Há muito que discute se as
refeições à base de carne crua são ou não boas para os cães. Há menos tempo
tive um aluno que pretendia suceder-me no mundo da cinotecnia com o meu aval,
que para além doutras veleidades, decidiu, não se sabe a conselho de quem,
inventar uma dieta crua para os seus cães, da qual dizia maravilhas, muito
embora os cães tivessem sido criados doutro modo, com ração e um reforço diário
de comida cozinhada, conforme o aconselhei. E como há teimosos por todo o lado,
cientistas de toda a parte estudam agora as vantagens e desvantagens da chamada
Raw food, nalgumas paragens também apelidada de Barf, mostrando-se os microbiologistas
muito cépticos relativamente à distribuição de carne crua aos cães.
Existem vários estudos, já
anteriormente publicados, que refutam o potencial de dietas à base de carne
crua, para transmitirem patógenos bacterianos e parasitários, não apenas para os
cães, mas também para os seus donos. Um estudo proveniente da Holanda e
publicado em 2018 relatou a análise de 35 pacotes BARF de oito embaladores
comerciais. Os pesquisadores encontraram Escherichia coli em 80% deles, Listeria
em 43% e Salmonella em 20%, concluindo que as dietas de ração de carne crua “podem
ser uma possível fonte de infecções bacterianas em animais de estimação e, se
transmitidas, representarão um risco para os seres humanos”.
Em 2019, a Food and Drug
Administration, agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos
Estados Unidos (FDA), moveu-se para investigar três casos de animais de
estimação que adoeceram e, usando o sequenciamento completo do genoma de
bactérias isoladas dos animais, rastreou a fonte até os produtos de carne crua.
Na última pesquisa,
publicada na revista VetRecord, os cientistas liderados por Josefin Hellgren,
da Universidade Sueca de Ciências Agrícolas, em Uppsala, na Suécia, analisaram
60 embalagens congeladas da BARF de 10 diferentes fabricantes. Os resultados
mostraram que as bactérias da família Enterobacteriaceae, que inclui E.coli,
estavam presentes em níveis acima do padrão de segurança da União Europeia em
31 das amostras. Espécies de Salmonella e Campylobacter foram encontradas em 7%
e 5% das amostras, respectivamente, levando Hellgren e os seus colegas a
alertar sobre "potenciais riscos para a saúde de animais e humanos,
especialmente jovens e indivíduos imunocomprometidos".
Os mesmos pesquisadores
oferecem dicas para os donos interessados em reduzir as chances de promover
sobrecargas patogénicas em alimentos crus, são elas: manter congelada a carne
destinada ao cão até ao seu uso; a carne crua destinada aos cães deverá ser
separada de todos os alimentos humanos (um novo frigorífico vinha calhar) e usar
utensílios próprios para o efeito; evitar beijos e lambidelas de cães que
acabam de comer carne crua e não lha dar em lares com gente imunocomprometida,
alertando também que Raw food não deverá ser distribuída a cães com medicação
antimicrobiana.
Você poderá reduzir ainda
mais o risco alimentando o seu cão somente com carne destinada para consumo
humano, em vez de carne para animais, pois a carga bacteriana e a presença de
outros contaminantes deverão ser mínimos. Todavia, os cães requerem dietas
balanceadas com vitaminas e minerais em determinadas proporções para evitar
doenças, o que equivale a dizer que todas as dietas caseiras deverão ser confeccionadas
de acordo com o parecer de um veterinário.
Torna-se evidente por tudo
que foi dito, que os cães estão preparados e podem comer carne crua, o que não
os livra de bactérias patogénicas, como Salmonella, exactamente como nos
sucede. A opção pela carne crua na alimentação dos cães assenta na maioria dos
casos numa razão económica e quando assim é, não lhes serão distribuídos bifes,
mas sim toda a carne e subprodutos que forem mais baratos: frango; miúdos de
frango; aparas, gorduras, carcaças, vísceras, coração de boi, entremeada, ovos,
esporadicamente carne de vaca para cozer e outras partes menos nobres das
diversas carnes, os mesmos ingredientes que outros converterão em ração seca e
em latas de paté. Diante de opções destas, a saúde de cães e donos é posta em
causa pelo risco da contaminação, tornando-se por inerência um problema de
saúde pública (ninguém vive só).
A
carne crua não basta só por si para fazer um cão mais robusto e resiliente,
muito embora haja situações em é a única opção possível (estamos a falar de
cães saudáveis): quando não temos outra opção ou quando esporadicamente é
reclamada para o bom desempenho canino. Fora destas opções, a administração
exclusiva e sistemática de raw meat transformará os cães em gulosos e
levá-los-á a desprezar dietas mais balanceadas e próprias para a actividade que
desenvolvem. A alimentação ideal para os cães ainda está para chegar, mas não
vai demorar muito, porque tudo acontece a uma velocidade vertiginosa e nenhum
de nós deverá atrasar-se.
PS: A distribuição de
carne crua aos cães contribui eficazmente para a sua eliminação, aos torná-los
mais susceptíveis diante de diversos engodos cada vez mais apelativos. Acerca de contaminações lembro-me de uma idosa senhora com a qual privei há alguns anos atrás, que há falta de melhor, quando entrava numa cabine de telefone pública, sempre levava na sua mala de mão um paninho e um frasco de álcool para limpar o auscultador. Debaixo do mesmo cuidado, quando ia a casa de gente menos asseada ou dona de animais, sempre levava roupa própria para se sujar.
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