“As
pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De
comer galinhas”.
Com este verso de Sophia de Mello Breyner Andersen, que
denuncia aquela sensibilidade hipócrita do “longe da vista, longe do coração”, que
procura o encobrimento de actos deliberados, passamos à história real de um
pequeno cão doméstico em apuros, a decorrer à mesmo hora em que vos escrevemos.
Numa família constituída por um
septuagenário levemente entrevado, a sua esposa acamada e um neto desta a rasar
a maioridade, furtivo, obstinado, revoltado, nada prestável e dado ao
disparate, vive um pequeno cão mestiço, bonito, simpático, tido como perigoso, com
menos de meia dúzia de anos. O animal, que não ultrapassa os 10kg, segundo o
que nos foi contado, ganhou o hábito de morder no pessoal lá de casa. Alarmado
com o sucedido, o dono, que até nem achava graça nenhuma a cães, procurou um
treinador e optou por teiná-lo. O treino correu às mil maravilhas e o cão nunca evidenciou
qualquer comportamento ou atitude hostil, saindo dali sociabilizado, a andar em
liberdade a obedecer prontamente ao seu dono, e tudo isto num só mês!
Por razões não confessas,
provavelmente ligadas a algumas indisponibilidades do seu proprietário, fáceis
de adivinhar, o pequeno cão foi privado
do treino, apesar de muito se ter instado para que nele continuasse, se
necessário gratuitamente. Dois meses após o seu abandono, o dono bate de novo à
porta do treinador, sem cão, acabrunhado, à procura de conselho e ajuda. Ao que
parece, depois de confinado ao terraço e à varanda, aproveitando uma
distracção, o cão fugiu para cima da cama da dona e dali não queria sair. A
incomodada senhora forçou a sua saída e recebeu algumas dentadas na mão que pôs
por fora dos lençóis. O dono do cão, que entretanto desenvolveu vínculos
afectivos com o animal no treino, não lhe querendo agravar a culpa, acusa o
rapazola de não o ter passeado convenientemente, porque antes do sucedido, como
sempre fez, não teve mais de cinco minutos com ele na rua. Apesar da relação
passeio-ataque não justificar de modo algum o desfecho, ficámos sem saber
porque razão o dono não saíu com o animal, delegando noutro essa tarefa, uma
vez que se encontrava em casa.
Decidido a ver-se livre do cão, o dono
foi pedir ajuda a várias associações que se dedicam à recolha de animais, ao
momento superlotadas e sem vagas. Não encontrando ali solução, procurou o
treinador e o seu conselho, sujentando à aprovação deste a hipótese que lhe
parecia mais viável – a do abandono do animal, já que irá viver para a
província e perto duma quinta muito grande. Como o cão nem tem microchip,
bastaria jogá-lo do portão para dentro e pronto. O treinador ficou estupefacto,
de imediato sem palavras, recuperou o fôlego e disse-lhe que mais valia mandar
abatê-lo, ao que o homem respondeu não ter coragem para tanto. O objectivo do
cinotécnico foi o de chamar o dono à razão, ainda que abruptamente, para que
ele tomasse conhecimento da gravidade do acto a que se propunha, o que parece
ter resultado, pois o cão continua vivo e ainda não foi abandonado. Talvez seja
uma questão de tempo, porque o desespero pode “obrigar” este proprietário
canino, mais uma vez, ao propósito de abandonar o pobre animal. A história está
contada, o cão ignora o seu drama e o veredicto que sobre ele cairá. Se algum
dos nossos leitores o quiser adoptar, contacte-nos o mais rápido possível. O
tempo urge. Obrigado.
PS. E já agora, não digam ao dono que
sabem qual seu propósito original, porque é uma pessoa muito sensível!
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