segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

SEMPRE DA MESMA AÇORDA



Lá para os lados de Murça, terra da porca, nasceu um pastor que acabou fardado em Lisboa, um moço divertido que nunca esqueceu as canhonas (ovelhas), devoto incondicional do deus Baco, tão simples quanto perspicaz, que não conseguimos esquecer. Há mais de vinte cinco anos que não sabemos nada dele, mas as suas “sentenças”, tal qual legado, permanecem entre nós, porque nos fazem rir, espelham a cultura popular e lembram o Portugal de tempos idos. Dele sempre ouvimos: “ quem dá o pão, dá o pau e o pau é o pai da humanidade”. Ainda que a frase possa prestar-se a várias interpretações, as suas premissas desnudam a conclusão: bater faz parte da educação e garante a boa ordem! Mas será que faz?


Apesar de entendermos que à pancada não se educam crianças nem cães, porque todos somos mais ou menos violentos (instintivamente propensos), sempre subsistirão por aí vítimas a querer vitimizar, gente desesperada a apelar á violência, pais a descarregar nos filhos e adeptos do estalo na altura certa, para já não se falar daqueles que simplesmente adoram molhar o bico. O tema transporta-nos para as décadas de cinquenta, sessenta e princípios da seguinte, quando nas escolas primárias imperava a lei da réguada. Passados estes anos, lembrando os que mais apanhavam e aquilo que são hoje, vemos que a pancadaria não gerou doutores e pouco fez pela sua ascenção social, havendo alguns que abraçaram profissões prà traulitada e próprias para descarregar nos outros.


O recurso à violência é uma opção atabalhoada que trava momentaneamente problemas que tendem a perpetuar-se, já que desconsidera as suas causas e não descortina as verdadeiras soluções, sendo por vezes uma manifestação de impotência face á dificuldade de alguém em se fazer compreender. O desespero que despoleta a violência, próprio dos indivíduos menos apetrechados e mais emocionais, também daqueles que nela se deleitam (que afortunadamente são poucos), é uma incapacidade de difícil eliminação porque acontece automaticamente e não resulta de qualquer tipo de aprendizagem. Se considerarmos a violência uma manifestação inquívoca de fratricismo, o que dizer daquela que vitima os cães?


Todos os anos somos confrontados com um par de condutores violentos, gente que substitui os procedimentos pelo castigo e que carrega quando não é obedecida, apesar de nada fazer para ser compreendida. Para estes indivíduos o cão é sempre merecedor de castigo, “porque sabe o que eu quero e está armado em mula!” Sabemos nós, graças aos anos que por cá andamos, que as coisas não são bem assim e que raros são os cães que desobedecem proposital e deliberadamente. Ao invés, o incumprimento da esmagadora maioria deles, se assim se puder chamar, fica a dever-se ao pouco preparo dos seus condutores, que à revelia do que lhes é dito e esquecendo-se que também eles necessitam de instrução, malbaratam os comandos, adulteram a técnica, desprezam os exercícios e não procedem à recapitulação doméstica dos subsídios adiantados na escola. Tal qual tropa paisana e ministro de falso currículo, diante do insucesso e perante o sucesso dos outros, sai um valente esticão, cai uma correada, uma projecção ao solo, uma suspensão inusitada e outras tantas traições que podem ir até ao abandonono da classe. Quando vimos isto, lembramo-nos do filme Casablanca e da célebre frase “ Play it  again Sam!”, porque estamos cansados de assistir ao mesmo filme e do seu elenco de furibundos - enjoados com a mesma açorda. O sucesso no adestramento passa por nos fazermos compreender e a obediência canina pela paciência que clarifica a mensagem e possibilita a sua absorção. O âmago do adestramento não assenta sobre a “lei do mais forte”, mas na transfiguração que leva á identidade, justifica a liderança e constitui o binómio. Como alguém já disse: “adestramento não é doma”, apesar da diversidade das domas por esse mundo fora.

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