quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O FILHO DA TRANSCENDÊNCIA MORREU SEM DEIXAR DESCENDÊNCIA

Foi abatido no passado dia 5 do corrente mês, por injecção letal e sem deixar descendência, o Híbrido de Chow-Chow/Pastor Alemão “Afonso”, nascido no início do Novo Milénio e que contava com 15 anos e 9 meses de idade, em virtude de já se encontrar extremamente debilitado dos pontos de vista físico e psicológico. Propriedade da Maria Duarte, jovem que cerrou fileiras connosco mais de uma década, o Afonso teve como pai o “Tuly”, um Chow-Chow negro e como mãe a “Kalinka, uma Pastora Alemã preta-afogueada, ambos propriedade da Sr.ª Cristina Maria Bandeira Dias Alberto, nossa colaboradora ao longo de anos e de reconhecidos méritos. O nome do Afonso não se pode dissociar da Acendura Brava e dos seus êxitos, porque sempre se destacou nos festivais e exibições em que participou, honrando a Escola e enaltecendo o trabalho da sua condutora pelas suas performances, valentia, disponibilidade e extraordinária obediência. Foi convidado a participar em três séries televisivas e fez parte do elenco de um filme português. O seu desempenho foi tal, que mal entrava no “Plateau” era acolhido com uma salva de palmas, mesmo antes de actuar. Nunca necessitou de treino prévio para as suas prestações e ganhou a alcunha de “cão-relógio”. Por causa disso, as personagens que representou nunca tiveram outros nomes que não o seu pela admiração e confiança no seu trabalho.
As circunstâncias da sua morte foram assim descritas pela Maria, hoje veterinária, sua dona e condutora de sempre: “Sim, é verdade, a decisão não foi fácil mas estava a chegar a altura em que não fazia sentido manter o velhote com as capacidades cognitivas visivelmente afectadas e diminuídas. Fisicamente também estava a atrofiar, com perda de peso e massa muscular. O sábado foi o primeiro dia em que ele se recusou a sair do canil e estava relutante em andar, já só fazia círculos e mal se mantinha de pé, não tinha força para manter a postura e até olhava para mim com ar triste e aborrecido, tinha perdido a vontade de viver, não era justo eu mantê-lo vivo por puro egoísmo. Enchi-me de coragem e sozinha dei-lhe o descanso merecido, num dia de sol como ele gostava e no meio do sossego, sem se ouvir mais nada a não ser a respiração dos outros cães. Foi no meu colo, com todo o amor possível, que me despedi do Afonso, porque as decisões mais difíceis são as que mais amor precisam, não é?”.
Pequeno mas extremamente competitivo e com uma enorme autonomia funcional, nunca ficou atrás de ninguém, quer fosse comandado verbal ou gestualmente em curtas ou longas distâncias, evidenciando uma cumplicidade pouco vista e uma transcendência operativa ainda mais rara. Para além do seu excepcional potencial biomecânico, gostava do que fazia e era gracioso ao fazê-lo. Quem olhasse para aquele pequeno cão dourado, considerando o seu ar patusco e ao mesmo tempo carinhoso, jamais adivinharia do que era capaz. Certamente não surgirão outros iguais, mas sua longa estadia entre nós irá servir de motivo para os procurar e capacitar, porque sabemos que a fusão de vontades entre homens e cães é possível - o Afonso provou-o! Com ele morre uma época e cresce de imediato a saudade, porque foram tão poucos os que tão bem nos serviram. Como não cultuamos os mortos e celebramos a vida, sempre veremos o Afonso tal qual foi: um grande camarada e amigo que povoará os nossos sonhos ainda por mais algum tempo. Obrigado Afonso, obrigado Cristina e Maria.

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