. É evidente que o aparecimento das manchas também se deve à presença do factor branco, carrego genético que não desapareceu com a irradiação dos cães brancos da raça e mais visível nos beneficiamentos nas antigas linhas de trabalho.

Essas manchas brancas são hoje substituídas por amarelas (afogueadas), que aparecem por vezes e em menor escala atrás das orelhas, nos calções (abaixo da cauda), nos dedos ou no espaço interdigital, o que denota a presença de um progenitor lobeiro das linhas mais recentes, que já nasce com a coloração definitiva, contrariamente à evolução pigmentária que antes sucedia nesta variedade cromática. E quando isso acontece, facilmente se constata da presença maioritária do lobeiro para a obtenção de indivíduos negros. Compreensivelmente, se beneficiarmos um cão destes com um lobeiro, corremos o risco de tirarmos ninhadas totalmente lobeiras, “surpresa” desagradável para quem desejar ter uma prole negra.

Ainda que as manchas brancas sejam indesejáveis segundo o estalão, os indivíduos seus portadores tendem a ser os maiores e normalmente acabam preteridos e vendidos mais barato. A maior altura destes indivíduos deve-se ao gigantismo que sempre acompanhou os pastores brancos, já que a variedade negra, sem a contribuição das restantes, cresce menos e ostenta menor ossatura, pormenores ligados à sua menor curva de crescimento e também à ocasião do nascimento das ninhadas, que deverá acontecer, caso se procurem cães maiores e mais robustos, no final do Verão para que as estações frias sirvam esse propósito, porque doutro modo, a acção dos raios solares e a temperatura presentes na Primavera e no Verão não o permitirão.

De acordo com a nossa experiência e para se evitarem as manchas brancas, também porque é um disparate beneficiar consecutivamente negro com negro, ainda que tenhamos cães mais cedo para o trabalho, porque gradualmente vão perdendo tamanho e envergadura, menos valia evidente logo à 3ª geração, valemo-nos da variedade preto-afogueada para o seu beneficiamento, o que para além dessa vantagem melhora a sua padronização, equilíbrio e rendimento, dotando em simultâneo os cachorros que nascem preto-afogueados de melhor e duradoura máscara, assim como de maior disponibilidade, prontidão e cumplicidade. E se é um disparate beneficiar consecutivamente negro com negro, pior será fazê-lo entre indivíduos portadores de manchas brancas, porque o branco tenderá a aumentar, podendo alcançar também a zona interocular, o ventre e a ponta da cauda.

À parte disto e não menos importante, o concurso histórico à variedade lobeira para beneficiar a negra irá implicar na morfologia dos seus descendentes, já que produz maioritariamente indivíduos pernaltos, quando não pequenos, de peito estreito, menos aprumados, de ventre arregaçado e ossatura leve. Nenhuma variedade subsiste sem o concurso da preto-afogueada, porque melhor do que as restantes transmite a morfologia que vem caracterizando o Cão de Pastor Alemão, apesar do seu uso exclusivo na reprodução gerar indivíduos menos aptos, de saúde e carácter periclitantes, mais sensíveis e barulhentos, já que a cor por só por si não define um cão mas a sua qualidade, muito embora as diferentes variedades cromáticas carreguem mais-valias sensoriais, cognitivas e operacionais menos visíveis noutras, justificando-se assim o seu uso.

Assim, se nos virmos obrigados a usar um lobeiro no beneficiamento de um negro, convém que o primeiro tenha uma construção maioritária em preto-afogueado e seja recessivo em negro, desde que não são seja também portador de manchas brancas, produto de descarada endogamia e parco de ossatura, pois negros de construção maioritária ou igual em lobeiro não trazem só os dedos pintados, mas carregam também um conjunto de características que podem atentar contra a sua morfologia, equilíbrio, uso e versatilidade. Louva-se o esforço dos novos criadores na procura de cães de trabalho, no resgate em torno dos lobeiros e dos negros, sem dúvida animais únicos que sempre acrescentaram à raça excelentes exemplares. Todavia há que saber beneficiá-los!

É POUCO CONHECIDO E NÃO APRESENTA DIMORFISMO SEXUAL


Pouco a pouco, os portugueses mais endinheirados vão descobrindo a Croácia, uma das ex-repúblicas da extinta Jugoslávia, a mais rica delas, de língua eslavo e escrita latina, maioritariamente católica, situada no Mar Adriático, com paisagens luxuriantes e inúmeros pontos de interesse, tanto do ponto vista paisagista como do histórico, arquitectónico e industrial: um país que vale a pena visitar! Ali é criado um cão pouco conhecido fora das suas fronteiras: o Pastor Croata (Hrvatski Ovčar), um animal rústico, resistente, veloz, operacional e fácil de ensinar, que à primeira vista lembra o Pastor Belga Groenendael, mais pela cor, particular do manto e temperamento, porque grandes são as diferenças morfológicas entre eles. 
Poucas alterações sofreu desde o Séc. XIV até à actualidade e já no Séc. VII teria acompanhado a migração dos croatas das suas terras originais para a Croácia de hoje. O mentor da raça, também conhecido como pai dela, foi o Dr. Stjepan Romic, que encetou uma política sistemática de selecção em 1935, vindo a raça a ser conhecida pela FCI em 1969. O Pastor Croata tem uma característica particular que o difere da maioria das raças caninas actuais: não apresenta dimorfismo sexual (fêmeas e machos não apresentam diferenças de tamanho). Para além de pastor adequado para qualquer tipo de gado, propriedade que lhe é inata, este cão presta-se facilmente como cão de companhia, desportista e guardião, apesar exigir atenção, espaço e exercício, porque é atento, ágil, perspicaz, inteligente e extraordinariamente enérgico, vivendo para agradar e não dispensando a companhia humana, por ser modesto, carinhoso e muito leal ao dono, sendo ainda caracterizado por ser resistente às doenças, não exigir grandes cuidados e a sua manutenção ser de baixo custo. 
A raça só comporta exemplares de cor negra e o seu manto é suave, ondulado ou encaracolado, largando pouco pêlo. A sua esperança de vida é em média superior à encontrada no Pastor Alemão (até mais 16%). No limite dos cães médios, a sua altura oscila, em ambos os sexos, entre os 40 e 50cm e o seu peso entre os 13 e 20kg. O Pastor Croata é rectangular (o seu comprimento é 10% superior à sua altura), o comprimento do crânio é ligeiramente inferior ao do focinho (9:10) e vai-se estreitando até à sua ponta, o que evidencia uma potência de mordedura baixa. O crânio é oval quando visto de cima e a cabeça mede 20cm. O sulco frontal não é marcado, a crista occipital pode ser marcada e o stop é pouco proeminente. Os seus olhos são de tamanho médio, amendoados, de cor negra ou castanha. A mandíbula é proporcional ao focinho, os lábios são negros, a dentição é completa, os dentes bem desenvolvidos e a sua mordedura é em forma de tesoura, muito embora seja também aceite a de turquês. As orelhas poderão ser erectas ou semi-erectas, preferencialmente erectas, triangulares e médias de largura, de apresentação ligeiramente lateral e de inserção média/baixa.
O seu pescoço é oblíquo ao tronco, a linha superior deste é paralela ao solo (por vezes a garupa é mais alta que a cernelha), o peito é bastante longo e profundo, as costelas são arqueadas, o ventre é ligeiramente esgalgado e os flancos cheios e firmes. A inserção da cauda é moderadamente alta e alguns cachorros podem nascer sem ela. A sua ossatura é leve, os braços são curtos, os antebraços e as pernas são longos, os metacarpos ligeiramente inclinados, as patas são pequenas e em pé-de-lebre, as suas angulações traseiras são pouco anguladas e o seu andamento preferencial é o trote. Transita facilmente de andamentos e é célere no galope. Por tudo isto, considerando o seu particular psicológico, versatilidade, longevidade e biomecânica, o Pastor Croata é um cão pastor de créditos firmados e um companheiro de eleição, apesar de ainda escondido para lá do Adriático. 

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS


O Ranking semanal dos textos mais lidos ficou assim ordenado:
1º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011
2º _ O CÃO LOBEIRO: UM SILVESTRE ENTRE NÓS, editado em 26/10/2009
3º _ A CURVA DE CRESCIMENTO DAS DIVERSAS LINHAS DO PASTOR ALEMÃO, editado em 29/08/2013
4º _ UNSER KAMPF: VERHINDERN, DASS DIE TÖTUNG ZUM DRITTEN MAL, editado em 02/11/2015
5º _ CORRENDO ATRÁS DA PANOSTEÍTE E DA MIELOPATIA DEGENERATIVA, editado em 02/05/2015
6º _ OS FALSOS PASTORES ALEMÃES, editado em 24/02/2015
7º _ O MELHOR E O PIOR DO PASTOR SUIÇO: ANÁLISE MORFOLÓGICA E FUNCIONAL, editado em 21/06/2011
8º _ O GUARDA DAS GALINHAS, editado em 05/04/2014
9º _ O CÃO JOVEM (DOS 7 AOS 18 MESES): DA PUBERDADE À MAIORIDADE, editado em 26/10/2009
10º _ O PESO DOS 4 MESES NO CÃO DO AMANHÃ, editado 28/10/2010

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país obedeceu à seguinte ordem:
1º Portugal, 2º Brasil, 3º Estados Unidos, 4º Reino Unido, 5º França, 6º Espanha, 7º São Tomé e Príncipe, 8º Suíça, 9º Rússia e 10º Angola.

NÃO SE DEIXE ENGANAR

Quando leio os mais diversos standards caninos (estalões), caso creia em tudo o que lá se encontra escrito, fico com a impressão que todas as raças são perfeitas e sem mácula, morfologicamente irrepreensíveis e sem qualquer problema, extremamente aptas e sem nenhuma restrição, saudáveis e resistentes, como se todas elas fossem ideais para quem procura um cão, porque as suas descrições isso indiciam, mediante a escolha cuidadosa dos termos usados e de omissões propositais, tal qual rótulo enganoso dum produto que tantas vezes acabamos por comprar, cujo conteúdo nem sempre corresponde ao manifestado no exterior da embalagem. Contrariamente ao que se badala, a maioria das raças caninas encontra-se doente, afectada por um conjunto de incapacidades a quem a excessiva endogamia não é alheia e a quem a consanguinidade vai acrescentando deméritos.
Ano após ano, década após década, por ausência de alteração nas políticas de selecção, que deveriam respeitar o bem-estar animal, a verdade e o parecer da ciência, ao invés de cativas a vaidades que mais servem aos criadores que aos cães, a situação vai-se agravando, mais se afastando da selecção natural que garante a melhor adaptação e evolução dos cães. Caso sobrem dúvidas, pergunta-se: qual é a raça que apresenta a mesma saúde, rusticidade, adaptação e longevidade que o vulgar rafeiro? Até quando persistiremos nesta vergonhosa e ultrapassada eugenia negativa? 
Enquanto os criadores vão fazendo “orelhas moucas” às advertências da ciência e os shows estéticos caninos se repetem, um sem número de cães doentes e com pouca ou nenhuma qualidade de vida continuam a ser procurados e vendidos, apesar da denúncia que se fazer ouvir por todo o lado, como se as pessoas precisassem do engano e de ser enganadas para se sentirem bem, veleidades que comportam mais por gozo próprio do que pelo respeito aos animais. É evidente que tudo isto mexe muito dinheiro, que a desfaçatez é sustentada por razões económicas e que há sempre alguém interessado em coleccionar aberrações, particularmente quando elas são objecto de admiração e cobiça ou dão corpo a um invejado estatuto social.
Este correr por gosto que não se cansa e que acaba por condenar os cães, apesar das muitas advertências, acerca de gente que gosta de ser enganada e que assim segue a gosto, faz-me lembrar uma máxima popular, expressa em poucas palavras no vernáculo, pelas quais peço de imediato desculpa, outrora muito em voga no lugar de Rubiães, Concelho de Paredes de Coura, no Distrito Minhoto de Viana do Castelo, particularmente agora que o Tino de Rans está na berra, apesar de ter nascido no Distrito do Porto: “quem é corno e não sabe, que Deus dele tenha piedade; quem é corno e consente: anda corno para a frente!”. Quando optar por comprar um cão, não seja tolo e não se deixe iludir, não o faça sem obter do animal e da raça o maior número de informações possível, porque mais vale estar informado do que ser confiado e acabar enganado.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

CÃO DO BARROCAL ALGARVIO: UM TODO-O-TERRENO CANINO


Nascido na sub-região algarvia do Barrocal, que se estende da serra ao litoral, caracterizada pela presença de várias elevações calcárias de forma irregular, que raramente ultrapassam os 400 metros de altitude, denominadas barrocos e adornada por azinheiras, zambujeiros, murtas e alfarrobeiras, o agora designado por “Cão do Barrocal Algarvio” e outrora entendido pelos caçadores como “abandeirado”, “fraldado”, “felpudo” ou “gadelhudo” pela morfologia da sua cauda e particular do pêlo (comprido e macio), já tem proposta de estalão, aguardando a sua aprovação pelo CPC e pela FCI, que deverá acontecer muito brevemente graças aos esforços da Associação de Criadores do Cão do Barrocal Algarvio (ACCBA), associação de criadores a quem pertencem as fotografias que ilustram este texto e que nos merece a maior admiração pelo trabalho que abraçou. Depois de aprovado, será a 11ª raça canina portuguesa reconhecida internacionalmente e a segunda da região algarvia, seguindo-se ao Cão de Água Português.

Crê-se que descende do Galgo Egípcio e doutros lebréis (a sua relação peso/altura é idêntica: 2.2) assim como doutras raças caçadoras mediante cruzamentos bem-sucedidos, lembrando a sua aparência o podengo algarvio, havendo quem lhe reconheça também traços de Border Collie diante da sua destreza e agilidade. Naturalmente esguio, ágil, rápido, enérgico e incansável, este cão de tipo primitivo sempre se notabilizou na caça, nomeadamente nos terrenos íngremes, instáveis e mais inóspitos, o que o transforma num “todo-o-terreno”, sofrendo o seu número diminuição na década de 60 do século passado pela introdução de raças estrangeiras de parar, tais como o Braco Alemão e o Pointer (na década de 50 do mesmo século haviam 3.500 exemplares desta raça e hoje contam-se 1.500).
Cão médio, dócil e humilde, vocacionado para a caça, rústico, de maneio fácil, vivo e inteligente, o Cão do Barrocal Algarvio pode também prestar-se como cão de companhia, alarme e de agility, sendo menos exigente e por conseguinte menos dispendioso que a maioria das raças importadas para esses fins. Nele são visíveis todas as cores desde o branco até ao preto, não apresenta sub-pêlo e o dimorfismo sexual faz-se presente na raça. Pode chegar aos 55cm e aos 25kg de peso. Animal quadrado, porque a relação de altura ao garrote e o comprimento do corpo é praticamente igual, o que lhe facilita a transição para o galope. A sua cabeça é de formato piramidal, apresenta orelhas erectas, o seu chanfro cónico é truncado na ponta, os eixos crânio-faciais superiores são paralelos ou ligeiramente divergentes, apresentando pé-de-lebre o que indicia velocidade. Uma descrição mais pormenorizada deste cão pode ser encontrada em www.cpc.pt/cpc/ag/docs/20151208_Est_Cao_Barrocal_Algarvio.pdf 
De momento sem prova de trabalho, de acordo com a triste inércia da canicultura portuguesa, que muito apregoa e pouco demonstra, deseja-se que o Cão do Barrocal Algarvio seja seleccionado doravante e como até aqui pelas suas aptidões caçadoras, uma vez nisso é mais fiável que outros seus congéneres. Oxalá os seus criadores se mantenham unidos, não cedam à tentação da endogamia e comprometam assim a saúde, aptidão e biodiversidade presente na raça, embeiçados por pruridos que têm aumentado as menos valias de grande número de cães nacionais. A presença de cães negros e chocolate, que são uma novidade dentro das raças cinegéticas nacionais, muito abonam para o bom-nome desta raça, porque permitem o seu uso e camuflagem em diferentes horários e ecossistemas. Temos cão, oxalá assim continue!

CÃES DOMINANTES E HOMENS PODEROSOS

Por estranho que pareça, quando mais conheço os cães, melhor compreendo os homens, mormente aquilo que lhes é comum e que os induz a comportamentos idênticos, identidade que, quando constituída em equipa, tanto pode levar à rotura entre ambos como a uma verdadeira simbiose de natureza perigosa e anti-social. Os cães dominantes e os homens poderosos nasceram para a tomada do poder, uns por impulso inato e os outros pela ambição com que nasceram. Infelizmente sempre será mais fácil regrar os primeiros que os últimos, facto que fica a dever-se à dependência canina que facilita a assimilação de regras e ao maior atavio dos homens que os leva a contorná-las.
No que à fidelidade diz respeito, ambos são mais fiéis a si próprios do que aos outros, os cães dominantes resistem ao condicionamento e tentam impor a sua vontade e os homens poderosos julgam-se acima das convenções e criam o seu próprio código de conduta, já que os dois nasceram para liderar, os primeiros pela lei do mais forte e os segundos por maior engenho, não diferindo nisso uns dos outros. Se os cães, ao atingirem o lugar mais alto na hierarquia social e por razões ligadas à sobrevivência da sua espécie, não dispensam o concurso de várias fêmeas, os homens também procurarão os favores de várias mulheres, eles por necessidade de afirmação e elas por admiração, desejo de protecção e conveniência. Cães e homens usam a poligamia para consumarem a sua incontida dominância, resultando esta dum impreterível apelo animal que necessitam de ver satisfeito satisfeito e que alcançam pelo seu status social. Antes que nos acusem dum crime “lesa-majestade”, perguntamos: quantos reconhecidos e badalados filantropos, tornados comendadores, mantêm um séquito de mulheres ou várias relações extraconjugais? Quantos reis, presidentes, patrões, clérigos e chefes de tabanca incorrem no mesmo comportamento? Hoje homens e mulheres, em igualdade de circunstâncias e oportunidade, não concorrem para a mesma prática?  

É evidente que a monogamia é uma convenção social, por vezes reforçada por preceitos religiosos, o que não impedirá os poderosos e os mais instintivos de desrespeitá-la, ainda que de modo dissimulado quando importa salvaguardar as aparências, dando seguimento à poligamia visível na maioria dos mamíferos, dos quais os cães não são excepção. Se deixarmos copular um cão com forte impulso ao poder antes de estar devidamente adestrado e controlado, teremos uma dificuldade acrescida, porque a consumação do acto reforçará a sua tendência natural, poderá criar mais entraves à sua submissão e dar azo a confrontações. Não é por acaso que a castração canina é prática corrente, muito embora seja gratuita e abusiva quando aplicada sobre animais manifestamente submissos, ainda que a coberto de pretensas razões tangentes à medicina preventiva.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

SALVOS POR UM RIBEIRO NA SERRA DA ESTRELA

À porta de um Convento levado a cabo pelo mesmo arquitecto do Mosteiro dos Jerónimos, ouvi uma conversa entre amigos que divido agora com os nossos leitores. Determinado pároco, destacado para várias paróquias no Sul do País, organizou em determinada ocasião uma viagem à Serra da Estrela, no intuito de satisfazer o desejo dos seus paroquianos em ver neve. A viagem correu sem problemas, não fora o vigário no seu comando, todos levaram farnel e roupa para o frio, dormitando alguns no seu trajecto enquanto outros cantavam hinos de louvor ao Senhor. Tudo corria dentro da mais pura e santa paz, ainda que um ou outro se sentissem enjoados ou acossados de dores nos ossos pela demora da viagem.
Chegados ao sopé da Serra, foram-na subindo gradualmente, porque a cada 100 metros que subiam a temperatura diminuía 1 grau celsius. Ao pararem em determinada localidade, cujo nome já não lembram (coisas da idade), avistaram numa encosta um pastor com o seu rebanho e dois cães Serra da Estrela. Como a maioria daqueles viajantes era de origem rural, aquele quadro cativou alguns deles que de imediato se aproximaram de máquina fotográfica em punho. Sem que eles contassem, malogrados os esforços do pastor, um dos cães enfureceu-se e correu vertiginosamente na sua direcção. Sem saber o que fazer, entregaram prontamente as almas ao Altíssimo na esperança de que o malvado cão não lhes causasse grande dolo, tremendo que nem varas verdes à medida que o molosso se aproximava.
Quando tudo parecia perdido, eis que o cão estanca junto a um ribeiro que os separava, que não tinha mais de 6 metros de largo, rosnando dali e retornando minutos depois ao rebanho. Segundo o relato, aquela gente ainda não sabe hoje por que razão o cão não se fez à água, havendo na altura alguns que atribuíram o facto à intercessão da Virgem dos Aflitos, considerando ter ali havido um milagre. Ao ouvir tal relato não me contive e adiantei-lhes por que razão o cão não atacou aqueles viajantes: simplesmente porque era um Serra da Estrela e a maioria deles não sabe nadar e tem pavor à água, facto que comprovei ao longo dos anos em que criei e treinei estes cães portugueses de montanha, que em terra firme são leões e dentro de água uns cordeiros pingados e desesperados.
Para além do pitoresco da história, ela encerra uma verdade absoluta e urgente: todos os Serra da Estrela necessitam de aprender a nadar, porque doutro modo acabarão afogados, já que apenas esbracejam, desusam os membros posteriores, acabando por rodopiar sobre si mesmos até que a exaustão os condene ao afogamento (mesmo depois de aprenderem, raro é aquele que se sente cómodo dentro de água). E nisto o Serra da Estrela não é único, pois a maioria das raças pertencente ao seu grupo somático apresenta a mesma aversão e dificuldade. A maneira mais fácil para ensinar um Serra da Estrela a nadar é entrar dentro de água com ele atrelado, em águas onde o dono tenha pé para melhor poder valer ao animal. Quando o cão começar a esbracejar, por se encontrar fora de pé, o dono deverá puxá-lo pela trela para a frente, o que o fará transitar da posição vertical para a horizontal, induzindo-o assim ao uso dos membros posteriores. O exercício está ganho quando o cão já consegue nadar sem o auxílio da trela, o que não é fácil e sempre carece de recapitulação. Em Portugal e noutras latitudes, a ocorrência de milagres é directamente proporcional ao grau de ignorância.

A CLONAGEM CANINA E A PROCURA DA IMORTALIDADE

O nascimento de dois cachorros de raça Boxer a partir das células dum já falecido, vítima de um tumor cerebral, mereceu especial destaque na imprensa britânica em Dezembro do ano transacto, por ser a primeira vez que se aproveitaram células dum cadáver com sucesso para se gerarem dois clones vivos e a ele idênticos. A proeza coube à controversa fundação sul-coreana “Sooam Biotech Research Foundation”, na crista destes avanços científicos, que recebeu pelo encargo a módica quantia de 67.000£ (84.633.29€), honorários pagos por um casal britânico que nunca se conformou com a perca do seu cão “Dylan”. Os cachorros irão ser entregues aos seus proprietários no próximo mês de Julho e os felizes contemplados fazem ainda questão de adoptar as duas cadelas que serviram de “barrigas de aluguer”.
Indo para além das questões éticas que rodeiam a clonagem, sabemos que os clones caninos ainda apresentam um quadro clínico complicado, um conjunto de afecções e doenças não presentes nos que lhes serviram de modelo, o que lhes diminui o bem-estar e a esperança de vida, restando saber se a nível psicológico subsistirão também algumas diferenças ou menos valias. Certo é que os cães para serem iguais ao seu dador, para além da genética, irão necessitar do mesmo quadro experimental, considerando as lições fornecidas pela própria vida, ainda que a olho nu não sejam visíveis grandes diferenças pela evidência da similaridade, uma vez que aparentam ser réplicas autênticas. A clonagem de cães, ao alcance de pouca gente atendendo ao seu custo actual, quando cabalmente alcançada, poderá perpetuar a excelência de cães idos e trazê-los para o presente, replicar os mais aptos e saudáveis que por algum motivo nunca se reproduziram. Em simultâneo, poderá também dar continuidade aos mais nefastos e malvados, ainda que muito apreciados pelos seus donos. Ao momento, por causa da raridade destes clones, desconhece-se se são adestráveis e qual o seu comportamento e desempenho no adestramento clássico.
Como não temos a certeza que a clonagem só perpetuará os melhores cães e os mais aptos, somente a entendemos válida para a replicação de órgãos, como meio excelente para valer e diminuir o sofrimento dos cães que temos em mãos. Esta técnica de obtenção, a partir de cultura, de numerosas células vivas idênticas através duma célula única, não pode ser desligada do desejo humano em alcançar a sua própria imortalidade, servindo os animais como cobaias para esse intento. Apesar da clonagem humana se encontrar proibida por todo o Globo, não nos custar acreditar, conhecendo a natureza humana, que é ela já foi ou tem sido experimentada em algum lado, considerando que ninguém quer morrer e a morte pode ser vencida. Não vamos aqui especular sobre essa possibilidade e futura prática, porque não conseguimos imaginar como será o mundo quando isso acontecer e as suas implicações. Há quem diga que quando isso acontecer o fim do mundo está próximo por usurpação do papel do Criador. Será? De qualquer modo, pelo menos até ao momento, os indivíduos Rh negativo não podem ser clonados, como é o meu caso, facto que certamente encherá de alegria os meus adversários, gente que tanto adoro e que de alguma forma me mantém vivo, pela quebra da monotonia, necessidade de engenho e pelo calor da peleja, incentivando-me de sobremaneira a ajudar os que de mim precisam (e eu deles).
Voltando ao casal britânico que mandou clonar o seu Boxer e atendendo ao montante que despendeu, diante do mundo em que vivemos, não podemos deixar de ficar estupefactos, porque melhor seria que valessem a outros iguais do que se terem enfronhado pela desmedida cinofilia, o que não esconde um narcisismo latente e um hedonismo exacerbado (caso pudessem ser clonados não o fariam?), já que com aquele dinheiro, caso não pudessem ou não quisessem ter mais filhos, podiam valer a grande número de crianças carenciadas, muitas delas morrendo a cada dia que passa ou a tantos outros necessitados. Nascer e viver na parte boa do mundo é óptimo mas não nos livra de loucuras destas! Contudo, vendo as coisas pela positiva, eles acabaram por subsidiar uma avançada investigação científica sempre carenciada de fundos.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

SIM, ELES APRENDEM COM OS SEUS ERROS


Diz-se que só os homens aprendem com os seus erros mas dum jeito ou de outro todos os animais o fazem motivados pelo instinto de sobrevivência, caso contrário há que muito que estariam extintos por ausência de adaptação. É sabido que os mais instintivos tendem a desaparecer precocemente e que os predadores melhoram consideravelmente o seu desempenho com o treino e o tempo, esmerando-se nos métodos e alcançando novas presas quando necessário. Dos animais que temos mais à mão, o cão é aquele que melhor se adapta, exactamente porque possui poucos instintos e é rico em personalidade, aprendendo em simultâneo com as experiências positivas e negativas que nele se constituem em lições de vida, o que realça a importância do impulso ao conhecimento, primeiro responsável pelo maior ou menor sucesso no seu ensino, busílis que muitos canicultores olvidam para mal dos seus pecados e que acabará por comprometer o bom-nome dos animais que criam pela diminuição da sua procura. De que valerá um cão saudável, robusto e valente se apresentar dificuldades na aprendizagem?
Ninguém duvida que o “reforço positivo” é o melhor dos métodos para ensinar todo e qualquer cão, que é de fácil assimilação para os donos e do agrado dos cães, um verdadeiro hino à sã e mútua convivência. Mas se subtrairmos dele as experiências negativas pelo concurso exclusivo do facilitismo, alguns cães tornar-se-ão bobos, pouco regrados, disparatados e despreparados para os perigos que os cercam, vendo assim comprometida a sua salvaguarda pela experiência repetitiva que não os alertou para a realidade à sua volta e que obstará também à identificação dos seus inimigos, aumentando assim a sua vulnerabilidade, o que é contraproducente para os cães em geral e fatal para os de guarda. Contudo, tal não deverá impedir o maior peso da recompensa no seu ensino. Sim, os cães deverão experimentar também o insucesso para que, mediante os seus erros, encontrem a solução adequada, desde que este não se constitua em trauma e sempre obrigue a um final feliz pelo engenho, incentivo, agrado e supervisão dos seus mestres. Se errar é humano como dizem, só o errar dos cães os levará ao acerto porque nasceram para agradar e são naturalmente competitivos.
O aumento das dificuldades, que deverá ser gradual e só proposto depois de vencidos os exercícios anteriores, estimulará e desenvolverá o impulso ao conhecimento que herdaram, benefícios mais profícuos e visíveis na sua fase plástica, estágio que atravessam antes de atingirem as suas maturidades sexual e emocional e que os levará à excelência cognitiva, ao desembaraçar de um conjunto de situações que encontrarão ao longo da sua vida. Estimular o acerto é obrigatório para quem ensina, nem quer por vezes tenhamos de lhes contar a história da frente para trás, porque ao invés de “verem a luz no final do túnel”, só a vêem depois dele ultrapassado. O hábito salutar de colocar problemas aos cães com indicadores por eles perceptíveis irá torná-los mais aptos e menos dependentes, autonomia procurada naqueles cujo serviço não conta com a presença habitual dos seus donos, até porque mais importa, em termos de trabalho, o desenvolvimento do seu córtice cerebral do que a morfologia da sua cabeça, havendo inúmeras ocasiões, nomeadamente nas desvantajosas, em que mais importa esquivar-se do que “dar o corpo ao manifesto”. Um cão valente morre na peleja e um convenientemente preparado aguarda ocasião e procura a vantagem. Assim, não é errado dizer-se que o nível de aptidão dum cão reflecte normalmente a encontrada no seu dono, que será mais ou menos capaz de acordo com a capacidade de quem o ensinou. Geneticamente subsistem cães com diferentes graus de aptidão, mas todos podem vê-la substancialmente aumentada. Para tudo é preciso ter sorte e há cães que não têm nenhuma.
Hoje mais do que nunca, os cães são obrigados a lidar com um sem número de dispositivos mecânicos, eléctricos e electrónicos no seu quotidiano e desempenho das suas missões, tanto os civis como os militares, quer se destinem à parceria, ao auxilio, à procura, à protecção, ao desencarceramento, ao salvamento ou ao resgate de pessoas, o que faz do adestramento um tremendo desafio e obriga os canicultores à produção de cães mais curiosos, mais disponíveis e com maior versatilidade, porque se assim não procederem, correm o risco de passar os seus cães à história, onde os dinossauros os esperam em conjunto com outros já desaparecidos, todos eles inadaptados, porque tudo o que é imprestável acaba preterido e desprezado. Melhor seria que trabalhassem em conjunto com os adestradores porque estes melhor do que ninguém, ao testarem objectivamente os animais, poderão indicar-lhes com menor margem de erro quais os progenitores mais habilitados e recomendáveis. O cão não é um produto de primeira necessidade mas torna-se imprescindível quando os seus méritos são insubstituíveis.

CASOU-SE GRAÇAS AO CÃO

É conhecido o fascínio que os alunos nutrem pelos adestradores e muitos dos “mestres”, ao aproveitarem-se disso, são autênticos coleccionadores de alcova, vivendo mil aventuras e destroçando inúmeros corações, que à imitação de alguns equitadores, são apreciados pela sua liderança, resolução, prosápia e técnica, num mundo onde são reis e senhores, onde põem e dispõem, exalando poder e despertando admiração. Assim continuarão enquanto houver mundo, a atracção se faça presente e enquanto os homens cederem às suas paixões. Não há nisto novidade alguma porque o mesmo se passa nos transportes públicos, no emprego, no mundo das artes, nos ginásios, nas escolas, nas faculdades e em todos os lugares comuns, já que ninguém gosta de estar só e todos queremos ser desejados e acarinhados.
Sentado num café, de passagem pelo Distrito mais meridional da Estremadura portuguesa, a beber a protocolar coca-cola, que álcool só bebo entre amigos e gente de confiança, chamou-me à atenção a conversa de duas senhoras, ambas de trinta e poucos anos, morenas, bem-dispostas, desinibidas, de cabelo pintado, longilíneas, com shorts ousados e collants pretas, totalmente indiferentes ao mundo ao seu redor. A minha curiosidade foi despoletada por falarem acerca de cães e dos milagres que eles podem operar, como parece ter sido o caso, já que uma amiga delas, ao comprar um cão, acabou por se casar quando já pensava ficar para tia. Segundo o que ouvi e de que não faziam segredo, a dita senhora, de idade sensível à delas, acabou por encontrar marido ao sair com o seu Labrador à rua, por se cruzar com um cavalheiro que passeava à mesma hora o seu Buldogue Francês, nascendo o romance do encontro entre donos e cães. De acordo com este relato é por demais visível a vantagem dos cães sobre os gatos, porque os felinos ninguém  passeia e raramente saem à rua. Ao invés, os cães a tudo se prestam e parecem ter agora um novo serviço: cão de engate, o que é uma mais-valia para os encalhados e menos extrovertidos. Quer casar? Compre um cão. E se não estiver receptivo a novos encontros, é melhor deixar o cachorro na loja!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

CONSIGO FAZER TUDO MENOS ISTO!


Há uns anos atrás, numa cidade industrial dos arredores de Lisboa, terra de gente vaidosa, boa pinga e conhecida pelo seu Carnaval, desloquei-me a uma clínica veterinária, que já naquele tempo tinha separado o consultório da loja da venda de acessórios, como hoje a lei exige, no intuito de comprar um termóstato para um aquário. Deparei-me na entrada da clínica com binómio constituído por um jovem e um pastor alemão, ambos com boa apresentação e exalar algo de marcial, o que de imediato me chamou à atenção. À distância vi que o cão obedecia pronta e irrepreensivelmente às ordens do seu líder, o que muito me agradou e levou-me a interpelá-lo. Disse-me que o cão era seu e quando lhe perguntei onde tinha aprendido a ensinar cães, adiantou ter sido na Polícia Aérea. Contente com o que vi, abandonei-os e de imediato dirigi-me à loja de acessórios.
Ainda não tinham decorrido cinco minutos, o veterinário entra-me pela porta dentro com um ar extasiado e a pedir auxílio, porque o dito cão, necessitado de ser vacinado, resistia a entrar no consultório, virando-se contra o dono e intentando carregar sobre o clínico. Não queria acreditar no que ouvia por duvidar tratar-se do mesmo cão. Estupefacto, inquiri junto do dono a razão daquele fenómeno e comportamento, ao que ele me respondeu: “consigo fazer tudo menos isto, cada vez que tenho de ir ao veterinário é uma tourada”, justificação que não me convenceu e que me fez pensar estar na presença de um “anjinho”. Mandei o veterinário e o rapazola para dentro do consultório e peguei no cão com a trela curta, porque intentava morder-me e amarinhar por mim, persistindo decididamente nos comandos direccionais perante as suas tentativas de recuo. Em segundos entrámos no consultório e perante a resistência oferecida, vi-me obrigado a imobilizá-lo e a deitá-lo de lado no chão, porque doutro modo a marquesa ia pelos ares.
O veterinário perguntou ao jovem quais as vacinas que o animal tinha em atraso, ao que ele lhe respondeu serem as anuais e a anti-rábica. Aquele clínico não tinha por hábito e com razão, dá-las todas em simultâneo mas atendendo às dificuldades e à minha esporádica presença não lhe sobrou outro remédio. Enquanto eu mantinha o joelho esquerdo sobre o flanco do cão e a mão direita a imobilizar-lhe a cabeça, disse para o dono: “há que aproveitar a ocasião, a coisa não está fácil e como tal, vai levá-las todas de uma vez”. Resta dizer que o animal nem tugiu nem mugiu e saiu da clínica como se nunca houvesse lá estado. O veterinário agradeceu-me o favor e sentiu-se na obrigação de me alertar para a marosca que um aluno me estava a fazer, um sujeito franzino, de bigode ralo e ares de grandeza, mais ambicioso do que técnico, cuja teoria estava longe da prática, apostado em me fazer concorrência, em abrir uma escola canina e dizendo-se meu “colaborador”, apesar de nunca ter sido prestável e ser imprestável para o ofício (hoje está na berra e continua a ter medo dos cãozinhos, fazendo jus ao aforismo que diz: “em terra de cegos, quem tem um olho é rei”. Desejo-lhe sorte).
Decidi contar-vos esta história verídica por causa da obediência canina, já que nenhum cão tem mais ou menos obediência, ou tem-na ou não a tem, porque precisamos dela não nas circunstâncias ideais mas nas extraordinárias, quando é imperativo que ela aconteça para a salvaguarda binomial. E como a maioria dos binómios actuais merece justamente a designação de “equipa”, havendo por aí muita gente que confunde ambos os termos, alguma até fardada que usa o primeiro e demonstra a adopção do segundo, estou a lembrar-me de um bate-boca que me causou alguma estranheza e no qual não quero acreditar. Segundo ele, em determinada força policial, quando um cão rosna para o seu tratador, este fica automaticamente dispensado do concurso do animal, ficando o cão a aguardar dias melhores, por vezes por tempo infindo na solidão do canil, não vá o homem requerer os bons préstimos de um assistente social, devido à tensão que obsta ao seu bem-estar e o induz à depressão. Não posso acreditar nisto, pois creio no domínio do inteligente sobre o irracional e porque sei que neste mundo não subsistem problemas que não possamos resolver, apesar de também saber que tanto o engenho como a capacidade de sacrifício diferem de homem para homem. Sobre isto vêm-me à memória duas frases já batidas: “quem tem calos, não se mete em apertos” e “quem não quer ser diabo, não lhe veste a pele”.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país obedeceu à seguinte preferência:
1º Brasil, 2º Portugal, 3º Estados Unidos, 4º Ucrânia, 5º França, 6º Angola, 7º Moçambique, 8º Rússia, 9º Alemanha e 10º Irlanda.

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS


O Ranking semanal dos textos mais lidos ficou assim ordenado:
1º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011
2º _ A CURVA DE CRESCIMENTO DAS DIVERSAS LINHAS DO PASTOR ALEMÃO, editado em 29/082013
3º _ O CÃO JOVEM (DOS 7 AOS 18 MESES): DA PUBERDADE À MAIORIDADE, editado em 26/10/2209
4º _ CONVERSAS SOBRE PASTORES ALEMÃES À MESA DO CAFÉ, editado em 09/08/2014
5º _ ALPHA: UM ÁS SEM BETA E UM AMIGO PARA SEMPRE, editado em 01/07/2010
6º _ SERÁ O BOERBOEL UMA BESTA APOCALÍPTICA?, editado em 02/05/2015
7º _ PACHÓN NAVARRO: UNIR EL PASADO AL PRESENTE, editado 01/07/2015
8º _ O CÃO LOBEIRO: UM SILVESTRE ENTRE NÓS, editado em 26/10/2009
9º _ FOGE CÃO, QUE TE FAZEM BARÃO. PARA ONDE? SE ME FAZEM VISCONDE, editado em 23/01/2015
10º _ O SONHO DO LUPINO PORTUGUÊS E O PERRO LOBO MALLORCAN, editado em 18/08/2015

O BLACK E EU

Carente de descanso e necessitado de retemperar as forças, retirei-me estrategicamente para uma estância balnear piscatória estrangeira, donde estou a actualizar este blogue, que carece de actualização desde 10 de Dezembro do ano transacto. A minha ausência prolongada, que também se deve a razões ligadas à saúde, apanhou de surpresa amigos, alunos e leitores desta publicação, que temendo o pior muito têm telefonado e enviado mails, cuidado que agradeço e gente que desejo serenar, porquanto me encontro bem, com a saúde recuperada e com desejo de voltar o mais cedo possível ao activo. Neste último mês tenho tido a companhia do Black, um Pastor Alemão negro, com 18 meses de idade, meia-linha e entendido hoje como cão de trabalho, parente doutros que treinei recentemente, com grande percentagem de lobeiro na construção, que tem tanto de meigo como de estarola, para além de manifestar sintomas inequívocos de insuficiência pancreática endócrina.
O "rapaz" tem evidenciado uma capacidade atlética acima do normal e uma disponibilidade louvável, apesar de desconcentrado e dado a improvisos de vária ordem, porque se excita facilmente e tende a ensurdecer-se, fazendo o que lhe peço de acordo com os estados de ânimo que atravessa, pormenores que mais alimentam a saudade que tenho dos meus pastores negros, compactos, rústicos, concentrados, observantes, auto-disciplinados e dedicados. Parece que já não se fazem pastores alemães como dantes, porque se comportam agora como Malinois, tendência e referência respeitadas por muitos criadores de pastores alemães actuais, que rompendo com o passado, criam agora cães que não são uma coisa nem outra. Engana-se quem julgar que o fenómeno é nacional, porque a tendência vem da origem e espraia-se pelo Globo, talvez porque os canicultores do Deutscher Schäferhund estejam agora a correr atrás do prejuízo, porque se viram ultrapassados pelos méritos do cão belga, notoriamente mais instintivo, menos exigente e substancialmente mais barato, ainda que imprevisível, pouco seguro, dado a confrontos gratuitos e com algumas dificuldades de travamento.
O Black, cuja educação foi descuidada e praticamente esquecida, rosna quando lhe mexem na comida, apesar de ter pouco apetite e do seu aparelho digestivo ser frágil, intenta saltar os muros do quintal por iniciativa própria (que têm mais de 2m), reboca quem o conduz na via pública, não está sociabilizado e tenta cair em cima de qualquer cão que com ele se cruze, não respeita o mais elementar dos alinhamentos e passa a vida a farejar e a marcar território na rua. Em casa comporta-se bem (quase não se dá por ele), não larga odor, é silencioso, limpo, adora transportar brinquedos e outros objectos, deita-se sempre ao meu lado e acompanha-me de dependência em dependência, características que me levam a acreditar nele e a não desistir de adestrá-lo.
Não esperava encontrá-lo nesta altura da minha vida, muito embora me agradasse adquirir um pastor alemão negro para os meus dias mais maduros, porque são inigualáveis, dão pouco trabalho a ensinar e mantêm com os dons um entendimento superior. Bem sei que o Black não corresponde em absoluto a estas características, mas como diz o povo: " a cavalo dado não lhe olha a dente" e "quem não tem cão, caça com gato". No fundo ele é o menos culpado e eu sinto-me na obrigação de melhor o adaptar para a vida urbana. Com ele tenho passado os últimos dias e pouco descanso me tem dado. Contudo, corro por gosto e dou continuidade a uma das minhas vocações predilectas.