quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

QUE DIRECÇÃO TOMAR PARA O ENCONTRAR?


Durante anos, mais por aperto alheio do que por desejo nosso, acabámos por ajudar na procura de cães fugitivos ou desaparecidos com bastante sucesso. E se não encontrámos todos, isso ficou a dever-se ao roubo de alguns e ao anúncio tardio da fuga de outros. Neste último caso, infelizmente, alguns cães já haviam perecido, maioritariamente por atropelamento. Afortunadamente, a fuga dos cães não é muito comum, apesar de existirem raças que mais concorrem para o fenómeno. Pretendemos com este artigo adiantar alguns subsídios para a procura dos cães domésticos em fuga, orientações que agilizarão o seu reencontro e socorro. Para além da análise das causas indutoras à fuga, também adiantaremos algumas medidas preventivas para que ela não aconteça. Comecemos pelas causas.
As causas que induzem os cães à fuga podem ser de natureza instintiva, social ou ambiental, resultando todas elas de algum tipo de carência ou necessidade específica, geralmente despoletadas por estados de ansiedade que podem ser crónicos, continuados, cíclicos ou esporádicos, em consonância com os particulares genético e habitacional de cada indivíduo. Estamos na presença de uma causa instintiva quando o cão sai para caçar, copular ou é impelido pelo instinto de sobrevivência. Os cães que fogem por receio aos fenómenos naturais (avalanches, desabamentos, trovoadas, ciclones, inundações, fogo, etc.), fazem-no movidos por este último instinto e podem reagir do mesmo modo diante réplicas de fabrico humano (explosões, fogo de artifício, fogueiras, foguetes, tiros, etc.), mesmo que accionadas à distância e sem qualquer risco imediato para os animais. O instinto de sobrevivência irá ainda ser responsável pela procura de água e de alimento.
Exceptuando as razões traumáticas acima adiantadas, as fugas por causa instintiva, que tendem a repetir-se e são mais frequentes nos cães sem qualquer tipo de condicionamento (treino), estão geralmente ligadas ao carácter excursionista e predador de alguns animais assim como à sua satisfação sexual. Por norma, os fugitivos por pânico não se afastam muito das redondezas da casa e procuram algum esconderijo, podendo permanecer escondidos durante alguns dias até que a situação se normalize (têm por hábito responder afirmativamente ao chamamento dos donos). Dependendo da boa ou má instalação doméstica, os cães caçadores voltarão ou não para casa, podendo embrenhar-se por charnecas e valados bem distantes do lar, o que poderá dificultar e até mesmo impossibilitar o seu regresso.
Os cães que partem à procura das cadelas com o cio, geralmente detectáveis até 2km da área reservada aos machos, em condições desfavoráveis, porque onde chegar o ouvido de um cão, o seu nariz não tardará, estão preparados para aguentar três semanas de espera sem comer e perder entre 12 e 25% do seu peso corporal, contudo não dispensam a água e nalgum lado terão de a encontrar, o que se transforma numa vantagem para quem os procura, já que a procurarão em cortejo. Costumam voltar após o final do cio das fêmeas, estafados e escanzelados, isto se não forem vítimas de atropelamento ou de outro acidente fatal. Os grupos somáticos caninos que mais engrossam as fileiras das fugas instintivas são os vulpinos e os bracóides, porque a maioria dos lupinos não abandona o seu território e os molossos manifestam pouca tendência excursionista, preferindo a proximidade do tacho da comida à aventura duma refeição incerta. E porque existem excepções, é quase impossível um Labrador pôr-se em fuga ou um Husky deixar de o fazer. Como os cães possuem poucos instintos e não os seguem cegamente, aconselha-se a aprovação no adestramento dos cães ou raças mais instintivas, incompreensivelmente pouco vistos nas escolas caninas, para se evitar a sua fuga e desaparecimento precoce. A participação nas classes escolares de cadelas com o cio, mais cedo ou mais tarde, acabará por instalar a supremacia dos comandos sobre os instintos dos machos. Como é óbvio, os cães caçadores estarão onde houver caça, os “Don Juan” na companhia das cadelas e todos terão por perto uma ou mais linhas de água.
 
As fugas de natureza social, mais comuns nos cães excepcionalmente gregários ou tornados cúmplices pela afeição, acontecem pela necessidade de amatilhamento ou pela procura do dono ausente, e tanto podem suceder no lar, em qualquer hotel canino ou noutro tipo de habitação temporária. Os cães territoriais, perante a novidade da liderança e do território, especialmente os aprovados na contra-ordem, pelo desconforto causado, encetam muitas vezes fugas de retorno a casa, sendo também elas de origem social. As fugas causadas por razões ambientais encontram-se cativas, essencialmente, aos seguintes factores: instalação doméstica imprópria, fome, falta de higiene, ausência de exercício regular e de saídas, confinamento demasiado restrito, hostilidade, violência, agressões, tratamento abusivo, relacionamento deficitário ou distante, isolamento e marginalização. Diante de um quadro destes não se justificará a fuga de um cão? Certamente que sim. Se vier a encontrar um lar onde o tratem melhor, quererá voltar para casa? Certamente que não! Apesar de ser vergonhoso, os cães continuam a fugir por fome, maus tratos e ausência de bem-estar. Nem sempre o destrinçar das causas é fácil, porque a fuga poderá suceder pela combinação de duas ou de todas, porque a inexistência de bem-estar e o isolamento acabam por despoletar os mais básicos instintos caninos, transformando uma fuga de cariz ambiental ou social numa evasão instintiva.
Aconselhamos, mal se constacte a fuga do cão, que de imediato se comunique o seu desaparecimento à GNR ou PSP, Guarda Florestal, Protecção Civil, Bombeiros, canil camarário, veterinários da área, centros de treino mais próximos e rádios locais. As rádios locais solicitarão aos seus ouvintes notícias sobre o paradeiro do animal, geralmente após os noticiários e de modo gratuito. Tudo isto, como se depreende, não irá dispensar o nosso empenho na busca. Quando se intenta procurar um cão em fuga há que considerar 7 factores, a saber: o perfil psicológico do cão, a hora em que o animal desapareceu, a estação do ano, os ventos dominantes na área, a geografia do local, as linhas de água e os locais passíveis de fornecer alimento.
Como não existem direcções previsíveis ou percursos obrigatórios na fuga dos cães, importa considerar primeiro o perfil psicológico do animal, se submisso ou dominante, já que os submissos se afastarão, de início, das localidades e das pessoas, enquanto os dominantes não hesitarão em andar no meio delas, podendo inclusive enfrentá-las. A hora da fuga dar-nos-á uma ideia aproximada da distância percorrida, porque os cães atingem maior celeridade com temperaturas mais baixas e com graus de humidade mais elevados, o que os favorece na retenção da água e os alivia no que à fadiga diz respeito. A estação do ano pode ser determinante para o resgate do animal, isto se a causa da fuga não for de natureza sociológica, já que os cães no Inverno tendem a caminhar para Sul e no Verão para Norte, porque necessitam de condições mais favoráveis para a sua evolução. Nas estações intermédias (Primavera e Outono), dependendo das condições climatéricas, procederão de igual modo. Os ventos dominantes na área também nos podem dar alguns indícios. No princípio da fuga o cão usá-los-á para detectar água, comida e buscar, congéneres, marchando contra eles, atitude que normalmente cessa após 2 horas de caminhada, marchando posteriormente ao favor do vento para retemperar as forças, retomando depois a mesma rota. É evidente que nos estamos a reportar ao Hemisfério Norte, ao nosso particular geográfico (português), e às suas circunstâncias climatéricas, fortemente determinadas pela formação peninsular, pelo Mediterrâneo, pela proximidade do Sahara, pelo anticiclone dos Açores e pelos ventos continentais em direcção ao mar e vice-versa. Alguns cães parecem ser portadores de biosensores que os levam a orientar-se pelo magnetismo terrestre, percorrendo enormes distâncias até ao alcance dos seus alvos.  
A geografia e a topografia locais, nomeadamente a altitude, podem também fornecer-nos pistas, excluindo-se os pontos mais altos por serem inóspitos, escassos em água e não oferecerem abrigo. Por outro lado, os cães citadinos mostram natural aversão por matos altos e vegetação densa e espinhosa. Atendendo a isto, convém ter em mão uma carta topográfica da zona. Actualmente com o advendo das novas tecnologias tudo se torna mais fácil. A procura de água norteará e definirá o trajecto a seguir pelo cão. Para poder continuar a marcha, ele irá necessitar dela para se refrescar e reidratar, voltando atrás se no caminho à sua frente não a puder alcançar. Nem mesmo a maioria dos cães de caça come as suas presas (geralmente matam-nas e raramente as comem). Assim, independentemente do grupo somático a que pertence e da função para a qual foi treinado, o cão irá necessitar de comida nos seus percursos de evasão, necessidade que se tornará imperativa a partir do 3º dia de fuga. Não a encontrando, o seu faro levá-lo-á para junto das habitações ou para os locais de abrigo de outros cães. Os cães acostumados ao dia de jejum semanal têm, em média, uma autonomia até mais dois dias e os acostumados à fome muito mais.
De qualquer modo, por razões ligadas à procura do dono, à exaustão e à fadiga, à fome e ao insucesso, a partir do 3º dia de fuga, alguns cães tentarão encetar percursos de retorno. Apesar desses percursos terem características universais, eles serão delimitados pelos condicionalismos individuais de cada animal, raramente são lineares e apresentam uma evolução círcular de acordo com a extracção dos círculos odoríferos. Irá ser o faro o primeiro dos sentidos que o animal utilizará na procura do ecossistema abandonado, ainda que acompanhado pelo ouvido na procura dos sons que lhe soam familiares, muito embora a rapidez dos percursos fique a dever-se à sua memória visual. Dependendo da distãncia a que o cão se encontra do lar, ele poderá parar, uma ou mais vezes, para se abastecer de água e comida. Para que o percurso de retorno aconteça é necessário que o animal se encontre apetrechado de uma excelente máquina sensorial, tenha excelentes impulsos herdados e seja robusto dos pontos de vista físico e psicológico. Nas grandes distâncias, inexplicavelmente, alguns cães parecem valer-se de algum tipo de percepção extra-sensorial, regressando mediante subsídios inantingíveis pelos seus sentidos.
Porque é tão diminuto o número de cães que regressa a casa? Basicamente por incapacidade, ausência de vínculos afectivos, excessiva carga instintiva, adopção de um novo lar ou grupo, roubo, captura, mutilação e morte. Queremos aqui dizer sem pruridos e à boca cheia, que consideramos falho ou impróprio todo o treino que não aproveita, potencia e desenvolve o olfacto canino, já que um número substancial de cães não regressará a casa pelo desuso desse sentido director. Alguns cães não retornarão porque encontrarão quem  melhor os estime, outros não sentirão essa necessidade por desajuste instintivo, um pequeno número deles será adoptado ou roubado e muitos acabarão mutilados ou mortos, vítimas de abate, afogamento, atropelamento, congelação, desidratação, electrocutamento, envenenamento, estrangulamento, exaustão, fraqueza, fulminação e também dos bons ofícios dos canis terminais municipais. Após consulta dos nossos arquivos relativos ao resgate de cães, descobrimos que 98% dos cães fugitivos (na sua maioria machos), não usufruiram de qualquer tipo de ensino, vivendo à corrente ou isolados em quintas e moradias, o que realça a importância do adestramento também nesta matéria.
E porque ainda se roubam cães, agora aqueles cujos donos vivem sem grandes apertos, é mais do que obrigatório ensinar aos bichos acções e percursos de evasão, para que mais depressa se livrem dos seus carcereiros e retornem a casa. Nadar, saltar, escalar, rastejar, escavar, cortar corda e abrir portas, são algumas das acções a incentivar e a desenvolver, assim como advertir os cães para que não ladrem junto aos portões e debaixo do raio de acção dos sprays, porque a manigância passa agora pela latinha dos proventos, com duas borrifadelas vem o cão para as costas sem tugir nem mugir! Depois vem a recompensa, e só por sorte é que o dono não acabará assaltado. Não se esqueça: nunca vá só quando for resgatar o seu cão, quanto mais acompanhado melhor!
Ainda não temos entre nós um serviço que se dedique à procura de cães desaparecidos e é com invulgar relutância que alguém o faz, apesar das recompensas serem avultadas, do trabalho não faltar, de sobrarem por cá cães pisteiros e da tarefa ser de fácil assimilação. Sem disso darem conta, as escolas caninas têm uma bitola mais estreita do que a visível nas linhas dos nossos comboios, já que todo o cão que foge irá necessitar de ensino para não repetir a “proeza”. Não será melhor ir ao encontro das necessidades do que passar dificuldades?
O adestramento é antídoto mais eficaz contra a fuga dos cães, porque prepara em simultâneo homens e animais para a constituição binomial, convidando-os para tarefas comuns com base na cumplicidade que não dispensa o proveito dos vínculos afectivos entre ambos. O cão não nasceu para estar só e passa a esperar do homem aquilo que o bando lhe daria, porque é um animal social que busca aprovação e não dispensa o bem-estar. Duma forma ou de outra, a fuga dos cães sempre aponta para um responsável – o homem. Esperamos que os subsídios que adiantámos sejam válidos e colocamo-nos à disposição de todos aqueles que necessitarem do nosso auxílio.

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