quarta-feira, 6 de março de 2019

ACÓNITO E CÃES NÃO COMBINAM

Deus deve ter os cães em boa conta, porque se assim não fosse, muitos já teriam morrido envenenados, nomeadamente os pertencentes aos ignorantes, confiados e descuidados. Como sempre me interessei por botânica e floricultura, interesses que ainda mantenho, deparei-me num site de vendas com a oferta de uma planta altamente venenosa – o ACÓNITO (Aconitum napellus), pertencente à família Ranunculaceae e muito usado em fármacos homeopáticos. A planta é também conhecida por mata-lobos, devido a uma lenda que a dizia ser capaz de enfraquecer lobisomens.
O nome genérico dos sais derivados do ácido aconítico a partir desta planta recebe o nome de aconitato. O veneno do Acónito foi o mais utilizado pelos arqueiros desde a Antiguidade até à Idade Média. Todas as partes da planta são muito venenosas por possuírem alcalóides distintos, sendo igualmente venenosas todas as suas variedades desde que a sua semente se encontre madura. Para se ter uma ideia mais aproximada da toxidade desta planta, basta dizer que 10g da sua raíz bastam para matar um ser humano adulto, uma vez que é ali que se concentra a maior parte dos seus princípios activos.
Depois de ter sido usado para envenenar lobos e raposas, o Acónito é agora vendido como planta ornamental para jardins. Os sintomas mais comuns do envenenamento por esta planta são: sensação de angústia; perca de sensibilidade; falta de ar ou respiração lenta; aceleração dos batimentos cardíacos; tremores; rosto dormente, salivação excessiva, zumbido nos ouvidos e visão desfocada. Quanto aos medicamentos homeopáticos e fitoterápicos feitos à base de aconitina, somente os médicos podem prescrevê-los.
Como as crianças adoram ir brincar para o jardim e os jardins costumam ter os cães como residentes habituais, na hora de adquirir uma moradia já ajardinada, informe-se sobre as plantas que preenchem o jardim e decoram os seus canteiros, que naturalmente não deverão ser tóxicas. De igual modo, quando pensar em adquirir uma nova planta, certifique-se primeiro da sua toxidade, já que é a vida das suas crianças ou dos seus cães que estão em causa.
Continuo a não perceber por que razão se continuam a plantar flores, arbustos e árvores tóxicas em infantários, escolas, moradias e lares. Faltará aos profissionais da área formação específica? Quem tem cachorros pequenos sabe que não pode descansar quando eles se encontram soltos, porque tendem a roer tudo à sua volta, tanto dentro de casa como no quintal, mesmo depois de advertidos e de modo mais incidente dos 3 para os 5 meses de idade. Igual ou maior perigo correm as crianças com idade inferior aos 4 anos.
Estamos fartos de dizer, mas não cansados, que os cães só devem ser soltos no exterior depois dos donos baterem minuciosamente o local onde pretendem soltá-los, para não serem vítimas do ataque de outros cães; de engodos; de substâncias químicas ou corrosivas; de restos industriais lesivos e da ingestão de plantas tóxicas capazes de eliminá-los. Uma dessas plantas é a Figueira-do-Diabo (Ricinus communis L.), espécie invasora que segundo um protocolo adaptado do Australian Weed Risk Assessment (Pheloung et al. 1999), ocupa um nível de risco de 22 em termos de comportamento invasor em Portugal. Segundo o mesmo protocolo os valores acima de 6 já implicam num comportamento invasor, o que na prática significa que temos Figueira-do-Diabo por todo o lado.
Apesar do óleo desta planta se prestar para vários usos industriais e até como laxante, a sua semente, quando purificada, é tóxica devido principalmente a uma proteína chamada ricina, que é mortal quando ingerida mesmo em pequenas doses. Três sementes podem matar uma criança, oito um adulto, onze um cão e oitenta um pato. Os primeiros sinais da intoxicação acontecem logo nas primeiras horas depois do envenenamento e traduzem-se em ardor nos olhos e na garganta, dores abdominais, diarreia e vómito com sangue. O processo, que dizem incontrolável, só termina quando a vítima falece por desidratação.
Para além disto, a planta possui ainda uma potente proteína alergénica chamada CB-1A ou albuminas 2S nas suas sementes e pólen. Um terceiro elemento nela presente é a ricinina, um alcalóide que pode ser encontrado em todas as partes da planta, que afecta o sistema nervoso central e poder ter vários efeitos, entre eles: convulsão, melhoria de memória e falta de equilíbrio. As maiores concentrações de ricinina encontram-se nas flores e nas folhas jovens. Infelizmente não são só o Acónito e a Figueira-do-diabo que são tóxicas entre nós.
Com isto não queremos semear o pânico ou ser mensageiros de fortes calamidades vindouras, somente alertar os proprietários caninos para os riscos a que expõem os seus amigos de 4 patas ao pô-los em contacto com plantas que são nocivas para ambos, neste país onde a informação é escassa sobre o assunto e povo é por norma desinteressado. Em síntese, há que inventariar as flores, arbustos e árvores dos nossos jardins e expulsar deles as que são tóxico e/ou venenosas. Debaixo do mesmo cuidado, antes de soltarmos os nossos cães no exterior, devemos primeiro observar minuciosamente a sua flora e só depois soltar os animais, o que só será possível se previamente tivermos obtido a informação necessária.
E como por vezes todos os cuidados são poucos e as distracções acontecem, é bom ter memorizado ou ter na memória do telemóvel o número do CIAV (Centro de Informação Antivenenos) do INEM, que é o 808 250 143.
Escusado será dizer que as crianças entre o primeiro ano de vida e o quarto, devido ao seu particular etário, incorrem nos mesmos riscos que os cães quanto expostas ao mesmo tipo de plantas. Há muito que se deveria proceder a um esclarecimento nas escolas sobre o assunto, o que de imediato levaria ao arrancar dos Oleandros (Nerium oleander) presentes em inúmeras delas, obra de algum inteligente que nos julgou todos burros. E já agora, por que carga de água é que as plantas tóxicas presentes nos nossos jardins públicos não têm junto delas uma placa identificativa da sua toxidez? Seremos porventura cidadãos de segunda? Não se esqueça: amar o nosso cão, antes de tudo, é protegê-lo dos perigos que o cercam, independentemente do serviço que nos preste, porque se o amamos, não podemos contribuir paulatinamente para o seu extermínio, reflexão que estendemos também àqueles que se dizem treinar cães para guarda e que os podem condenar à morte pela previsibilidade dos seus ataques (felizmente raro é o cão que virá a ser solicitado para o efeito).

Sem comentários:

Enviar um comentário