sábado, 5 de dezembro de 2015

O PRESÉPIO DENTRO DO CARRO

Enquanto se brinca no Parlamento aos negócios de bancada, aos intermináveis negócios de bastidores, às moções de censura, à procura dum lugar num ministério ou a um “tacho” europeu, com a nossa soberania há muito comprometida pelos mercados financeiros, o povo desenrasca-se como pode e as novidades relativas à sobrevivência não cessam, ainda que indiferentes a quem desgoverna e invisíveis para quem não vê ou não quer ver. Assim, sem ofensa para os indianos, o Tejo lembra agora o Ganges e a miséria ao seu redor, porque cresce o número dos nossos concidadãos que vive dentro dos automóveis, tendo-os como única e exclusiva habitação, quando estacionados nos locais mais recônditos, quiçá para não serem vexados ou incomodados pela polícia, o que os sujeita ao assalto fácil e a toda a sorte de violências, apesar de pouco terem para roubar. São na sua maioria casais jovens sem filhos, ainda que alguns deles tenham cão, o que de certa maneira diminui a sua vulnerabilidade mas que compromete a sua higiene.
Julgar-se-á à primeira vista estarmos na presença de gente enamorada e de fogosa paixão, porque as janelas das viaturas se encontram tapadas com peças de roupa, nomeadamente com meias e outra roupa interior, que nelas encontram o melhor dos estendais. Contudo, a luz acesa do “plafonier”, as conversas que se ouvem, a ausência de oscilação dos veículos, o seu estacionamento infindo naquele local, a presença eventual de crianças, as saídas rumo aos receptáculos do lixo e a satisfação das necessidades fisiológicas ao ar livre desmentem tal ideia. Cada carro destes lembra um presépio, não uma representação do que sucedeu há dois mil anos, mas a realidade da miséria que até hoje perdura, quer a rotulem de evangélica ou doutra coisa. Não creio que a pobreza extrema seja o caminho para o Céu, apesar de Cristo nada ter de seu, mas compreendo quando disse: “E outra vez vos digo que é mais fácil um camelo passar pelo fundo duma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus” e também porque motivos expulsou os vendilhões do Templo. Até quando continuaremos a sacralizar estes políticos e as suas políticas? Há quem diga que até às portas do Paraíso e há quem deseje a morte diante de tal sorte! Desejar um Bom Natal para gente assim acantonada, aparentemente sem motivos para celebrar, é dizer-lhes que Jesus veio ao mundo também por causa deles, que não os abandonará, que melhores dias virão e ajudá-los quanto possível, que o sofrimento não será eterno e a Redenção já foi alcançada. Entretanto, cabe a cada um de nós despojar os “vendilhões do Templo” da cadeira do poder, lutar pela fraternidade, quando bem entendida como amor ao próximo, contra as injustiças promovidas pela sua omissão.

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