sábado, 31 de maio de 2014

TÚNEIS: ACERTOS, DESACERTOS, APERTOS E UTILIDADE

Todo e qualquer grupo de obstáculos tem uma sequência natural que garante a transição segura dos cães e a sua evolução, porque se parte dos mais fáceis para os mais difíceis e dos mais simples para os mais complicados. Em simultâneo, a distinta natureza dos obstáculos encontra-se ligada a uma aptidão ou a um fim específico, quer ele seja desportivo ou outro. Os actuais obstáculos do Agility são de fácil execução para qualquer cão, já que são réplicas suaves doutros há muito usados para outros fins, ainda que na natureza de alguns seja visível a influência do mundo equestre. A sequência natural dos túneis começa pela ultrapassagem de vários arcos a céu aberto, evolui para os rectos de cor clara e curtos, deles para os de tonalidade mais escura, mais compridos e de diferentes materiais. Finalmente passar-se-á para os flexíveis sem fim à vista e para os complementados com uma manga de saída. Entretanto, se o cão se destina ao resgate e ao salvamento, deverá trabalhar num emaranhado deles, respeitando-se o cuidado anterior e evoluindo-se daí para toda a sorte de túneis naturais ou urbanos, previamente elaborados ou resultantes de alterações ou acidentes geológicos (grutas, cisternas, poços, condutas de saneamento e de ar condicionado, avalanches, derrocadas, escombros, etc.). As pistas cinotécnicas portuguesas são de uma pobreza extrema nesta área de ensino, porque lhes falta um piso para trabalharem abaixo do solo, servindo-se por norma das suas excursões para tal efeito.
Uma vez respeitada a sua sequência natural, os túneis não apresentarão para os cães maiores dificuldades. Mas como isso raramente acontece e os túneis a usar se remetem exclusivamente a uma manga flexível, há que encolhê-la e gradualmente estendê-la, primeiro em linha recta e depois dobrada e sem fim à vista. No início da abordagem aos túneis com manga convém que ela seja levantada, para que os cães vejam a saída e não retornem ao ponto de partida. Pouco a pouco baixa-se a manga até ficar completamente caída no solo, altura em que os cães já a conseguem levantar e passar por ela.
Não é acertado convidar cães obesos ou pouco disponíveis fisicamente para a prática dos túneis, sem antes lhes solicitar a prontidão e os índices atléticos requeridos para a sua prática, porque doutra forma e uma vez lá dentro, aproveitarão para descansar e para se escapar ao trabalho, servindo-se dos túneis como esconderijo, fenómeno também muito comum entre os cães manhosos. Se a maga for flexível, há que encurtá-la e pedir ao dono que chame o cão à sua saída, recompensando-o de imediato. Mas se a manga for rígida e o cão persistir em não colaborar, tanto se pode usar uma guia comprida a ser puxada pelo dono como servir-nos do reboque de um cão experimentado, mais robusto e bem sociabilizado, graças à ajuda duma trela interligada entre ambos. A escolha destas soluções extraordinárias deverá considerar o perfil psicológico do iniciado: se for submisso, opta-se pelo dono; se for valente, o reboque apresenta-se como a melhor e a mais célere das soluções, já que é tirada a partir do exemplo. De qualquer modo, há que evitar o pânico que obsta tanto à entrada como à saída dos animais.
Apesar de há muito conhecermos estes procedimentos, o ensino dos túneis sempre nos serviu de protocolo iniciático para gente moça, pouco pensada, atrevida e irreverente, com mais músculo e menos massa cinzenta, a quem confessávamos a nossa “impotência” perante a resistência inicial dos seus cães, dizendo-lhe que a única solução era a de terem de entrar por eles adentro. Como a marosca era premeditada, aproveitámos os dias de chuva para tal, ocasião em que os túneis se encontravam encharcados e enlameados. Caso as condições climatéricas fossem outras, não hesitaríamos em regá-los. Depois disso, dávamos-lhe o nosso “bem-vindo” à pista de obstáculos e soltávamos: “ ensinar cães é um acto inteligente, há que pensar antes de agir!”
Se a prática dos túneis se remeter a isso mesmo, então o seu ensino apenas beneficiará os binómios que a eles concorrem e pouca ou nenhuma validade terá para a restante população e para o mundo, ainda que se preste a uma ou mais modalidades competitivas e congregue à sua volta grande número de pessoas. Mas será apenas lúdico o seu propósito e utilidade? É evidente que não! O fim útil dos túneis aponta para duas direcções: a salvaguarda do cão e a prestação de socorro a terceiros. Entendido este duplo propósito, percebemos imediatamente que os túneis servem de capacitação e simulacro para acções reais, permitindo ao cão evadir-se e prestar socorro a pessoas, o que nos transporta para as disciplinas de resgate e salvamento e faz dos túneis currículo obrigatório.
Em Portugal e não só, tem-se alimentado a falsa ideia que o salvamento e resgate de pessoas é tarefa exclusiva dos cães policiais ou dos pertencentes aos bombeiros, a quem indubitavelmente também cabe essa tarefa, como se a excelência canina escolhesse fardas e os restantes cidadãos não tivessem cães de igual ou superior qualidade para esse fim. Como o hábito não faz o monge e as calamidades não escolhem as imediações dos quartéis, também porque a prestação de socorro é por norma urgente, é de todo conveniente que as escolas caninas civis também se dediquem ao resgate e salvamento nas suas múltiplas vertentes, opção que as tornará mais válidas aos olhos da sociedade e que mais justificará a sua existência e propósito.
Portugal, apesar de ser pequeno, tem um clima ameno, é bem servido de auto-estradas e rico na diversidade de ecossistemas, o que nos permite treinar todo o ano, deslocar-nos facilmente e trabalhar onde precisamos, adestrando e especializando os cães onde a sua ajuda é mais necessária. Convém não esquecer que o País continental, no contexto da tectónica das placas, situa-se na placa euro-asiática, limitada a sul pela falha Açores-Gibraltar, a qual corresponde à fronteira entre as placas euro-asiáticas e a africana e a oeste com a falha Dorsal do Oceano Atlântico, o que o coloca numa zona instável de actividade sísmica (interplaca e intraplaca). Queira Deus que o Terramoto ocorrido em 1755 não se repita! Usufruir da companhia de um cão é excelente mas treiná-lo para valer aos outros ainda é melhor!

Sem comentários:

Enviar um comentário