sábado, 8 de agosto de 2015

A QUE SE DEVE A FIDELIDADE CANINA?

É possível que a resposta a esta pergunta tenha sido uma das causas que nos trouxe para o mundo da cinotecnia, porque em nenhum animal a fidelidade ao dono é tão visível e natural como no cão. Não temos dúvida nenhuma que esta qualidade é advinda da convivência e que quando maior for a coabitação entre homens e cães, maior será também a dedicação dos animais, porque ao serem territoriais, não nasceram para estar sós e procuram avidamente a segurança que o grupo lhes oferece. Também sabemos que o grau de fidelidade canina difere de indivíduo para indivíduo e que os mais ricos em personalidade estabelecem vínculos afectivos mais profundos que os dominados pelos instintos, o que torna único cada relacionamento homem-cão. A protecção e o socorro dispensados aos cães pelos donos, ao aumentar-lhes a segurança, levam-nos a confiar cada vez mais nos seus líderes e a agradar-lhes, porque são gratos e buscam aprovação. Para além destes aspectos, a fidelidade canina resulta do entendimento recíproco com os donos, que numa fase mais esmerada poderá até dispensar as palavras e acontecer somente pela leitura das expressões mímicas duns e doutros, apesar do cérebro dos cães ser capaz de reagir às palavras da mesma forma que o cérebro humano, o que torna a fidelidade canina também sustentada pela genética comum.
Quanto mais próximo, interactivo, profundo e exclusivo for o relacionamento do dono com o cão, maior será a fidelidade do animal e esta jamais sucederá plenamente se não houver entre ambos um inequívoco entendimento mútuo, o que nos transporta para a triste figura de alguns adestradores (também de alguns donos), que na impossibilidade de compreenderem e de se fazerem compreender pelos cães, acabam por rotulá-los de imprestáveis ou impróprios, quando a maior das impropriedades habita neles e não nos animais que pretendem ensinar. Para todos os efeitos, um adestrador é um actor e um fingidor, alguém capaz de se desnudar ou transfigurar para melhor compreender e ser compreendido, valendo-se para isso de posturas e tons de voz cuja carga emocional seja capaz de romper as barreiras de comunicação com os seus pupilos e alcançar deles a resposta esperada. E se os cães não dispensam e vivem de rituais, então o adestramento deverá constituir-se num conjunto deles de fácil compreensão e assimilação para os animais. Sempre que tocamos neste assunto, vêm-nos à memória um nosso colaborador do passado, o Sr. N.F. Santos Silva, que dizia ser a “estaleca” a responsável pelos melhores resultados obtidos por certos adestradores usando o mesmo método de outros. E nisto tinha razão, se entendermos “estaleca” como sinónimo de ânimo, já que as palavras "ânimo" (animus) e "alma" (anima) têm a mesma raiz etimológica, dependendo uma da outra para tudo. Será possível animar sem alma e uma alma não ter ânimo?
Para além das razões genéticas, ambientais e das atribuídas ao condicionamento ou das decorrentes da disciplina e das regras, a fidelidade canina estabelece-se na comunhão das emoções que desnudam os sentimentos comuns a homens e cães (assim também comunicamos com os bebés). E quando acontece essa fusão emocional, qualquer dono torna-se insubstituível, ao ponto do cão permanecer junto à sua tumba por anos a fio, na esperança de o ver ressurgir. A fidelidade de um cão não se alcança gratuitamente nem resulta do seu esforço isolado, mas da entrega do dono que tudo faz para que ele se sinta bem a seu lado, até serem unha com carne ou farinha do mesmo saco. Como não se pode dissociar a fidelidade canina da afeição pelo dono, podemos dizer que ela resulta ou é fruto do amor, verdade que pode também ser comprovada pela sua isenção, uma vez que os donos menos disponíveis e mais superficiais tendem a possuir cães velhacos e prontos a mandá-los bugiar e, se esta atitude reflexa coubesse só aos cães, não viriam maiores males a este mundo!
Alegoricamente falando, cada cão tem dentro de si a semente da fidelidade, intrinsecamente ligada ao seu bem-estar, que jamais germinará e desabrochará sem o auxílio dos donos, porque é reflexo e prémio de quem primeiro amou e nisso se manteve. Para o bem e para o mal; para o melhor e para o pior, como tantas vezes temos visto, ouvido e experimentado, os cães são reflexo dos seus líderes (por vezes da sua impropriedade e desleixo), espelham sempre o seu cuidado, completando-os ou desnudando-os, abandonando-os ou seguindo-os por toda a parte. A que deve a fidelidade canina? Aos donos que a alcançaram e mereceram! Está redondamente enganado aquele que pensa ser o adestramento unicamente para os cães! Quem não quer ou não sabe amar, em vão esperará a fidelidade de quem o acompanha, porque vã é também a disciplina diante da afeição. E porque temos experimentado a fidelidade canina, desafiamos os nossos leitores a procurá-la, convidando-os para a humildade que possibilitará o melhor entendimento com os seus cães e que viabilizará o namoro interespécies. A fidelidade canina resulta da felicidade que poucos donos sabem garantir e perpetuar, porque só a experiência do bem aguentará toda a sorte de desaires, já que os cães vivem de acordo com a experiência que têm. 

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