Durante anos, mais por aperto alheio
do que por desejo nosso, acabámos por ajudar na procura de cães fugitivos ou
desaparecidos com bastante sucesso. E se não encontrámos todos, isso ficou a
dever-se ao roubo de alguns e ao anúncio tardio da fuga de outros. Neste último
caso, infelizmente, alguns cães já haviam perecido, maioritariamente por
atropelamento. Afortunadamente, a fuga dos cães não é muito comum, apesar de
existirem raças que mais concorrem para o fenómeno. Pretendemos com este artigo
adiantar alguns subsídios para a procura dos cães domésticos em fuga,
orientações que agilizarão o seu reencontro e socorro. Para além da análise das
causas indutoras à fuga, também adiantaremos algumas medidas preventivas para
que ela não aconteça. Comecemos pelas causas.
As causas que induzem os cães à fuga podem
ser de natureza instintiva, social ou ambiental, resultando todas elas de algum
tipo de carência ou necessidade específica, geralmente despoletadas por estados
de ansiedade que podem ser crónicos, continuados, cíclicos ou esporádicos, em
consonância com os particulares genético e habitacional de cada indivíduo.
Estamos na presença de uma causa instintiva quando o cão sai para caçar,
copular ou é impelido pelo instinto de sobrevivência. Os cães que fogem por
receio aos fenómenos naturais (avalanches, desabamentos, trovoadas, ciclones,
inundações, fogo, etc.), fazem-no movidos por este último instinto e podem
reagir do mesmo modo diante réplicas de fabrico humano (explosões, fogo de artifício,
fogueiras, foguetes, tiros, etc.), mesmo que accionadas à distância e sem
qualquer risco imediato para os animais. O instinto de sobrevivência irá ainda
ser responsável pela procura de água e de alimento.
Exceptuando as razões traumáticas
acima adiantadas, as fugas por causa instintiva, que tendem a repetir-se e são
mais frequentes nos cães sem qualquer tipo de condicionamento (treino), estão
geralmente ligadas ao carácter excursionista e predador de alguns animais assim
como à sua satisfação sexual. Por norma, os fugitivos por pânico não se afastam
muito das redondezas da casa e procuram algum esconderijo, podendo permanecer
escondidos durante alguns dias até que a situação se normalize (têm por hábito
responder afirmativamente ao chamamento dos donos). Dependendo da boa ou má
instalação doméstica, os cães caçadores voltarão ou não para casa, podendo
embrenhar-se por charnecas e valados bem distantes do lar, o que poderá
dificultar e até mesmo impossibilitar o seu regresso.
Os cães que partem à procura das
cadelas com o cio, geralmente detectáveis até 2km da área reservada aos machos,
em condições desfavoráveis, porque onde chegar o ouvido de um cão, o seu nariz
não tardará, estão preparados para aguentar três semanas de espera sem comer e
perder entre 12 e 25% do seu peso corporal, contudo não dispensam a água e
nalgum lado terão de a encontrar, o que se transforma numa vantagem para quem
os procura, já que a procurarão em cortejo. Costumam voltar após o final do cio
das fêmeas, estafados e escanzelados, isto se não forem vítimas de
atropelamento ou de outro acidente fatal. Os grupos somáticos caninos que mais
engrossam as fileiras das fugas instintivas são os vulpinos e os bracóides,
porque a maioria dos lupinos não abandona o seu território e os molossos
manifestam pouca tendência excursionista, preferindo a proximidade do tacho da
comida à aventura duma refeição incerta. E porque existem excepções, é quase
impossível um Labrador pôr-se em fuga ou um Husky deixar de o fazer. Como os
cães possuem poucos instintos e não os seguem cegamente, aconselha-se a aprovação
no adestramento dos cães ou raças mais instintivas, incompreensivelmente pouco
vistos nas escolas caninas, para se evitar a sua fuga e desaparecimento
precoce. A participação nas classes escolares de cadelas com o cio, mais cedo
ou mais tarde, acabará por instalar a supremacia dos comandos sobre os
instintos dos machos. Como é óbvio, os cães caçadores estarão onde houver caça,
os “Don Juan” na companhia das cadelas e todos terão por perto uma ou mais
linhas de água.
As fugas de natureza social, mais
comuns nos cães excepcionalmente gregários ou tornados cúmplices pela afeição,
acontecem pela necessidade de amatilhamento ou pela procura do dono ausente, e
tanto podem suceder no lar, em qualquer hotel canino ou noutro tipo de
habitação temporária. Os cães territoriais, perante a novidade da liderança e
do território, especialmente os aprovados na contra-ordem, pelo desconforto
causado, encetam muitas vezes fugas de retorno a casa, sendo também elas de
origem social. As fugas causadas por razões ambientais encontram-se cativas,
essencialmente, aos seguintes factores: instalação doméstica imprópria, fome,
falta de higiene, ausência de exercício regular e de saídas, confinamento
demasiado restrito, hostilidade, violência, agressões, tratamento abusivo,
relacionamento deficitário ou distante, isolamento e marginalização. Diante de
um quadro destes não se justificará a fuga de um cão? Certamente que sim. Se
vier a encontrar um lar onde o tratem melhor, quererá voltar para casa?
Certamente que não! Apesar de ser vergonhoso, os cães continuam a fugir por
fome, maus tratos e ausência de bem-estar. Nem sempre o destrinçar das causas é
fácil, porque a fuga poderá suceder pela combinação de duas ou de todas, porque
a inexistência de bem-estar e o isolamento acabam por despoletar os mais
básicos instintos caninos, transformando uma fuga de cariz ambiental ou social
numa evasão instintiva.
Aconselhamos, mal se constacte a fuga
do cão, que de imediato se comunique o seu desaparecimento à GNR ou PSP, Guarda
Florestal, Protecção Civil, Bombeiros, canil camarário, veterinários da área,
centros de treino mais próximos e rádios locais. As rádios locais solicitarão
aos seus ouvintes notícias sobre o paradeiro do animal, geralmente após os
noticiários e de modo gratuito. Tudo isto, como se depreende, não irá dispensar
o nosso empenho na busca. Quando se intenta procurar um cão em fuga há que
considerar 7 factores, a saber: o perfil psicológico do cão, a hora em que o
animal desapareceu, a estação do ano, os ventos dominantes na área, a geografia
do local, as linhas de água e os locais passíveis de fornecer alimento.
Como não existem direcções previsíveis
ou percursos obrigatórios na fuga dos cães, importa considerar primeiro o
perfil psicológico do animal, se submisso ou dominante, já que os submissos se
afastarão, de início, das localidades e das pessoas, enquanto os dominantes não
hesitarão em andar no meio delas, podendo inclusive enfrentá-las. A hora da
fuga dar-nos-á uma ideia aproximada da distância percorrida, porque os cães
atingem maior celeridade com temperaturas mais baixas e com graus de humidade
mais elevados, o que os favorece na retenção da água e os alivia no que à
fadiga diz respeito. A estação do ano pode ser determinante para o resgate do
animal, isto se a causa da fuga não for de natureza sociológica, já que os cães
no Inverno tendem a caminhar para Sul e no Verão para Norte, porque necessitam
de condições mais favoráveis para a sua evolução. Nas estações intermédias
(Primavera e Outono), dependendo das condições climatéricas, procederão de
igual modo. Os ventos dominantes na área também nos podem dar alguns indícios.
No princípio da fuga o cão usá-los-á para detectar água, comida e buscar,
congéneres, marchando contra eles, atitude que normalmente cessa após 2 horas
de caminhada, marchando posteriormente ao favor do vento para retemperar as
forças, retomando depois a mesma rota. É evidente que nos estamos a reportar ao
Hemisfério Norte, ao nosso particular geográfico (português), e às suas circunstâncias
climatéricas, fortemente determinadas pela formação peninsular, pelo
Mediterrâneo, pela proximidade do Sahara, pelo anticiclone dos Açores e pelos
ventos continentais em direcção ao mar e vice-versa. Alguns cães parecem ser
portadores de biosensores que os levam a orientar-se pelo magnetismo terrestre,
percorrendo enormes distâncias até ao alcance dos seus alvos.
A geografia e a topografia locais,
nomeadamente a altitude, podem também fornecer-nos pistas, excluindo-se os
pontos mais altos por serem inóspitos, escassos em água e não oferecerem
abrigo. Por outro lado, os cães citadinos mostram natural aversão por matos
altos e vegetação densa e espinhosa. Atendendo a isto, convém ter em mão uma
carta topográfica da zona. Actualmente com o advendo das novas tecnologias tudo
se torna mais fácil. A procura de água norteará e definirá o trajecto a seguir
pelo cão. Para poder continuar a marcha, ele irá necessitar dela para se
refrescar e reidratar, voltando atrás se no caminho à sua frente não a puder
alcançar. Nem mesmo a maioria dos cães de caça come as suas presas (geralmente
matam-nas e raramente as comem). Assim, independentemente do grupo somático a
que pertence e da função para a qual foi treinado, o cão irá necessitar de
comida nos seus percursos de evasão, necessidade que se tornará imperativa a
partir do 3º dia de fuga. Não a encontrando, o seu faro levá-lo-á para junto
das habitações ou para os locais de abrigo de outros cães. Os cães acostumados
ao dia de jejum semanal têm, em média, uma autonomia até mais dois dias e os
acostumados à fome muito mais.
De qualquer modo, por razões ligadas à
procura do dono, à exaustão e à fadiga, à fome e ao insucesso, a partir do 3º
dia de fuga, alguns cães tentarão encetar percursos de retorno. Apesar desses
percursos terem características universais, eles serão delimitados pelos
condicionalismos individuais de cada animal, raramente são lineares e apresentam
uma evolução círcular de acordo com a extracção dos círculos odoríferos. Irá
ser o faro o primeiro dos sentidos que o animal utilizará na procura do
ecossistema abandonado, ainda que acompanhado pelo ouvido na procura dos sons
que lhe soam familiares, muito embora a rapidez dos percursos fique a dever-se
à sua memória visual. Dependendo da distãncia a que o cão se encontra do lar,
ele poderá parar, uma ou mais vezes, para se abastecer de água e comida. Para
que o percurso de retorno aconteça é necessário que o animal se encontre
apetrechado de uma excelente máquina sensorial, tenha excelentes impulsos
herdados e seja robusto dos pontos de vista físico e psicológico. Nas grandes
distâncias, inexplicavelmente, alguns cães parecem valer-se de algum tipo de
percepção extra-sensorial, regressando mediante subsídios inantingíveis pelos
seus sentidos.
Porque é tão diminuto o número de cães
que regressa a casa? Basicamente por incapacidade, ausência de vínculos
afectivos, excessiva carga instintiva, adopção de um novo lar ou grupo, roubo, captura,
mutilação e morte. Queremos aqui dizer sem pruridos e à boca cheia, que
consideramos falho ou impróprio todo o treino que não aproveita, potencia e desenvolve
o olfacto canino, já que um número substancial de cães não regressará a casa pelo
desuso desse sentido director. Alguns cães não retornarão porque encontrarão
quem melhor os estime, outros não sentirão essa necessidade por desajuste
instintivo, um pequeno número deles será adoptado ou roubado e muitos acabarão
mutilados ou mortos, vítimas de abate, afogamento, atropelamento, congelação,
desidratação, electrocutamento, envenenamento, estrangulamento, exaustão,
fraqueza, fulminação e também dos bons ofícios dos canis terminais municipais.
Após consulta dos nossos arquivos relativos ao resgate de cães, descobrimos que
98% dos cães fugitivos (na sua maioria machos), não usufruiram de qualquer tipo
de ensino, vivendo à corrente ou isolados em quintas e moradias, o que realça a
importância do adestramento também nesta matéria.
E porque ainda se roubam cães, agora
aqueles cujos donos vivem sem grandes apertos, é mais do que obrigatório
ensinar aos bichos acções e percursos de evasão, para que mais depressa se
livrem dos seus carcereiros e retornem a casa. Nadar, saltar, escalar,
rastejar, escavar, cortar corda e abrir portas, são algumas das acções a
incentivar e a desenvolver, assim como advertir os cães para que não ladrem
junto aos portões e debaixo do raio de acção dos sprays, porque a manigância
passa agora pela latinha dos proventos, com duas borrifadelas vem o cão para as
costas sem tugir nem mugir! Depois vem a recompensa, e só por sorte é que o
dono não acabará assaltado. Não se esqueça: nunca vá só quando for resgatar o
seu cão, quanto mais acompanhado melhor!
Ainda não temos entre nós um serviço
que se dedique à procura de cães desaparecidos e é com invulgar relutância que
alguém o faz, apesar das recompensas serem avultadas, do trabalho não faltar,
de sobrarem por cá cães pisteiros e da tarefa ser de fácil assimilação. Sem
disso darem conta, as escolas caninas têm uma bitola mais estreita do que a visível
nas linhas dos nossos comboios, já que todo o cão que foge irá necessitar de
ensino para não repetir a “proeza”. Não será melhor ir ao encontro das
necessidades do que passar dificuldades?
O adestramento é antídoto mais eficaz
contra a fuga dos cães, porque prepara em simultâneo homens e animais para a
constituição binomial, convidando-os para tarefas comuns com base na
cumplicidade que não dispensa o proveito dos vínculos afectivos entre ambos. O
cão não nasceu para estar só e passa a esperar do homem aquilo que o bando lhe
daria, porque é um animal social que busca aprovação e não dispensa o
bem-estar. Duma forma ou de outra, a fuga dos cães sempre aponta para um
responsável – o homem. Esperamos que os subsídios que adiantámos sejam válidos
e colocamo-nos à disposição de todos aqueles que necessitarem do nosso auxílio.
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