sábado, 21 de maio de 2011

A DEMORA NA ASSIMILAÇÃO DOS AUTOMATISMOS FUNCIONAIS

Chamamos código ao conjunto das ordens ou comandos a instalar num cão e trabalhamos para que eles se transformem em automatismos funcionais. A riqueza do código sempre apontará para o maior número de automatismos instalados, que tanto podem ser direccionais, de imobilização, lúdicos ou específicos. Todos eles visam a autonomia condicionada dos cães, apostam na sua sobrevivência e oferecem o seu uso. A autonomia condicionada assenta sobre a acção e a sua cessação (travamento e aceleração). A maior ou menor riqueza do código dependerá de dois factores: da qualidade dos condutores e da capacidade de aprendizagem dos cães. A capacitação dos condutores é uma das nossas metas e a capacidade de aprendizagem dos cães irá depender de vários impulsos herdados, que uma vez somados à excelência do impulso ao conhecimento, irão estabelecer a diferença gradativa dos cães. Um bom imprinting, uma boa instalação doméstica e o acerto no acompanhamento dos vários ciclos infantis são subsídios que não podemos desprezar, porque constituem o todo da experiência directa canina e possibilitam a aceitação do código sem maiores atropelos. Para além das diferenças individuais, a capacidade de aprendizagem canina encontra-se cativa aos diferentes grupos somáticos, consoante o seu propósito original e ou posterior selecção. A capacidade de aprendizagem de um cão pode ser melhorada através da experiência variada e rica, quando operada na idade da cópia (4 meses), altura em que os cachorros apresentam maior predisposição e a sua plasticidade é tanto física quanto cognitiva, manifestando nesta altura o desejo de seguir os adultos que virão a tornar-se seus mestres. A nossa opção pelo Método da Precocidade, que devemos a Trumler, visa exactamente esse propósito. Por outro lado, a comunicação interespécies que o adestramento exige, irá depender, como em qualquer mensagem, da qualidade dos emissores e receptores, o que irá classificar os binómios em mais ou menos aptos (o homem deve fazer-se entender para que o cão o siga). O despreparo e a novidade apanham os cães de surpresa e podem obrigá-los a acções inesperadas e próprias dos seus instintos. Para que os comandos passem a automatismos e se alcance o código desejado, que pode acontecer por diferentes linguagens (verbal, gestual ou sonora), é necessário tirar-se partido das diferentes memórias presentes nos cães, que subsidiarão o condicionamento a haver. De qualquer modo, tanto a excelência de um cão como o seu aproveitamento encontrar-se-ão dependentes da qualidade do seu mestre (condutor), e é disso que vamos aqui tratar, desnudando as causas que operam maior delonga no processo pedagógico e que obstam a absorção do código como um todo.
Guardamos do condutor do CPA Master, referindo-se às suas dificuldades iniciais no adestramento, a seguinte frase: “ Isto não é nada fácil, porque temos que procurar direcção, correr, indicar, falar, incentivar e pensar, quando exaustos e debaixo do stress que nos impede o acerto”, perante a novidade da condução dinâmica e diante de obstáculos multi-direccionais (técnica de condução). Como o adestramento é dinâmico, tirado a partir dos diferentes andamentos naturais presentes nos cães, vemo-nos obrigados a considerar o tempo de reacção dos condutores, porque dele dependerá, em grande medida, a instalação do código, a supremacia dos comandos e a sua transformação em automatismos funcionais, que a não acontecerem, lançarão os cães na mais profunda confusão. É por demais evidente que o acerto nos comandos dependerá do seu uso, do tempo dispendido no treino, que por definição é rigor. Será a sua proficuidade que melhor preparará os condutores cinotécnicos, diminuindo assim a surpresa que sempre lhes causa embaraço. Entendemos o treino como um simulacro e meio de preparação para as situações reais. Se seguirmos outra filosofia, facilmente entenderemos os seus propósitos, geralmente ligados ao lazer ingénuo, à exibição e ao mundo do espectáculo, objectivos que se prestam a várias terapias, que aumentam a auto-estima humana e os seus bolsos, mas que nem sempre consideram o bem-estar dos seus parceiros de quatro patas, os “orelhudos” que os acompanham um metro mais abaixo.
O que levará à delonga do tempo de reacção para além da pouca assiduidade dos condutores no treino? Como deverá proceder o Adestrador? Que soluções deverá indicar para que o acerto aconteça automaticamente?
Ainda antes de considerarmos as razões psíquicas, somos obrigados a confessar que a desenvoltura no adestramento se encontra ligada à disponibilidade física dos condutores, que a melhoria gradual dos seus indíces atléticos, que naturalmente acontecerá com o treino, irá contribui para uma melhor prestação, porque aprenderão a agir em movimento e conseguirão trabalhar por antecipação como lhes será exigível, factores que os ajudarão no conhecimento mais tangível dos animais que conduzem. A ausência de recapitulação dos exercícios adiantados pela Escola obriga ao improviso e por conseguinte ao desapego dos procedimentos. A transição do conceito para a prática não é automática e cria dificuldades acrescidas nos condutores mais distraídos ou naqueles que apresentam maiores dificuldades de concentração, fazendo-os pairar entre o “ver” e o “agir”. O fenómeno é mais visível nos condutores a contas com a puberdade e nos por demais maduros, o que os levará à demora na reacção acertada, os primeiros pela novidade biológica e os segundos pela progressão da idade. Os condutores que trabalham em horários nocturnos (médicos, enfermeiros, polícias, etc.) são geralmente invadidos pela sonolência e pela fadiga, o que lhes afectará a concentração e fará tardar a sua reacção. São geralmente mais irritadiços, aceitam mal os reparos e não procuram ajuda. O mesmo sucede com os ressacados e com os clientes assíduos das “nights”. A demora na assimilação dos automatismos funcionais sempre apontará para a ausência da concentração, visível na demora das reacções entre a identificação do problema e a sua solução (aplicação do comando certo), na delonga entre o estímulo e a resposta adequada. Sempre seremos confrontados com indivíduos propensos à desconcentração, traídos ou não pelas suas emoções, o que se compreende diante do relacionamento entre homens e cães.
A indesejável desconcentração pode ainda ser provocada por alguns medicamentos que actuam sobre o sistema nervoso, tais como ansiolíticos, sedativos e outros, assim como resultar de vários medicamentos de venda livre, geralmente entendidos como inócuos (analgésicos, xaropes antitússicos, anti-histamínicos, antigripais etc., muitas vezes automedicados). O desmame de alguns destes medicamentos pode também causar alguns entraves no tempo de reacção desses pacientes, aumentar a sua irritabilidade ou gerar o seu desalento sistemático. A experiência tem-nos revelado que 2/3 dos condutores cinotécnicos acima dos 50 anos de idade, entre homens e mulheres, toma diariamente um ou mais sedativos ou ansiolíticos e não escapa ao alívio de algum analgésico. Os doentes eventuais e os crónicos, assim como os sujeitos a estados emocionais fortes (stress, tristeza, euforia preocupação, etc.), podem também apresentar dificuldades de concentração e por inerência manifestar reacções deslocadas ou intempestivas. Os concorrentes à metadona podem manifestar igual insuficiência.
Na tentativa de solucionar os problemas aqui adiantados, o adestrador ver-se-á obrigado a fomentar exercícios que melhorem os índices atléticos dos condutores, a convidar os menos aplicados para o trabalho, a tirar partido da mecanicidade das acções junto dos inato desconcentrados, a diminuir a carga dos exercícios para os que laboram invariavelmente durante a noite, a incentivar os jovens para uma vida saudável e ao aquilatar do estado dos doentes, dos mais fragilizados e dos dependentes de medicamentos, criando para eles, caso se justifique, classes separadas ou aulas individuais. Quem disse que ser Adestrador é tarefa fácil?
Não podemos dispensar a melhor das concentrações na condução dos cães que nos pertencem, porque eles necessitam de ser codificados, em prol da sua salvaguarda e em abono daqueles que com eles se cruzam. Para que isso suceda é necessário que os comandos passem a automatismos, que o tempo de reacção entre a identificação do problema e a sua resolução não exceda um segundo. Em síntese, tentar transformar a condução cinotécnica num acto reflexo, mercê da sua prática diária e pela melhoria dos estados físico e anímico dos condutores. Que duro trabalho nos espera! Não nos dará ele volta ao miolo? Há quem jure que sim.

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