terça-feira, 22 de janeiro de 2013

MANIFESTAÇÕES DE UM CÃO MUITO PERIGOSO: O COBARDE

Desenganem-se os mais confiafos: o cão cobarde é um animal muito perigoso, em bruto ou aproveitado, e não deverá ser interpretado como inofensivo. A cobardia presente nalguns cães actuais deve-se a um resquício atávico que ainda não eliminámos ou não quisemos eliminar, directamente ligado ao lobo e a outros canídeos usados na construção das distintas raças, naturalmente instintivos e desconfiados. Também por isto, pelo entender que nos deu a experiência e pela observação das selecções operadas por outros, dizemos: um cão é tanto melhor, quanto menos lobo tiver! Ainda antes do Ocidente ter conhecimento objectivo do Lobo Checo, coisa facilitada pela Perestroika, já nós (Acendura Brava), alguns criadores holandeses e grande número de norte-americanos, se havia dedicado à criação e estudo dos híbridos provenientes do Lobo. Uns e outros viram o seu trabalho desperdiçado e os americanos acabaram sujeitos a um conjunto de disposições legais, mercê do dolo perpetrado pelos seus híbridos.  O Lobo Italiano, cruzamento entre o Lobo da Sardenha e o CPA, que acontece mais tarde, dentro do mesmo propósito, teve como objectivo a produção de animais excepcionais para acções de resgate, policiais e militares. Duvida-se que os italianos tenham conseguido padronizar um comportamento e um desempenho aceitáveis. À parte disto e como mostra do nosso empenho, na companhia do Sr. Filipe Pereira, assistimos algumas vezes à primeira ninhada de lobos nascida no Centro de Recuperação do Lobo Ibérico (a do Sândalo e da Morena), seguindo as orientações do Sr. Robert Lyle, seu fundador, depois de visitarmos amiúde a alcateia residente na Tapada Real de Mafra. Será quem ainda subsiste, apesar do flagelo da leishmaniose e de tanta consanguinidade?
Há por aí muita cobardia entendida como valentia que a muitos encanta ou engana, em especial os incautos, os menos esclarecidos ou os mais engenhosos, porque os primeiros nada esperam, os segundos andam deslumbrados e os últimos sempre espreitam vantagem. O cão cobarde é pródigo em ataques de surtida, carrega sobre os mais fracos e submete-se aos mais fortes, prefere observar do que ser visto, desconfia naturalmente de estranhos por se sentir ameaçado, usa a manha para não trabalhar, faz chantagem emocional, mostra-se injustiçado, reage negativamente a alguns fenómenos naturais, tende ao isolamento, treme diante da repreensão, abomina o trabalho de equipa e pode morder por pânico. Diante dum panorama destes, o que dizer da necessidade da sociabilização, enquanto pilar da reeducação e da reabilitação? Será que todas elas se destinam somente aos cães valentes? Claro que não! A sociabilização é também o melhor dos meios para a reabilitação destes cães.
Podemos transformar um valente num cobarde, acorbardá-lo parcial ou totalmente? Sim! Certo tipo de condicionamento criminoso a isso induz, através de retrocessos pedagógicos que procuram respostas instintivas parciais ou absolutas. No entanto, duvidamos das intenções desses “pedagogos” e pomos em causa, como é óbvio, o seu amor pelos cães, que não deve ser nenhum! Se à ausência da sociabilização (inter pares, com outros animais e com os humanos), que já é mal que chegue, somarmos o isolamento forçado, a restrição absoluta de contacto, um encarceramento austero, prolongado e mal iluminado, a prática sistemática de maus tratos, a proibição de algumas expressões verbais, a alteração das rotinas, o recurso à fome e à sede, a substituição das dietas e a proibição de sair à luz do dia, qualquer cão se acobardará e virará bicho! Há ainda para além disto, engenhosos que adicionam, esporadicamente, pequenas quantidades de salitre, carvão e enxofre à razão de 75, 15 e 10%, sujeitando os cães a convulsões dolorosas no intuito de lhes reavivarem os instintos, chegando alguns a padecer. A castração continua a ser o meio mais “limpo” e usado para quebrar o ímpeto aos valentes e tem agravado a insegurança e a dependência dos cobardes, limitando-lhes de sobremaneira a autonomia, e tudo isto em abono da comodidade dos donos!
Não é difícil condenar o que acima se descreveu, mas há muita gente que continua deliberadamente a encerrar os seus cães em espaços exíguos e mal iluminados, por razões estéticas ou pseudo-funcionais,  enjaulados dentro de boxes por horas a fio e cães condenados à morte por causa disso, ou por outra: por serem considerados perigosos! Mesmo sem a terapia de choque adiantada no parágrafo anterior (que rasa a tortura), qualquer cão pode manifestar acções cobardes, quer elas sejam herdadas, aproveitadas, induzidas ou disfarçadas. Temos por norma usar o treino para dar combate à cobardia, muito embora  possa ser usado para a aproveitar ou escamotear. O seu aproveitamento, por exemplo, facilita a ocultação e o ataque de surpresa de alguns cães, que geralmente atacam pelas costas e quando menos se espera. A habilidade de dissimular a cobardia, própria dos adestradores mais engenhosos, passa pela familiarização que evita o pânico e que garante a experiência feliz pela recompensa. Ao longo da vida temos ouvido enaltecer aqueles cães que, não mordendo à entrada, só atacam os visitantes á saída. A maioria destes animais, por muitos entendidos como extraordinários, não foi objecto de algum treino específico ou capacitação para isso, antes arranca movida por um ou mais instintos. Se por acaso for mal sucedida, bem depressa abandonará a façanha e permanecerá escondida por mais tempo. É evidente que qualquer valente, depois árduo trabalho e uma vez o alcançado o condicionamento, poderá comportar-se de igual modo e se necessário contra-atacar. É importante relembrar, nesta caminhada que tem dezenas de milhares de anos, que ontem como hoje, a escolha dos cães tem assentado sobre os indivíduos mais dóceis e manobráveis, o que muito tem facilitado o treino e as suas prioridades: o controlo dos instintos, a potenciação dos impulsos herdados e o robustecimento do carácter canino. Não obstante, porque é mais fácil e exige menos empenho, nesta era “do aqui” e “agora”, há quem procure cães mais instintivos e use métodos que apenas visam o seu aproveitamento, cambiando a verdade objectiva pela subjectiva que a muitos engana e satisfaz, já que a maioria das pessoas tem medo de cães, ainda que o não diga e que acabe por adquirir um.
Poderá um dono cobarde induzir, voluntária ou involuntariamente, um cão à cobardia? Sim, sem dúvida, por inacção, desprendimento, refreamento, punição ou castigo. No entanto, os donos mais medrosos tendem a fazer cães valentes e os donos mais tesos a subjugá-los em demasia, uns pela impropriedade da liderança e os outros pelo abuso da autoridade. Só a regra poderá evitar os ataques instintivos, mormente os cobardes e de difícil controlo, o que nos obriga a dizer que o treino de guarda é mais do que necessário para certo tipo de cães, porque põe em pé de igualdade a prontidão e a cessação dos ataques, induz à escolha certa dos alvos, estabelece protocolos e submete as acções caninas à ordem expressa, factores que aumentam exponencialmente o domínio sobre o lobo doméstico, tornando-o eficaz e quase absoluto. O antropomorfismo presente nalguns donos, que os leva a considerar os cães seus iguais, quando lamechas, tem um efeito contrário, porque pode suscitar protecção desnecessária e motivar os cães para ataques instintivos, inesperados e de surtida. A verdadeira relação de paridade é aquela que reconhece as diferenças, distribui as tarefas e procura a complementaridade.
O combate à cobardia canina está por detrás de todos os métodos presentes no adestramento, quer se ensine obediência ou outra das suas disciplinas clássicas. O aproveitamento da cobardia pressupõe acções fratricidas, tiradas a partir dos instintos caninos, desconsidera os seus efeitos e despreza o bem-estar animal. Os cães que se tornaram cobardes, reflectem a ausência duma liderança objectiva e o abandono de que foram vítimas, muito embora a cobardia de alguns resulte da falta de escrúpulos dos seus proprietários, mais apostados no dolo do que na coabitação pacífica, sendo também eles cobardes, gatos escondidos com o rabo de fora!  Não nos custa acreditar que grande número dos cães abatidos ou era cobarde ou foi vítima de algum tipo de cobardia. Voltaremos a este assunto.  

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