Tem orelhas de morcego, é
pequeno, roliço e desengonçado a andar, lembra um híbrido mal conseguido de
porco vietnamita ou um coelho anão a quem deram comida a mais, devido à sua
aparência bizarra, modo de olhar e locomoção. Não obstante, tornou-se na última
coqueluche dos lares portugueses e o seu número cresce assustadoramente entre
nós. Por este andar e dentro de poucos anos tornar-se-á tão vulgar que ninguém
reparará nele. Estamos a falar do Buldogue Francês, um cão citadino para todas
as idades, que enche os nossos espaços públicos e que a classe média elegeu
como seu, nomeadamente os solteiros, os casais sem filhos e os avós libertos
doutras responsabilidades, ocupando agora o lugar dos pequenos cães alemães e
orientais de outrora, que por sua causa passaram de moda, sobrando ainda, não
se sabe até quando, os britânicos Bull Terrier e Jack Russell, porque os
primeiros são sorumbáticos e pouco solícitos e os últimos são por demais activos
e raramente param quietos. Quisemos saber o que o Buldogue Francês tem de tão
especial, conhecer as suas vantagens e inconvenientes, estudo que vamos agora
dividir com os nossos leitores, para melhor esclarecer os potenciais
interessados na sua escolha.
Vamos começar pelas
vantagens que não são poucas. O “Frenchie”, originalmente criado como cão de
colo e companhia, é um cão próprio para estar dentro de casa e para quem vive
num apartamento, adora viver numa box, promove o bem-estar ao seu redor, é
brincalhão e presta-se como cartão-de-visita, é leal, apegado ao dono e gosta
de estar junto dele, é carinhoso e adora receber muitas festas, permanecendo
invariavelmente ao lado dos proprietários, mesmo quando estes não lhe dão muita
atenção. Relaciona-se bem com estranhos e até lhes pode pedir colo. É vidrado
em crianças e adora participar nas suas brincadeiras, não se recusando a
defendê-las se for caso disso. Tem uma razoável capacidade de aprendizagem
(superior à do seu ancestral inglês por ser mais leve e versátil), é confiante,
ladra pouco, adapta-se com facilidade, é de fácil transporte, não necessita de
grande exercício físico e dispensa maiores cuidados. É um excelente companheiro
para quem vive só, ideal para seniores e também para quem gosta de desporto
moderado. Até aqui tudo bem, excelente!
É chegada a hora de falar
dos inconvenientes que a raça transporta, enquanto cão caseiro e impróprio para
viver ao ar livre (num canil exterior, quintal ou quinta), porque acusa em
demasia tanto o frio como o calor. O Buldogue Francês é por norma muito
flatulento, pelo que importa escolher uma ração que não lhe aumente o desprendimento
de gases. Ressona tal qual os humanos e invariavelmente. Baba-se em demasia
quando se encontra excitado. Larga muito pêlo e nenhuma divisão da casa estará a
salvo dele. Não pode tomar banho amiúde porque a sua pele não o consente. É
bruto nas brincadeiras, menos sensível à dor que os outros cães (porque é forte
e musculado), pula em demasia e tendencialmente embate contra os móveis. É
selectivo nos manjares e nem toda a ração lhe agrada, o que o tornará mais
dispendioso. É predisposto geneticamente para o uso exagerado da mandíbula, o
que poderá torná-lo num destruidor de cadeiras, móveis, rodapés e paredes (o
fenómeno é mais grave enquanto cachorro). Alguns exemplares, longe se serem
calmos e pacatos, são hiperactivos dentro do lar, pormenor que obrigará à
escolha do cachorro certo nas ninhadas. Apresenta maiores dificuldades na
aprendizagem de urinar no sítio certo, o que exigirá persistência e paciência. Apresenta
menor resistência física que a maioria dos cães, o que o torna impróprio para
grandes caminhadas e para maiores performances atléticas. Como é naturalmente
teimoso e está sempre a testar os donos, o seu dono deverá ser um líder capaz (não
há bela sem senão!).
Os buldogues maiores, que
podem chegar aos 14kgs ou mais, devido ao seu peso, são incómodos para
transportar ao colo. Se optar por um cão desta raça prepare-se para ser abalroado
na rua, porque serão muitos os que pretenderão fazer-lhe festas (muitos
buldogues franceses acabam roubados). À parte disto, eles não gostam de ficar
sós e podem tornar-se destrutivos. Os criadores sérios da raça aconselham que
seja sociabilizado logo em cachorro, aos 4 meses de idade, porque alguns
exemplares são briguentos. Também por causa disso e para se evitarem danos
maiores, caso tenha um macho e pretenda arranjar outro cão desta ou doutra
raça, convém optar por uma fêmea, porque ele não se intimida perante cães
maiores, valentia herdada dos cães de arena que estiveram na sua origem.
Contudo, a raça não se encontra indexada à lista das consideradas perigosas.
No que à sua saúde diz
respeito, o Buldogue Francês apresenta vários problemas, cujos principais
enumeraremos a seguir. Pelo facto de ser um braquicéfalo acusa em demasia as
amplitudes térmicas (frio e calor). Com a temperatura a 25º celsius, a maioria dos
buldogues franceses já se encontra em sérias dificuldades. Grande número de
exemplares brancos é surdo e apresenta problemas de pele. Em qualquer das
variedades cromáticas é obrigatório limpar, preferencialmente duas vezes ao
dia, os vincos da pele enrugada com um pano humedecido ou um “dodot”,
secando-os a seguir para não surgirem fungos. Machos e fêmeas têm dificuldade
em dobrar-se, particular que lhes impede de executarem a sua higiene (geral e
íntima). Assim, convém limpar e proteger a vulva das cadelas. A ausência deste
cuidado poderá resultar em assaduras naquela zona do corpo, o que a acontecer
obrigará as fêmeas, pelo incómodo causado, a esfregarem-se no chão, apanhando
assim bactérias que poderão originar cistites (o seu veterinário, melhor do que
ninguém, saberá aconselhar-lhe qual a pomada protectora a utilizar depois da
limpeza). É raro encontrar um buldogue francês que nunca teve problemas de
pele, facto que fica a dever-se à sua baixa imunidade e que lhes aumenta o
quadro das alergias (alergias alimentares, a produtos de limpeza e até a
determinados tipos de piso). Por causa disso, otites e dermatoses, isoladas ou
combinadas, parecem andar de mãos dadas com a raça.
A displasia também é um
dos seus flagelos assim como os problemas oculares. É comum verem-se exemplares
com os olhos muito salientes ou vesgos, o que no primeiro caso os sujeita todo
o tipo de acidentes que podem levá-los à cegueira. Para além destes pormenores,
alguns indivíduos apresentam-se com os olhos tapados por pele ou membranas, o
que obrigará a cirurgia para que vejam correctamente (há que estar atento e
olhar para os progenitores). Criar buldogues franceses para alcançar fortuna é
um sonho que não se coaduna com a realidade, porque a maioria deles resulta de
inseminação artificial e obriga as suas mães a cesarianas, já que muitos machos
morrem ao ejacular e não aguentam o coito e as cadelas não conseguem expulsar
naturalmente os fetos, morrendo algumas nas anestesias. Não obstante, e isto
dito por quem os tem, o buldogue francês é viciante e quem já tem um acaba por
adquirir outro.
Sem intervenção humana o
buldogue francês jamais sobreviveria (o inglês muito menos), por que se trata
de uma raça artificial à revelia da evolução e da selecção natural das
espécies. Nós achamo-los simpáticos e amorosos mas não nos podemos esquecer da
maldade por detrás da sua criação, considerando o montante dos seus problemas que
resultam em vários atentados à sua saúde, bem-estar e longevidade. E ao
dizermos isto, é melhor nem falarmos no English Bulldog, símbolo da canicultura
britânica e uma vergonha para todos nós, expoente da mais malfadada eugenia
negativa, pesadelo de quatro patas que sobrevive pelo sonho humano, a despeito
daquilo que lhe é devido enquanto cão, um caso típico de alucinação a que
importa pôr cobro, porque gostar de cães jamais deverá implicar na sua
destruição.
Este pequeno francês veio
para ficar ou terá os dias contados? O presente diz-nos que veio para ficar e a
história que tem os dias contados. A ver vamos como diz o cego! Entretanto, e
isto para os adestradores, caso lhes surjam alguns buldogues franceses ou
ingleses, mancebos raríssimos nas classes de adestramento, há que ter todo o
cuidado com eles, tratar da sua sociabilização e evitar grandes pançadas e
correrias, porque tendem à obesidade e colapsam com facilidade. O aviso está
dado e quem não o aplicar poderá vir a pagar as favas! Sem querermos denegrir o
buldogue francês ou puxar a brasa á nossa sardinha, achamos que o nosso podengo
pequeno, por ser mais maleável que os outros de diferente tamanho, presta-se
para o mesmo fim e apresenta as mesmas vantagens do cão francês, sendo ainda
mais saudável e económico, menos problemático e exigente, havendo por cá muitos
à espera de serem adoptados.
Até quando deixaremos de valorizar o que é nosso? Talvez no dia em que a
ostentação ceder lugar à razão e tenhamos que fazer contas à vida, altura em
que os “bijoux” serão finalmente trocados pela prata da casa.
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