Do alto de um edifício que ultimamente tenho sido obrigado a frequentar,
todas as manhãs avisto uma mulher de 50 anos que sai à rua com os seus cães
atrelados, dois rafeiros de médio porte, castrados, cada um de sua cor,
díspares de características e de comportamento diverso, ambos obesos e
pendurados à trela, que dão a sensação de serem melhor cuidados que a dona, que
se apresenta de postura descaída, com os cabelos descolorados e desgrenhados,
de capa comprida e nada limpa, por cima dumas calças russas e cheias de nódoas,
rematadas por umas botas já gastas, isentas de conservação e a exigir conserto.
Quando os avisto digo para mim mesmo: lá vem o “Trio Odemira”, porque os cães
não param de ladrar e a dona de serená-los, lembrando um canto a várias vozes,
apesar de desagradável, abusivo e caricato (que me perdoem os cantantes
alentejanos que nada têm a ver com isto).
Acontece que um dos cães,
cuja bastardia em Beagle ainda é notória e que vai seguro pela mão direita da
senhora, para além de ser um péssimo cantor, ainda embirra com todos os cães e
intenta atacá-los, provocando o desequilíbrio da pobre coitada, que
ocasionalmente é jogada ao solo pelas arremetidas daquele arruaceiro. Vejo-os
sair de casa, a primeira a pôr a cabeça fora de portas é a dona, que antes de
mandar avançar os seus companheiros, se certifica da inexistência doutros cães por
perto. Mas como eles não faltam por todo o lado, não demorará a cruzar-se com
algum, incómodo que tenta evitar a todo o custo e que a obriga a circular com a
cabeça em catavento, tal qual louco estranhando a saída dum hospício.
Inevitavelmente, porque fixa e rosna, o rafeiro mais agressivo acabará por se
embrulhar com outro cão de passagem, incidente rotineiro que não isentará a
dona de gritaria. Depois de sanados os conflitos, que nem sempre chegam a vias
de facto, a mulher afasta-se, serena o cão e dá-lhe biscoitos, ainda que no
intervalo deles o animal mantenha o mesmo desejo e determinação, tudo fazendo
para voltar à carga.
Diante daquele continuado disparate e da inutilidade do protocolo utilizado,
várias vezes pensei em dirigir-me àquela mulher no intuito de a aconselhar e
ajudar, mas como me parece mais alienada do que apegada à razão e ao bom senso,
sempre acabo por desistir dos meus intentos, porque necessito de serenar, de
encontrar forças para ir adiante e já não me comprazo em polémicas. É óbvio que
o cão, a necessitar de travamento e sociabilização, está a associar a
recompensa ao disparate e ela está a potenciá-lo, de tal maneira que o outro
cão, que não é de natureza agressiva, intenta agora participar nos ataques. Se
porventura algum dos nossos leitores tem um cão com este tipo de comportamento contacte-nos,
que logo lhe adiantaremos a solução para o problema e, caso se justifique, indicar-lhe-emos
uma escola canina que lhe possa valer.
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