terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A NECESSIDADE DE ARRANJAR UM CULPADO



Apesar de Adão ter culpado Deus por lhe ter dado Eva, por esta o ter induzido à desobediência, Cristo pagou o preço das nossas transgressões e morreu por todos nós. Não obstante, continuamos à procura de culpados, exactamente na mesma cegueira que leva um cão a correr atrás da própria cauda. Sem dificuldade, descaradamente, reclamamos para nós todo ou bem que nos sucede e atribuímos aos outros todo o mal que nos aflige. Esta reacção instintiva, que alguém há-de explicar porquê, coloca-nos em pé de igualdade com os ditos irracionais e nada abona em nosso favor. Como finitos, todos estamos votados ao insucesso e a idéia não nos agrada. Mas não aprenderá o homem com os seus erros? Donde lhe virá o acerto?

No adestramento, quando o insucesso escolar é por demais evidente, contrariamente ao que se prega, não havendo mais ninguém a quem culpar, são os cães que arcam com as culpas e que servem de bode expiatório, como se as suas atitudes não fossem reflexas e não surgissem como resposta às acções dos líderes. Quer queiramos ou não, por detrás da excelência de um cão, está um condutor não menos excelente que melhor soube aproveitar o animal. Infelizmente o inverso também é verdade e irá bater á porta de alguns, o que torna actual a milenar história da burra de Balaâo, já que não é raro, perante os desacertos dos donos, assistirmos ao conserto dos animais.

Ninguém chega ao adestramento vindo do nada e todos carregamos as marcas do que somos e donde viemos, predicados que poderão ou não constituir-se em mais-valias e que implicarão de sobremaneira  na nossa capacidade de resolução. Todos chegamos á cinotecnia já feitos e a maioria de nós irá sofrer profunda alteração, crescer ou decrescer para alcançar a comunicação interespécies. Como o cão é um animal de hábitos e vive dependente das rotinas que vai assimilando, estipuladas ou toleradas por quem o alimenta, não é de estranhar que denuncie alguns características presentes nos seus donos (o cão do improvisador raramente atravessa a estrada pela passagem de peões; o do desregrado pede comida à mesa; o do inactivo torna-se pachorrento; o do desmiolado flui pelo disparate; o do pouco esforçado transforma-se em manhoso; o do muito tolerante tende ao abuso e por aí adiante).


O homem, enquanto por cá andar, dificilmente se queixará de si próprio e reconhecerá a culpa dos seus passos, o engano das suas estratégias, o desacerto das suas opções e a sua falta de empenho, porque lhe é mais próprio queixar-se dos outros, dizer-se vítima da má sorte, furtado de dons e atribuir ao fado a causa dos seus enganos. E quando pega num cão e as dificuldades surgem, essa mnemónica tende a ladaínha e o animal irá aumentar, ainda que sem saber como, o rosário das suas penas. Treinar cães é adestrar homens, é capacitar os donos para a liderança até ao alcance palpável da resposta que garante o trajecto comum sem sobressaltos. Ensinar cães sempre foi fácil, os donos nem tanto!

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