domingo, 11 de outubro de 2015

BOULEDOGUE FRANÇAIS: L’ÉMIGRANT QUI EST VENU POUR RESTER

Tem orelhas de morcego, é pequeno, roliço e desengonçado a andar, lembra um híbrido mal conseguido de porco vietnamita ou um coelho anão a quem deram comida a mais, devido à sua aparência bizarra, modo de olhar e locomoção. Não obstante, tornou-se na última coqueluche dos lares portugueses e o seu número cresce assustadoramente entre nós. Por este andar e dentro de poucos anos tornar-se-á tão vulgar que ninguém reparará nele. Estamos a falar do Buldogue Francês, um cão citadino para todas as idades, que enche os nossos espaços públicos e que a classe média elegeu como seu, nomeadamente os solteiros, os casais sem filhos e os avós libertos doutras responsabilidades, ocupando agora o lugar dos pequenos cães alemães e orientais de outrora, que por sua causa passaram de moda, sobrando ainda, não se sabe até quando, os britânicos Bull Terrier e Jack Russell, porque os primeiros são sorumbáticos e pouco solícitos e os últimos são por demais activos e raramente param quietos. Quisemos saber o que o Buldogue Francês tem de tão especial, conhecer as suas vantagens e inconvenientes, estudo que vamos agora dividir com os nossos leitores, para melhor esclarecer os potenciais interessados na sua escolha.
Vamos começar pelas vantagens que não são poucas. O “Frenchie”, originalmente criado como cão de colo e companhia, é um cão próprio para estar dentro de casa e para quem vive num apartamento, adora viver numa box, promove o bem-estar ao seu redor, é brincalhão e presta-se como cartão-de-visita, é leal, apegado ao dono e gosta de estar junto dele, é carinhoso e adora receber muitas festas, permanecendo invariavelmente ao lado dos proprietários, mesmo quando estes não lhe dão muita atenção. Relaciona-se bem com estranhos e até lhes pode pedir colo. É vidrado em crianças e adora participar nas suas brincadeiras, não se recusando a defendê-las se for caso disso. Tem uma razoável capacidade de aprendizagem (superior à do seu ancestral inglês por ser mais leve e versátil), é confiante, ladra pouco, adapta-se com facilidade, é de fácil transporte, não necessita de grande exercício físico e dispensa maiores cuidados. É um excelente companheiro para quem vive só, ideal para seniores e também para quem gosta de desporto moderado. Até aqui tudo bem, excelente!
É chegada a hora de falar dos inconvenientes que a raça transporta, enquanto cão caseiro e impróprio para viver ao ar livre (num canil exterior, quintal ou quinta), porque acusa em demasia tanto o frio como o calor. O Buldogue Francês é por norma muito flatulento, pelo que importa escolher uma ração que não lhe aumente o desprendimento de gases. Ressona tal qual os humanos e invariavelmente. Baba-se em demasia quando se encontra excitado. Larga muito pêlo e nenhuma divisão da casa estará a salvo dele. Não pode tomar banho amiúde porque a sua pele não o consente. É bruto nas brincadeiras, menos sensível à dor que os outros cães (porque é forte e musculado), pula em demasia e tendencialmente embate contra os móveis. É selectivo nos manjares e nem toda a ração lhe agrada, o que o tornará mais dispendioso. É predisposto geneticamente para o uso exagerado da mandíbula, o que poderá torná-lo num destruidor de cadeiras, móveis, rodapés e paredes (o fenómeno é mais grave enquanto cachorro). Alguns exemplares, longe se serem calmos e pacatos, são hiperactivos dentro do lar, pormenor que obrigará à escolha do cachorro certo nas ninhadas. Apresenta maiores dificuldades na aprendizagem de urinar no sítio certo, o que exigirá persistência e paciência. Apresenta menor resistência física que a maioria dos cães, o que o torna impróprio para grandes caminhadas e para maiores performances atléticas. Como é naturalmente teimoso e está sempre a testar os donos, o seu dono deverá ser um líder capaz (não há bela sem senão!).
Os buldogues maiores, que podem chegar aos 14kgs ou mais, devido ao seu peso, são incómodos para transportar ao colo. Se optar por um cão desta raça prepare-se para ser abalroado na rua, porque serão muitos os que pretenderão fazer-lhe festas (muitos buldogues franceses acabam roubados). À parte disto, eles não gostam de ficar sós e podem tornar-se destrutivos. Os criadores sérios da raça aconselham que seja sociabilizado logo em cachorro, aos 4 meses de idade, porque alguns exemplares são briguentos. Também por causa disso e para se evitarem danos maiores, caso tenha um macho e pretenda arranjar outro cão desta ou doutra raça, convém optar por uma fêmea, porque ele não se intimida perante cães maiores, valentia herdada dos cães de arena que estiveram na sua origem. Contudo, a raça não se encontra indexada à lista das consideradas perigosas.
No que à sua saúde diz respeito, o Buldogue Francês apresenta vários problemas, cujos principais enumeraremos a seguir. Pelo facto de ser um braquicéfalo acusa em demasia as amplitudes térmicas (frio e calor). Com a temperatura a 25º celsius, a maioria dos buldogues franceses já se encontra em sérias dificuldades. Grande número de exemplares brancos é surdo e apresenta problemas de pele. Em qualquer das variedades cromáticas é obrigatório limpar, preferencialmente duas vezes ao dia, os vincos da pele enrugada com um pano humedecido ou um “dodot”, secando-os a seguir para não surgirem fungos. Machos e fêmeas têm dificuldade em dobrar-se, particular que lhes impede de executarem a sua higiene (geral e íntima). Assim, convém limpar e proteger a vulva das cadelas. A ausência deste cuidado poderá resultar em assaduras naquela zona do corpo, o que a acontecer obrigará as fêmeas, pelo incómodo causado, a esfregarem-se no chão, apanhando assim bactérias que poderão originar cistites (o seu veterinário, melhor do que ninguém, saberá aconselhar-lhe qual a pomada protectora a utilizar depois da limpeza). É raro encontrar um buldogue francês que nunca teve problemas de pele, facto que fica a dever-se à sua baixa imunidade e que lhes aumenta o quadro das alergias (alergias alimentares, a produtos de limpeza e até a determinados tipos de piso). Por causa disso, otites e dermatoses, isoladas ou combinadas, parecem andar de mãos dadas com a raça.
A displasia também é um dos seus flagelos assim como os problemas oculares. É comum verem-se exemplares com os olhos muito salientes ou vesgos, o que no primeiro caso os sujeita todo o tipo de acidentes que podem levá-los à cegueira. Para além destes pormenores, alguns indivíduos apresentam-se com os olhos tapados por pele ou membranas, o que obrigará a cirurgia para que vejam correctamente (há que estar atento e olhar para os progenitores). Criar buldogues franceses para alcançar fortuna é um sonho que não se coaduna com a realidade, porque a maioria deles resulta de inseminação artificial e obriga as suas mães a cesarianas, já que muitos machos morrem ao ejacular e não aguentam o coito e as cadelas não conseguem expulsar naturalmente os fetos, morrendo algumas nas anestesias. Não obstante, e isto dito por quem os tem, o buldogue francês é viciante e quem já tem um acaba por adquirir outro.
Sem intervenção humana o buldogue francês jamais sobreviveria (o inglês muito menos), por que se trata de uma raça artificial à revelia da evolução e da selecção natural das espécies. Nós achamo-los simpáticos e amorosos mas não nos podemos esquecer da maldade por detrás da sua criação, considerando o montante dos seus problemas que resultam em vários atentados à sua saúde, bem-estar e longevidade. E ao dizermos isto, é melhor nem falarmos no English Bulldog, símbolo da canicultura britânica e uma vergonha para todos nós, expoente da mais malfadada eugenia negativa, pesadelo de quatro patas que sobrevive pelo sonho humano, a despeito daquilo que lhe é devido enquanto cão, um caso típico de alucinação a que importa pôr cobro, porque gostar de cães jamais deverá implicar na sua destruição.
Este pequeno francês veio para ficar ou terá os dias contados? O presente diz-nos que veio para ficar e a história que tem os dias contados. A ver vamos como diz o cego! Entretanto, e isto para os adestradores, caso lhes surjam alguns buldogues franceses ou ingleses, mancebos raríssimos nas classes de adestramento, há que ter todo o cuidado com eles, tratar da sua sociabilização e evitar grandes pançadas e correrias, porque tendem à obesidade e colapsam com facilidade. O aviso está dado e quem não o aplicar poderá vir a pagar as favas! Sem querermos denegrir o buldogue francês ou puxar a brasa á nossa sardinha, achamos que o nosso podengo pequeno, por ser mais maleável que os outros de diferente tamanho, presta-se para o mesmo fim e apresenta as mesmas vantagens do cão francês, sendo ainda mais saudável e económico, menos problemático e exigente, havendo por cá muitos à espera de serem adoptados.
Até quando deixaremos de valorizar o que é nosso? Talvez no dia em que a ostentação ceder lugar à razão e tenhamos que fazer contas à vida, altura em que os “bijoux” serão finalmente trocados pela prata da casa.

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