sábado, 5 de dezembro de 2015

ELE QUERIA, TODOS QUERIAM MAS A CADELA NÃO!

Nada do que desejamos de um cão deverá atentar contra o seu bem-estar social ou induzir à sua despromoção, a menos que as suas características individuais obstem ao seu controlo e ponham gratuitamente em risco a integridade dos seus donos ou de terceiros, sejam estes pessoas ou animais, anomalia por vezes presente nos cães de carácter dominante, hoje raríssimos e ainda procurados, apesar do aproveitamento ou adaptação das suas mais-valias não ser fácil e não estar ao alcance de qualquer um. Exceptuando este caso extremo, todos os cães, caso se consiga, deverão ser socialmente promovidos para o lugar imediatamente acima ou conservar o seu status de acordo com o perfil psicológico que o sustenta pela investidura que o treino oferece.
Determinado cavalheiro, bem casado e com vários filhos, todos menores, com pouca ou nenhuma experiência em cães, decidiu comprar uma cachorra Pastora Alemã como mascote prà família. O animal tem agora 5 meses e o dono confiou-nos a supervisão do seu ensino. Quando inquirido sobre as suas expectativas relativas ao treino, disse: “Eu quero que a cadela obedeça a todos de igual modo lá em casa, o que não acontece agora, pois só atenta para mim. Receio que um dia possa causar dano a algum dos meus filhos mais novos ou apanhar-lhes aversão”. Compreende-se a preocupação do pai mas estranha-se o seu desejo, porque ao satisfazê-lo lançaríamos a cachorra numa tremenda confusão, já que naturalmente resistiria a ser um “pau mandado”: a aceitar todos lá em casa como líderes.
Dificilmente se conseguirá treinar um cão assim, encontrar um com tamanha humildade que rase humilhação, que haja nascido tão submisso ao ponto de vir a comportar-se como um robot, como se fosse máquina e isento de vontades e afectos. Cães mais velhos e experimentados conseguem fazê-lo, ainda que sem entusiasmo e contrariados, satisfazendo as vontades alheias para não serem incomodados, para serem objecto de recompensa ou para agradarem aos seus donos. A inserção de um cão numa família humana é facilitada pelo instinto gregário canino (há quem lhe chame sentimento) que o leva a viver em grupo e a entender os humanos ao seu redor como membros da sua matilha. Caso estivesse nela e ocupasse o último lugar da escala social, certamente seria infeliz e a todos temeria, porque a sua vontade jamais seria respeitada (seria o último a comer, comeria as sobras quando as houvesse, impedi-lo-iam de copular ou abusariam sexualmente dele e viveria debaixo de constante intimidação), lugar geralmente destinado aos cães inibidos e de menor préstimo, tanto para si quanto para os outros, geralmente ocupado por uma fêmea. Ora, uma investidura destas é no mínimo ambígua para quem diz gostar de cães e por isso mesmo abominamos a castração, medida higienista agora em voga que mais apateta os animais do que os aproveita.
Diante deste cenário, melhor seria àquele pai ter adquirido um rafeiro (há tantos à espera de serem adoptados), animais geralmente mais dóceis, comunitários e que normalmente são entregues já castrados, não uma cadela territorial e de linha laboral, como é o caso da sua cachorra pastora alemã: activa, explosiva, curiosa e dada a tropelias típicas da sua idade e peso genético. Porém, nada está perdido e ele verá satisfeitos os seus desejos, porque o animal irá prestar-se a isso, não do modo que ele pensa mas de acordo com o seu particular racial e propósito existencial, uma vez que a cachorra nasceu para cuidar dos seus, muito embora não dispense o treino para nisso se aprimorar e para não entrar em excesso de zelo ou noutros exageros, o que não irá dispensar o ensino do dono enquanto líder da matilha, zelador da sua harmonia e escalonamento social.
E se assim acontecer, pode o nosso homem dormir descansado, porque a Pastora Alemã com auxílio da coabitação, da aquisição de rotinas adequadas, do treino e da idade considerará todos os membros da sua família como seus, dispensando maior cuidado aos mais frágeis e agindo com eles cautelosamente como sempre temos testemunhado, prestando-se à sua salvaguarda e impedindo inclusive que corram riscos desnecessários, movida pelo instinto maternal e pelo impulso herdado à defesa: pastoreando-os literalmente!

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