Enquanto se brinca no Parlamento aos negócios de bancada, aos
intermináveis negócios de bastidores, às moções de censura, à procura dum lugar
num ministério ou a um “tacho” europeu, com a nossa soberania há muito
comprometida pelos mercados financeiros, o povo desenrasca-se como pode e as
novidades relativas à sobrevivência não cessam, ainda que indiferentes a quem
desgoverna e invisíveis para quem não vê ou não quer ver. Assim, sem ofensa
para os indianos, o Tejo lembra agora o Ganges e a miséria ao seu redor, porque
cresce o número dos nossos concidadãos que vive dentro dos automóveis, tendo-os
como única e exclusiva habitação, quando estacionados nos locais mais
recônditos, quiçá para não serem vexados ou incomodados pela polícia, o que os
sujeita ao assalto fácil e a toda a sorte de violências, apesar de pouco terem
para roubar. São na sua maioria casais jovens sem filhos, ainda que alguns
deles tenham cão, o que de certa maneira diminui a sua vulnerabilidade mas que
compromete a sua higiene.
Julgar-se-á à primeira vista estarmos na presença de gente enamorada e
de fogosa paixão, porque as janelas das viaturas se encontram tapadas com peças
de roupa, nomeadamente com meias e outra roupa interior, que nelas encontram o
melhor dos estendais. Contudo, a luz acesa do “plafonier”, as conversas que se
ouvem, a ausência de oscilação dos veículos, o seu estacionamento infindo
naquele local, a presença eventual de crianças, as saídas rumo aos receptáculos
do lixo e a satisfação das necessidades fisiológicas ao ar livre desmentem tal
ideia. Cada carro destes lembra um presépio, não uma representação do que
sucedeu há dois mil anos, mas a realidade da miséria que até hoje perdura, quer
a rotulem de evangélica ou doutra coisa. Não creio que a pobreza extrema seja o
caminho para o Céu, apesar de Cristo nada ter de seu, mas compreendo quando
disse: “E outra vez vos digo que é mais fácil um camelo passar pelo fundo duma
agulha, do que entrar um rico no reino de Deus” e também porque motivos
expulsou os vendilhões do Templo. Até quando continuaremos a sacralizar estes
políticos e as suas políticas? Há quem diga que até às portas do Paraíso e há
quem deseje a morte diante de tal sorte! Desejar um Bom Natal para gente assim
acantonada, aparentemente sem motivos para celebrar, é dizer-lhes que Jesus
veio ao mundo também por causa deles, que não os abandonará, que melhores dias
virão e ajudá-los quanto possível, que o sofrimento não será eterno e a
Redenção já foi alcançada. Entretanto, cabe a cada um de nós despojar os
“vendilhões do Templo” da cadeira do poder, lutar pela fraternidade, quando bem
entendida como amor ao próximo, contra as injustiças promovidas pela sua omissão.
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