domingo, 15 de maio de 2011

A LEI DE MURPHY E AS OPÇÕES TÉCNICAS DOS CONDUTORES CANINOS

Antes de tratarmos da relação que o título acima sugere, porque ordinariamente antecede a inscrição dos condutores escolares, lembramos aqui uma pergunta já gasta e que sempre volta à tona: “ De quanto tempo precisarei para treinar o meu cão?”. E como estamos a falar de leis, neste sentido de aforismos ocidentais, lembramos aqui uma outra – a de Hofstadter, porque ela responde cabalmente à pergunta que nos é levantada, ainda que de forma irónica: “É sempre preciso mais tempo que o previsto, mesmo quando se leva em conta a lei de Hofstadter”. E isto porquê? Porque a capacitação dos cães sempre dependerá da qualidade dos seus mestres, das mais-valias técnicas dos seus condutores (do seu índice de progresso) e não tanto da qualidade ou das características individuais de cada cão.
Superabundam pelas pet-shops livros sobre adestramento, obras sintéticas cuja política é: “Seja você a ensinar o seu cão”. Esse esforço é louvável por dois motivos, pelo esclarecimento e pelo evitar de males maiores, já que os exercícios propostos são de cariz lúdico, do agrado dos cães e alcançados a partir dos seus impulsos herdados mais comuns. Contudo, os cães menos comilões apresentarão dificuldades inesperadas e os mais activos menor capacidade de concentração, sempre subsistirão cães super distraídos e outros completamente desinteressados, indivíduos mais instintivos do que outros e alguns que se rebelarão contra os exercícios propostos, dificuldades não descritas nesses livros de bolso, carregados de boas intenções e omissos de soluções. Será a insatisfação dos proprietários caninos que os levará à nossa procura.


O mundo da cinotecnia é dominado por ambições, sentimentos e afectos que nem sempre são visíveis noutras áreas da actividade humana, porque a relação binomial é íntima, pode apresentar-se como resposta ou refúgio e os condutores desnudam-se nela tal qual são, de acordo com as suas expectativas, modo de vida e capacidade de resolução. O espírito militar já há muito que foi banido das escolas civis, a mecanicidade das acções foi substituída pela recompensa e a emoção destronou o velho conceito de “ordem unida”. Este avanço, há tanto devido aos cães, não tem acontecido sem problemas, porque sempre será mais fácil disciplinar do que convencer, regrar do que lidar com as diferenças, considerando a morosidade do processo pedagógico. Não obstante, foi o repúdio pela “tábua rasa” que transformou o adestramento numa arte, restituindo aos condutores o seu cunho pessoal e a explosão individual das suas mais-valias, coisa inalcançável pelo “cobrir pela frente” e pelo “alinhar pela direita”. A recapitulação doméstica tem vindo a substituir e a melhor subsidiar a instrução escolar, o que levou ao aumento da cumplicidade, factor indispensável ao bom entendimento binomial e por consequência ao melhor desempenho em classe. Com isto se redescobriu a importância da instalação doméstica nos cães, o acompanhamento dos seus ciclos infantis e o alcance da liderança por meios ou métodos mais naturais e substancialmente menos violentos, com benefícios insofismáveis para o desenvolvimento do sentimento territorial canino.

A novidade dos métodos não resolveu, em absoluto, o velho problema dos donos, dito antropológico e por isso mesmo ligado aos indivíduos, ao seu perfil psicológico, carácter, viver social e cultura, porque ainda hoje nos vemos obrigados a incentivar uns e a travar outros, manobra que carece de tacto, controlo, sabedoria e paciência, para que a razão não se transforme em disparate e o fim seja alcançável. Tanto hoje como no passado, os homens têm reflectido na cinotecnia o peso da sociedade e a carga dos seus valores, quer por aceitação quer por oposição, evidenciando características próprias ou impróprias para o livre curso do adestramento. Sem aprimoramento dos donos jamais haverá um adestramento capaz, categórico e evolutivo, porque o cão age por reflexo e sempre seguirá o exemplo, o que nos transporta para a temática da liderança.

O exercício da liderança é indispensável ao adestramento e cada cão poderá reclamar diferente tipo ou modo para a sua aceitação, de acordo com o particular dos seus impulsos herdados, do seu imprinting, experiência directa e perfil psicológico. Como a maioria dos donos escolhe cachorros arbitrariamente, segundo percepções, sensações e sentimentos únicos, muitas vezes inatingíveis prós outros porque resultam de sonhos, vemo-nos obrigados à árdua tarefa de coadunar o sonho com a realidade, de lidarmos com o desalento daqueles que presos no virtual tropeçam na prática. E é aqui que entra a Lei de Murphy, um engenheiro aeroespacial norte-americano, que nos adianta uma regra prestimosa que convém praticar, inculcar e reavivar. Diz ela: “Se qualquer coisa pode correr mal, certamente vai correr mal”.

Visando a sua aplicação prática na cinotecnia e considerando a inexperiência dos condutores, normalmente apegados aos milagres e devotos da sorte e do azar, que vêem coisas que ninguém vê e que somente esperam que aconteça, convém insistir-lhes no apego aos procedimentos, explicar-lhes que se procederem errado dificilmente o cão agirá certo, muito embora já tenhamos visto o contrário pela excelência de alguns cães e não foram assim tão poucos. Mal comparados, os recém-chegados condutores de cães são como aqueles que chegam à faculdade sem primeiro terem adquirido métodos de estudo, resultando disso as consequências já conhecidas. Qualquer exercício ou desempenho canino pode constituir-se num perigo para o seu executante e é bom que os seus líderes saibam disso. Só o apego aos procedimentos, que produz a excelência técnica, conjuntamente com o respeito pelos mais elementares princípios da pedagogia geral de ensino, de que repetidas vezes já falámos, podem conduzir-nos ao sucesso. Trata-se aqui de minorar os riscos e de outra coisa não podemos ser adeptos, não somos nós que temos como objectivo central do adestramento a salvaguarda dos cães?

Aplicar a Lei de Murphy irá ajudar-nos a formar melhores condutores, a torná-los mais objectivos, previdentes e conscientes, levá-los-á à excelência operacional e à certeza dos seus objectivos, mas sobretudo ratificará a comunicação interespécies, garantirá o sucesso do processo pedagógico e a melhor resposta animal, factos possíveis pelo apego aos procedimentos que gera a certeza técnica e anula os riscos, quer eles sejam de insucesso, quer se revertam em aversões ou lesões. O líder sempre transportará a vida do seu cão pela mão, é ele que tem a chave dos seus códigos e dele dependerá o melhor desempenho do animal. Apetece-nos aqui dizer que o material tem sempre razão, subentendendo disso a figura do cão. Convidar os condutores para o acerto é a nossa primeira meta e já sabemos que isso nunca foi fácil. Apesar das dificuldades, continuamos a adestrar homens para que sejam secundados pelos cães. Vale a pena relembrar a Lei de Murphy, os donos evitam os disparate e os cães agradecem. Doravante, antes de dar uma ordem ao seu cão, pense primeiro, peça ajuda se não tiver a certeza de estar a agir correctamente, pois para isso estamos cá e à sua disposição – compreenda o que Murphy tornou público.

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