Desde o final do Sec. XIX até aos nossos dias, os homens têm adestrado e aproveitado os cães para os mais variados serviços, servindo-se deles para colmatar dificuldades e alcançar outros tantos benefícios, O cão de trabalho, tal qual o conhecemos hoje, parente próximo dos cães de pastoreio, caça, arena e circo de outrora, começou a germinar nos alvores do Sec. XX, altura em que se assiste ao nascimento mais afincado dos cães ditos especialistas a quem o uso militar não foi alheio, facto comprovado pela participação canina nas duas Grandes Guerras, onde o cão de caça vira sapador, o molosso carregador e o pastor cão de patrulha. A perca progressiva de atribuições militares, intrinsecamente ligada à alteração do modo de guerrear e também a uma maior sensibilização relativa aos direitos dos animais, porque muitos abusos aconteceram, acabou por desmobilizar o cão familiar e transformá-lo em polícia. Posteriormente irá acontecer o boom das classes de trabalho e a proliferação dos centros de treino, uns vocacionados para uma raça específica e outros endereçados a todos os cães, germinados pelo stress pós-traumático de alguns e pelos sonhos incontidos de outros, porque o sonho comanda a vida, continuamos com pesadelos e ainda não nos libertámos da predação.
Sabemos quem disse, pela primeira vez e sem equívocos, que os cães nasceram para trabalhar e que nisso deveriam permanecer, mas será que no início do século passado já se falava de especicismo e se tinha em conta a globalidade dos abusos que iriam ser praticados sobre os cães? Que se saiba, Stephanitz era militar, não um bruxo ou vidente, até porque a maioria dos Cães de Pastor Alemão já há muito que se encontra arredada dos centros de treino, o que nos leva a entender essas palavras como um desejo ou aviso por parte do extinto oficial de cavalaria alemão, cativo à sua época, produto da erudição de então e fruto da experiência que teve. Como se compreende, os cães não nasceram para trabalhar, resultando o seu trabalho da liderança humana e da perca de autonomia que os condenou à dependência. Assim sendo, uma pergunta se levanta: o que fazer com eles?
Não há dúvida que os cães que “trabalham” são mais saudáveis do que aqueles que se encontram sistematicamente enjaulados ou desprezados, que a prática desportiva contribui para o seu bem-estar e longevidade, que a relação binomial é uma resposta positiva para o seu viver social e que o seu sentimento gregário se robustece pela companhia. Mas não sejamos hipócritas, a nossa relação com os cães não é desinteressada, porque mais cedo ao mais tarde todos chegaremos à mesma conclusão, ainda que não o confessemos publicamente: temos cães porque esperamos deles o seu fim terapêutico, porque nos fazem sentir bem e porque com eles recriamos o nosso mundo, tantas vezes distante do que temos e daquele que desejávamos. Não será pura ingratidão instarmos com eles em determinados movimentos ou figuras, sujeitá-los ao nosso gozo e recompensá-los somente segundo as vitórias que nos oferecem? Mas afinal, deveremos ou não treinar cães? Treiná-los somente para nos valerem ou saciarem as incapacidades de outros? Olhando para trás e diante da correria do tempo, onde a sabedoria humana tarda em chegar e tem curta duração, à imitação de muitos prestigiados cinólogos no epílogo das suas vidas, também nós levantamos estas questões, considerando o sucesso relativo, o número dos insucessos e a cegueira das ambições, actos distantes das aspirações naturais daqueles que se deixam conduzir pela trela.
No nosso singelo entender, certamente limitado pela pouca erudição, a centralidade do treino deverá recair sobre os benefícios pró cão e não sobre a sua reciprocidade ou serviço, coisa que geralmente não tarda por força da permuta entre o empenho e a satisfação. Para que isso aconteça e por mais estranho que nos pareça, é crucial educar e capacitar os donos nesse propósito, porque o aforismo “quem tem medo, compra um cão” é aqui impróprio como prática e lição de vida. O objectivo central do adestramento deverá ser a salvaguarda dos cães e todas as suas metas alcançadas a partir disso. Tanto a absorção do conceito como a sua prática subsequente são tarefas árduas, porque obrigam à alteração de hábitos, estabelecem novas rotinas, obrigam a maior disponibilidade e podem alterar o modo de vida e a filosofia reinante nas pessoas até ali. A isso obriga a comunicação interespécies e o compromisso que assumimos diante os animais, tantas vezes esquecido face a outras obrigações. Cada cão deverá ser treinado de acordo com o ecossistema onde se encontra inserido e o treino deverá considerar o particular da sua sobrevivência, contribuir para o seu bem-estar e potenciar os requisitos inerentes à sua boa instalação, facilitar o seu maneio e possibilitar a coabitação harmoniosa na sociedade. O resto, como tantas vezes já vimos, não tardará e virá por acréscimo, caso isso nos interesse.
E respeitando o objectivo central que adiantámos, incluímos como seus subsídios uma boa instalação doméstica, o acompanhamento dos ciclos infantis, o passeio e higiene diários, a prática sistemática da ginástica, o concurso à obediência, o estabelecimento da liderança, o aproveitamento e potenciação da máquina sensorial canina, o uso da recompensa, a novidade de desafios, a sociabilização, a recusa de engodos, a identificação de perigos e inimigos, a aquisição de hábitos de higiene e tantas outras coisas indispensáveis à sobrevivência dos animais, como são também as visitas regulares ao veterinário e uma alimentação adequada. Tudo isto tende a aumentar a cumplicidade binomial e sem ela dificilmente chegaremos à constituição de uma verdadeira equipa e a um entendimento satisfatório e ambivalente. Treinar o cão para sobreviver é ajudar o dono a consegui-lo, porque o adestramento nos nossos moldes tem dois destinatários: o dono e cão. Sabendo quem tem necessidade de se fazer entender, de imediato compreendemos quem necessitará de maior instrução e quem será alvo de melhor aprimoramento, de constante correcção e preparação. É evidente que tudo será facilitado pela relação havida (óptima) entre tratamento e treino. Estamos cá para fazer os cães felizes.
(PS. Deliberadamente este texto não obedeceu às novas regras do recente acordo ortográfico, porque respeitamos a etimologia, a gramática e sintaxe latinas, bem patrimonial que não queremos descuidar e que subsidia a melhor absorção e compreensão das restantes línguas europeias, contra o parecer de outros mais doutos do que nós, exuberantes nos cargos e bem vestidos de fatos, fatos que não podemos ignorar)
Não há dúvida que os cães que “trabalham” são mais saudáveis do que aqueles que se encontram sistematicamente enjaulados ou desprezados, que a prática desportiva contribui para o seu bem-estar e longevidade, que a relação binomial é uma resposta positiva para o seu viver social e que o seu sentimento gregário se robustece pela companhia. Mas não sejamos hipócritas, a nossa relação com os cães não é desinteressada, porque mais cedo ao mais tarde todos chegaremos à mesma conclusão, ainda que não o confessemos publicamente: temos cães porque esperamos deles o seu fim terapêutico, porque nos fazem sentir bem e porque com eles recriamos o nosso mundo, tantas vezes distante do que temos e daquele que desejávamos. Não será pura ingratidão instarmos com eles em determinados movimentos ou figuras, sujeitá-los ao nosso gozo e recompensá-los somente segundo as vitórias que nos oferecem? Mas afinal, deveremos ou não treinar cães? Treiná-los somente para nos valerem ou saciarem as incapacidades de outros? Olhando para trás e diante da correria do tempo, onde a sabedoria humana tarda em chegar e tem curta duração, à imitação de muitos prestigiados cinólogos no epílogo das suas vidas, também nós levantamos estas questões, considerando o sucesso relativo, o número dos insucessos e a cegueira das ambições, actos distantes das aspirações naturais daqueles que se deixam conduzir pela trela.
No nosso singelo entender, certamente limitado pela pouca erudição, a centralidade do treino deverá recair sobre os benefícios pró cão e não sobre a sua reciprocidade ou serviço, coisa que geralmente não tarda por força da permuta entre o empenho e a satisfação. Para que isso aconteça e por mais estranho que nos pareça, é crucial educar e capacitar os donos nesse propósito, porque o aforismo “quem tem medo, compra um cão” é aqui impróprio como prática e lição de vida. O objectivo central do adestramento deverá ser a salvaguarda dos cães e todas as suas metas alcançadas a partir disso. Tanto a absorção do conceito como a sua prática subsequente são tarefas árduas, porque obrigam à alteração de hábitos, estabelecem novas rotinas, obrigam a maior disponibilidade e podem alterar o modo de vida e a filosofia reinante nas pessoas até ali. A isso obriga a comunicação interespécies e o compromisso que assumimos diante os animais, tantas vezes esquecido face a outras obrigações. Cada cão deverá ser treinado de acordo com o ecossistema onde se encontra inserido e o treino deverá considerar o particular da sua sobrevivência, contribuir para o seu bem-estar e potenciar os requisitos inerentes à sua boa instalação, facilitar o seu maneio e possibilitar a coabitação harmoniosa na sociedade. O resto, como tantas vezes já vimos, não tardará e virá por acréscimo, caso isso nos interesse.
E respeitando o objectivo central que adiantámos, incluímos como seus subsídios uma boa instalação doméstica, o acompanhamento dos ciclos infantis, o passeio e higiene diários, a prática sistemática da ginástica, o concurso à obediência, o estabelecimento da liderança, o aproveitamento e potenciação da máquina sensorial canina, o uso da recompensa, a novidade de desafios, a sociabilização, a recusa de engodos, a identificação de perigos e inimigos, a aquisição de hábitos de higiene e tantas outras coisas indispensáveis à sobrevivência dos animais, como são também as visitas regulares ao veterinário e uma alimentação adequada. Tudo isto tende a aumentar a cumplicidade binomial e sem ela dificilmente chegaremos à constituição de uma verdadeira equipa e a um entendimento satisfatório e ambivalente. Treinar o cão para sobreviver é ajudar o dono a consegui-lo, porque o adestramento nos nossos moldes tem dois destinatários: o dono e cão. Sabendo quem tem necessidade de se fazer entender, de imediato compreendemos quem necessitará de maior instrução e quem será alvo de melhor aprimoramento, de constante correcção e preparação. É evidente que tudo será facilitado pela relação havida (óptima) entre tratamento e treino. Estamos cá para fazer os cães felizes.
(PS. Deliberadamente este texto não obedeceu às novas regras do recente acordo ortográfico, porque respeitamos a etimologia, a gramática e sintaxe latinas, bem patrimonial que não queremos descuidar e que subsidia a melhor absorção e compreensão das restantes línguas europeias, contra o parecer de outros mais doutos do que nós, exuberantes nos cargos e bem vestidos de fatos, fatos que não podemos ignorar)
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