sábado, 5 de dezembro de 2015

NO FINAL DAS CONTAS: AMOR E BOM SENSO

Depois de décadas a ensinar donos e cães a alcançarem propósitos comuns pela aquisição de uma nova linguagem que lhes garantisse a comunicação recíproca, diante dos sucessos e insucessos de uns e de outros, compreendi 3 verdades: que os cães não dispensam a liderança humana, que o seu desempenho fica a dever-se aos seus mestres e que o amor, quando alicerçado no bom senso, é o melhor dos veículos para o estabelecimento dos vínculos binomiais, o que de imediato me reavivou Erich Fromm Seligmann, um psicólogo social, psicanalista, sociólogo e filósofo humanista alemão, de origem judia e falecido em 1980, na sua obra em inglês “The Art of Loving”, editada em 1956, quando contrariava a crença comum de ser o amor algo espontâneo ou fácil de ocorrer, adiantando que ele é uma “arte” tal como a vida ao dizer: “se quisermos aprender como se ama, devemos proceder do mesmo modo como agiríamos se quiséssemos aprender qualquer outra arte, seja a música, a pintura, a carpintaria, ou a arte da medicina ou da engenharia", destacando que o amor carece de aprendizagem e se assim é, ensinar verdadeiramente é uma decorrência desse sentimento, quer capacitemos pessoas ou adestremos animais, o que ajuda à compreensão do que Albert Einstein disse um dia: “se tiver que escolher entre o mundo e o amor…Lembre-se: se escolher o mundo ficará sem o amor, mas se escolher o amor conquistará com ele o mundo”, verdade que os cristãos sabem há milénios, quando Cristo, suprema manifestação do Amor de Deus, em prol da humanidade venceu o mundo, ao encarnar, morrer e ressuscitar, libertando-nos da lei da morte e alcançando-nos um lugar eterno, evidência que a razão não comprova e que só a fé objectiva no Filho de Deus revelada nas Escrituras e por mérito d’Ele alcança.
Olhando para os milhares de rostos que ficaram para trás e que comigo se cruzaram, na procura dos melhores condutores caninos que formei, a maioria deles foram mulheres, apesar de alguns homens se terem também evidenciado. Aquilatando do porquê da supremacia do género feminino, descobri que o segredo do seu sucesso reside no modo e rituais que emprega na expressão deste sentimento fulcral, indubitavelmente de maior entrega e por isso mesmo mais tolerante com as transgressões, ainda que nalguns casos e a princípio, o uso acertado da razão e da emoção nem sempre fosse visível, não por causa do seu género mas por desacertos individuais ou peso cultural. Não obstante, a capacidade de aperfilhar o que não é seu, é maior entre as mulheres, sobrando nos homens com igual intensidade a cumplicidade que torna possível a parceria canina. Este particular feminino, que tantos benefícios nos trouxe, viabilizou e transformou em êxito a nossa opção pelo “Método da Precocidade”, dotando os nossos cachorros do amparo que só uma mãe sabe dar.
Nem todas as condutoras tinham na altura filhos mas todas manifestaram um matriarcado profícuo, adoptando os animais por complemento ou substituição, dando-lhes o ânimo necessário para as tarefas, o que hoje me convence que nenhuma escola canina civil se mantém de pé sem um grupo de senhoras no seu cerne, até porque os homens são mais dados à dispersão e a toda a sorte de desafios, quer eles sejam fúteis ou não, tal qual lobos apostados na formação de novas colónias, movidos pela procura do poder que não raramente os cega e vulnerabiliza. Ainda que os homens sejam dados à conquista, jamais serão tão bons governantes quanto as mulheres, porque elas são o sustentáculo da família, da coesão e da harmonia social, excelentes gestoras em pura ascensão, que ocupam agora lugares que lhe estavam vedados por puro preconceito ou tacanhez. Quer se acredite ou não, de um jeito ou de outro, elas sempre governaram o mundo e a sua desconsideração induz à destruição, prova mais que provada pelos fratricídios perpetrados pelos “ortodoxos” do Islão, que mais cedo ou mais tarde, se para tanto houver mundo, cairão às mãos das suas próprias mulheres que não poderão ser para sempre amordaçadas, amarradas e escravizadas, por mais pesadas que sejam as burkas ou inflexíveis que sejam as “Mutawa”.
 Homens, mulheres, novos e velhos precisam de aprender a amar, a olhar para os outros como parte integrante de si próprios e o adestramento deve prestar-se a este propósito, para que os cães não sejam considerados humanos e estes tratados como cães, o que nada aproveitaria tanto a uns como a outros, considerando o particular de cada uma das espécies, já que nenhuma delas se agradaria da inversão de papéis, estranhando uns a promoção e os outros a despromoção. Amar os cães, sentimento indispensável a quem se propõe adestrar e que se julga presente na classe dos mamíferos (há quem diga que nas aves também), não deverá passar pela loucura de transformá-los em pessoas mas pelo respeito da sua individualidade biológica que, para além de exigir carinho e recompensa, exige ao mesmo tempo acções que satisfaçam as suas necessidades naturais e sociais, para que se sintam felizes e não meras marionetas. Só a compreensão e entrada no mundo canino poderá alcançar o bem-estar que os cães reclamam e não dispensam, enquanto seres que não nasceram para estar sós mas que em simultâneo procuram a autonomia e os interesses inerentes ao particular da sua espécie, que não dispensam a supervisão humana (liderança) e cuja liberdade de acção assenta na dependência.
Ensinar sempre será um acto de amor e não uma fastidiosa obrigação, que implicará em paciência, constância e tolerância, qualidades obrigatórias para quem ensina donos e cães, porque se aos cães é exigido esforço, o mesmo é requerido aos seus condutores, enquanto mestres dos seus companheiros e primeiros responsáveis pelo seu sucesso educacional. É curioso reparar e não deixa de ser estranho, que a maioria dos condutores é mais pronta a travar do que a incentivar ou motivar os seus cães, sentindo-se por vezes incomodados quando chamados à atenção para isso, dificuldade que só causará entraves à evolução escolar canina pretendida. Não basta dar uma recompensa a um cão, há que torná-la apetecível para o animal, para que a rotina não usurpe o momento e o prazer da sua distribuição, porque uma coisa é o hábito e outra o ritual. A genuína unidade binomial sempre floresce da fusão de sentimentos entre o condutor e o cão, das motivações encontradas pelo primeiro que possibilitam a resposta pronta e certa do animal, comunicação que pode também obedecer, em raríssimos casos, a modos de entendimento sem a utilização dos canais sensoriais conhecidos.
Só o amor do dono poderá transformar um cão imprestável em útil, um arruaceiro num ordeiro, um inadequado num auxiliar, um fraco em forte e um medroso num valente, desde que o seu líder não perca a esperança, não se deixe vencer pelos reveses, dê tempo ao tempo, se alegre com as pequenas vitórias e use de bom senso para o alcance das metas e objectivos possíveis. Independentemente das dificuldades encontradas, o nosso cão sempre será para nós o melhor do mundo, porque nos pertence e cabe-nos a nós e não aos outros, lutar por ele e com ele na procura da sua salvaguarda e cumplicidade. Alguém disse, não me recordo bem quem foi, que “o amor cobre todas as transgressões”, verdade a que assistimos diariamente nas escolas caninas, quando apesar das contrariedades, os donos mantêm a temperança e não desistem dos seus cães, vindo alguns deles, inesperadamente, a alcançar a excelência binomial. Não raramente, o insucesso no adestramento fica a dever-se aos donos, por falta de empenhamento, inacção, pouca disponibilidade, imaturidade, parca concentração, desapego aos procedimentos, irresponsabilidade, ausência de recapitulação dos trabalhos escolares, falta de humildade, desalento e saturação, menos valias que só amor pelo animal poderá levar de vencida (a menor ou maior permanência nas escolas fica agora a dever-se ao facto de poucos terem dinheiro para veleidades).
O que fará um homem saltar para o meio de uma trovoada porque o seu cão tem medo dela; sair debaixo de chuva e invernia para passeá-lo; embrenhar-se por feiras e multidões para que perca o medo das pessoas; prescindir de bens pessoais para que nada falte ao animal; calcorrear léguas infindas para lhe satisfazer a excursão e musculá-lo; alterar as suas férias para não o deixar ficar para trás; criar novas rotinas para poder estar mais tempo junto dele; treiná-lo para que sobreviva e viva por mais tempo; instar com ele para que aprenda; apostar na sua adequação para que se insira harmoniosamente na sociedade; coabitar com ele e suportar os seus estragos; garantir-lhe o sustento, a assistência médica e saltar da cama quando ele não se sente bem? Somente o amor e jamais a obrigação, porque o primeiro tudo suporta e a segunda induz á saturação. O respeito pela vida animal pode induzir ao bem-estar das espécies silvestres e ameaçadas, mas o cão, enquanto animal doméstico, exige ainda amor, porque o criámos e não podemos agora abandoná-lo à sua sorte. Creio firmemente que a conexão que temos com os cães resulta da nossa própria evolução, surgindo como consequência do seu uso como caçadores ao longo de milénios em prol da nossa sobrevivência, pormenor que leva o nosso cérebro a prestar-lhes atenção.
Para todos os efeitos estamos a falar de um estranho amor matriarcal ou patriarcal, quiçá por os havermos criado segundo o nosso parecer e expectativas, e ao fazê-lo, porque são os únicos amigos que desconhecem que poderíamos ser melhores, aliviamos o nosso quadro de exigências próprias, o que nos faz sentir bem, entusiasmados e perfeitamente à vontade, daí que muitos digam: “quanto mais conheço os homens, mais gosto dos animais”. Se é verdade que os cães não dispensam o amor dos seus donos, apesar de a sua amizade não ser totalmente desinteressada porque continuam predadores, o que os leva a ter interesses próprios, também não dispensam dos seus líderes o bom senso que visa o aproveitamento razoável e acertado do seu potencial biológico. Não é fácil ser em simultâneo companheiro de brincadeiras e líder, e não o é porque os cães sempre tendem a “esticar a corda”, a testar-nos e a experimentar-nos para verem até onde podem ir: têm vontade própria, o que geralmente pode ter como consequência a nulidade duma das personagens: ou ganha-se o amigo e perde-se o líder ou vice-versa, dificuldades só ultrapassáveis pelo equilíbrio entre a emoção e razão, que a bem da complementaridade canina não deverão substituir-se ou usurpar o lugar uma da outra. Perante tais desacertos, cabe ao adestrador a indispensável e penosa missão de alertar os seus condutores para o seu despropósito emocional ou ausência de amor na aplicação de um ou mais conteúdos de ensino, trabalho que exige alguma delicadeza e raro tacto, atendendo ao particular sensível de cada indivíduo.
Depois do que dissemos, não restam dúvidas: o adestramento assenta sobre o amor e o bom senso que subsidiam o salutar equilíbrio ente a emoção e a razão. Apesar do adestramento ser próprio para qualquer idade, são os jovens que obtêm dele maiores benefícios, porque esta actividade irá facilitar-lhes a futura integração no mundo dos adultos sem maiores sobressaltos, ensinando-os a conviver com as suas emoções e a fazerem uso da razão quando for caso disso, o que os tornará acautelados, humildes, persistentes, solidários, ambiciosos, criativos e astutos pelas dificuldades e soluções encontradas. E quando assim é, uma boa escola canina poderá ser uma das melhoras escolas para a vida. Em síntese, o adestramento é um veículo pedagógico alimentado pelo amor e dirigido pelo bom senso.

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