Erram os
actuais adestradores civis e militares quando procuram cães muito-dominantes
para as suas fileiras e erram triplamente, porque não aprenderam as lições do
passado e vêem comprometida a salvaguarda e controlo dos animais, porque tais
cães partem à desfilada e carregam sobre tudo o que mexe, descorando a sua
segurança individual e tomando amigos por inimigos, o que os torna presa fácil nas
mãos de gente mais experimentada, que os manietará pela troca de alvos ou pela
dissimulação, operando depois a sua imobilização e possível eliminação. Os cães
muito-dominantes do passado sempre eram entregues a tratadores experimentados,
gente que sabia com o que contava e como sair dos possíveis imbróglios em que
se metia, já que os cães ao seu encargo eram de pura natureza ofensiva e havia
que estar atento. Nisto diferiam e não diferem muito pouco dos toiros que,
partindo às cegas, fatalmente acabam com um monte de farpas no lombo e têm a
morte como certa. Não serão as cargas caninas uma versão optimizada e
dissimulada das investiduras taurinas? Um remanescente do soltar das feras no
Coliseu Romano? Semelhanças não faltam e também as motivações não parecem
díspares!
O cão muito-dominante é obra humana,
deve-o à manipulação genética e tanto pode surgir por procura ou ocasionalmente
(jamais acontecerá por investidura), já que tal fenómeno não tem equiparação no
seu ancestral lobo, animal mais defensivo, que não se expõe e que avança
dissimulado, ainda que use a força no estabelecimento na cadeira hierárquica
para garantir a sobrevivência das alcateias. O cão que vive essencialmente para
os ataques é mais bruto que astuto e torna-se previsível, o que lhe rouba de
imediato as vantagens do efeito surpresa e sujeita-o a toda a sorte de desaires,
para além de se ensurdecer nos travamentos e poder morder no seu próprio líder
por desespero, o que nalguns casos resulta dum desequilíbrio psicológico
indutor a um medo maior ou a um pânico incontido (irá ser a descoberta desse
trauma que possibilitará a sua recuperação, quando ela é possível). Qualquer
cão de guarda genuíno, valha-nos isso, é mais defensivo que ofensivo, sendo
mais astuto do que bruto, o que eleva a procura dos cães dominantes em
detrimento dos muito-dominantes para este ofício (disciplina), já que avançam
por ordem expressa, debaixo de cautelas, procuram a vantagem e escolhem o
momento da captura quando entregues a si próprios, protocolos que melhoram
substancialmente com o treino e a experiência, ao contrário dos muito
dominantes cujo exagerado impulso ao poder causa sérios entraves ao
desenvolvimento e uso do seu insuficiente impulso ao conhecimento, o que os
torna menos manobráveis e lhes impede a defesa. Como os ataques caninos são
provenientes dos instintos de caça e de presa e dos impulsos à defesa e à luta,
se os cães muito-dominantes tivessem que caçar para sobreviver, certamente
morreriam à míngua ou comer-se-iam uns aos outros, porque a sua exagerada
exposição impediria o alcance das presas, particular que os caçadores há muito
conhecem.
Para além dos aspectos relativos à
morfologia a respeitar, a hibridação do Pastor Alemão com distintos lobos,
quando não surgiu duma necessidade, como foi o caso do Lobo Checo, foi
justificada pelo reforço do impulso à defesa nesses híbridos, uma vez que os
seus progenitores caninos nisso eram deficitários, diferença que melhor lhes
garantiria a sua salvaguarda. E se na maioria dos casos assim não sucedeu e
alguns se assilvestraram, isso ficou a dever-se à inexcusável caça em grupo que
os lobos não dispensam, a uma maior carga instintiva que obstou à cumplicidade
e ao pormenor de se fazerem mais tarde que os cães. E se o dono do cão é aquele
que lhe dá comida, facilmente compreendemos o que mais aflora o impulso à
defesa e porque não devem outros a dar-lhe de comer. Quando Tina Barber optou
por criar o Pastor de Shiloh estava certa no seu raciocínio ao cruzar Pastores
Alemães com Malamutes, já que os últimos mantêm incólumes a dissimulação e a
astúcia presente nos lobos, de quem são parentes próximos. Também o cruzamento
CPA/Husky se presta ao mesmo fim e o seu produto manifesta a tendência de
carregar em intercepção, sendo praticamente inaudível e invisível antes das
capturas propriamente ditas. Para rematar, importa dizer que o mais excelente
dos Pastores Alemães pode ficar atrás de um bom Lobo Checo em matéria de
defesa, muito embora seja dificílimo encontrar um Cão-Lobo assim. E isto
porquê? Porque o Pastor Alemão é mais propenso a reagir a provocações e menos
cauteloso, o que o torna mais previsível e fácil de enganar (não é por acaso
que nos Estados Unidos existe vasta legislação para regular o percentual de
sangue lobo nos híbridos).
Se
dividirmos a grosso modo os cães em muito-dominantes, dominantes, submissos,
muito-submissos e inibidos, então somos obrigados a reconhecer que os primeiros
são brutos, os segundos astutos, os terceiros cautelosos, os seguintes inseguros
e os últimos puramente medrosos. Diante da autonomia laboral exigível a um cão
de guarda, melhor será que seja astuto do que bruto, o que equivale a dizer que
entre um muito-dominante e um dominante, a escolha deverá recair sobre o
segundo, até porque o primeiro morre a lutar e o último recua para encontrar
vantagem sem contudo desistir (retirada estratégica), o que nos possibilitará
desenvolver e subsidiar o seu impulso à defesa, para que surpreenda e não venha
a ser surpreendido. Voltaremos a este assunto quando nos for sugerido ou
acharmos necessidade disso.
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