terça-feira, 18 de agosto de 2015

NATUREZA, SURPRESA E JAVALIS

Se há hábito que o português não perdeu e dificilmente perderá, o de comer no campo é um deles, muito embora tenha trocado o nome de “merendar” por “piquenicar” e aligeirado as refeições, porque as cozinheiras doutrora já cá não estão, o garrafão de vinho caiu em desuso e as sandes substituem os afamados pratos tradicionais. Contudo, ainda se grelham sardinhas, bacalhau e febras, normalmente acompanhados das mais variadas saladas que vão do tomate aos pimentos, passando pela alface e pelo pepino (agora já muitos usam também rúcula). Depois de “bem aviados”, soltam as crianças e embalam para uma grande soneca, debaixo das árvores e estendidos no chão, acordando lá pràs 5 ou 6 da tarde, suados, tolhidos e vermelhos que nem leitões.
Infelizmente estamos no pique dos incêndios e todo o cuidado é pouco, os fogos florestais sucedem-se de Norte a Sul do País e é preciso estar de sobreaviso, para que não acordarmos no meio de inesperadas labaredas, tantas vezes espevitadas por veraneantes descuidados. Melhor será assentar arraiais junto a uma estrada do que mata a dentro, deixar o carro à beira da estrada do que trazê-lo para o meio da floresta, porque mais vale andar mais um pouco do que agravar a situação e comprometer o socorro. Nas matas ou parques que não têm assadores próprios, é contraproducente fazer fogueiras, porque raramente são limpas e têm à sua volta mato seco com fartura. Se você é fumador, não se deite de cigarro na boca, não deixe garrafas de vidro à torreira do sol e escolha locais mais arejados e sem mato, preferencialmente junto a rios ribeiros, porque “o seguro morreu de velho”.
Curiosamente são os proprietários caninos que correm mais riscos nas matas, porque procuram as menos concorridas e menos acessíveis, para que os seus cães não incomodem e possam correr à vontade, já que a lei os proíbe de circular no exterior sem trela. Todavia, as áreas menos apelativas para os viandantes são habitats e lugares de passagem para as espécies silvestres, que ali se sentem seguras pela distância que as separa dos intrusos. Uma dessas espécies a ter em conta é o Javali (Sus scrofa), cada vez mais numeroso nas nossas matas, que como se sabe é omnívoro e tem o faro extraordinariamente desenvolvido, podendo cheirar comida a 5 km de distância. A época estival marca o início do desmame dos leitões, que começam a procurar comida debaixo da alçada das matriarcas, que ao menor sinal de perigo darão a sua vida pelos filhotes, atacando violentamente quem se aproximar deles, ataques que não raramente deixam marcas profundas e que poderão ser letais para pessoas e animais.
Para diminuir os riscos de confrontação, provocados pela avidez de alimento dos leitões, aconselha-se que tanto as sobras da comida quanto os restos sejam ensacados e devidamente guardados, as primeiras em caixas isotérmicas estanques e os últimos em sacos de plástico ou em baldes com tampa, devendo ambos ser guardados dentro das viaturas. Se porventura tal não se tornar prático, a comida deverá permanecer junto das pessoas e os restos afastados delas no mínimo a 50m, estabelecendo assim um perímetro de segurança, para que os leitões roubem os sacos do lixo e não importunem ninguém, já que são naturalmente atrevidos na presença das suas matriarcas, desaparecendo por norma com os sacos na boca. Pela mesma razão, evite acampar perto dos recipientes de lixo nos parques de merendas. Se por acaso se vir cercado de leitões, não os acaricie, não fuja ou corra atrás deles, evite gestos bruscos, acalma-se e aja como se não os houvesse visto, adquirindo uma mímica passiva e desinteressante, porque bem perto dos leitões, ainda que não seja visível, está a sua mãe, que por ser extraordinariamente protectora, não é para brincadeiras. Apesar da sua actividade poder decorrer durante todo o dia, os javalis são mais activos ao crepúsculo e durante a noite, ocasiões em que o risco de confrontação é maior e mais frequente, o que pode tornar perigosa a permanência em matas, soutos e pinhais depois do sol se pôr.
 Não só por causa dos javalis mas também por causa deles, quando decidir empreender uma sesta no campo, conserve os seus cães junto de si e não os deixe deambular pela floresta, a menos que conheça a sua geografia como a palma da sua mão. Deixar os cães soltos é convidá-los a caçar e sujeitá-los a serem surpreendidos e caçados. Uma fêmea de javali com crias ao seu encargo pode facilmente despedaçar 2 ou mais cães, atendendo às suas presas, porte, motivação e força. Para além dos indesejáveis encontros com os javalis, os cães deixados à solta pelas matas incorrem noutros perigos, acabando alguns mordidos por víboras, que se encontram activas de Março a Outubro. Em Portugal existem duas espécies delas: a Vipera Latastei, também conhecida como víbora cornuda, mais comum a norte do Douro, e a Vipera Seoanei, que só atacam quando se sentem ameaçadas. Felizmente os seus ataques não são muito frequentes e raramente causam vítimas humanas, apesar de deixarem marcas para toda a vida e poderem vir a ser fatais em crianças, debilitados e idosos, por não resistirem aos efeitos do veneno no metabolismo. As mordeduras destas serpentes atingem maior fatalidade nos cães, particularmente entre os mais pequenos, considerando o seu menor peso diante da quantidade de veneno inoculado.
Desejamos umas óptimas férias para que aqueles que se encontram a descansar e a retemperar as forças, que usam o Verão para disfrutar da natureza e que o fazem na companhia dos seus cães. Apostados no seu regresso a casa sem novidades, escrevemos este artigo para os precaver de possíveis acidentes e contratempos.

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