Todo e qualquer grupo de obstáculos tem uma
sequência natural que garante a transição segura dos cães e a sua evolução,
porque se parte dos mais fáceis para os mais difíceis e dos mais simples para
os mais complicados. Em simultâneo, a distinta natureza dos obstáculos
encontra-se ligada a uma aptidão ou a um fim específico, quer ele seja
desportivo ou outro. Os actuais obstáculos do Agility são de fácil execução
para qualquer cão, já que são réplicas suaves doutros há muito usados para
outros fins, ainda que na natureza de alguns seja visível a influência do mundo
equestre. A sequência natural dos túneis começa pela ultrapassagem de vários
arcos a céu aberto, evolui para os rectos de cor clara e curtos, deles para os
de tonalidade mais escura, mais compridos e de diferentes materiais. Finalmente
passar-se-á para os flexíveis sem fim à vista e para os complementados com uma
manga de saída. Entretanto, se o cão se destina ao resgate e ao salvamento,
deverá trabalhar num emaranhado deles, respeitando-se o cuidado anterior e
evoluindo-se daí para toda a sorte de túneis naturais ou urbanos, previamente
elaborados ou resultantes de alterações ou acidentes geológicos (grutas,
cisternas, poços, condutas de saneamento e de ar condicionado, avalanches,
derrocadas, escombros, etc.). As pistas cinotécnicas portuguesas são de uma
pobreza extrema nesta área de ensino, porque lhes falta um piso para
trabalharem abaixo do solo, servindo-se por norma das suas excursões para tal
efeito.
Uma vez
respeitada a sua sequência natural, os túneis não apresentarão para os cães
maiores dificuldades. Mas como isso raramente acontece e os túneis a usar se
remetem exclusivamente a uma manga flexível, há que encolhê-la e gradualmente
estendê-la, primeiro em linha recta e depois dobrada e sem fim à vista. No
início da abordagem aos túneis com manga convém que ela seja levantada, para
que os cães vejam a saída e não retornem ao ponto de partida. Pouco a pouco
baixa-se a manga até ficar completamente caída no solo, altura em que os cães
já a conseguem levantar e passar por ela.
Não é acertado convidar cães obesos ou pouco
disponíveis fisicamente para a prática dos túneis, sem antes lhes solicitar a
prontidão e os índices atléticos requeridos para a sua prática, porque doutra forma
e uma vez lá dentro, aproveitarão para descansar e para se escapar ao trabalho,
servindo-se dos túneis como esconderijo, fenómeno também muito comum entre os
cães manhosos. Se a maga for flexível, há que encurtá-la e pedir ao dono que
chame o cão à sua saída, recompensando-o de imediato. Mas se a manga for rígida
e o cão persistir em não colaborar, tanto se pode usar uma guia comprida a ser puxada
pelo dono como servir-nos do reboque de um cão experimentado, mais robusto e
bem sociabilizado, graças à ajuda duma trela interligada entre ambos. A escolha
destas soluções extraordinárias deverá considerar o perfil psicológico do
iniciado: se for submisso, opta-se pelo dono; se for valente, o reboque
apresenta-se como a melhor e a mais célere das soluções, já que é tirada a
partir do exemplo. De qualquer modo, há que evitar o pânico que obsta tanto à
entrada como à saída dos animais.
Apesar de
há muito conhecermos estes procedimentos, o ensino dos túneis sempre nos serviu
de protocolo iniciático para gente moça, pouco pensada, atrevida e irreverente,
com mais músculo e menos massa cinzenta, a quem confessávamos a nossa
“impotência” perante a resistência inicial dos seus cães, dizendo-lhe que a
única solução era a de terem de entrar por eles adentro. Como a marosca era
premeditada, aproveitámos os dias de chuva para tal, ocasião em que os túneis
se encontravam encharcados e enlameados. Caso as condições climatéricas fossem
outras, não hesitaríamos em
regá-los. Depois disso, dávamos-lhe o nosso “bem-vindo” à
pista de obstáculos e soltávamos: “ ensinar cães é um acto inteligente, há que
pensar antes de agir!”
Se a prática dos túneis se remeter a isso mesmo,
então o seu ensino apenas beneficiará os binómios que a eles concorrem e pouca
ou nenhuma validade terá para a restante população e para o mundo, ainda que se
preste a uma ou mais modalidades competitivas e congregue à sua volta grande
número de pessoas. Mas será apenas lúdico o seu propósito e utilidade? É
evidente que não! O fim útil dos túneis aponta para duas direcções: a
salvaguarda do cão e a prestação de socorro a terceiros. Entendido este duplo
propósito, percebemos imediatamente que os túneis servem de capacitação e
simulacro para acções reais, permitindo ao cão evadir-se e prestar socorro a
pessoas, o que nos transporta para as disciplinas de resgate e salvamento e faz
dos túneis currículo obrigatório.
Em Portugal
e não só, tem-se alimentado a falsa ideia que o salvamento e resgate de pessoas
é tarefa exclusiva dos cães policiais ou dos pertencentes aos bombeiros, a quem
indubitavelmente também cabe essa tarefa, como se a excelência canina
escolhesse fardas e os restantes cidadãos não tivessem cães de igual ou
superior qualidade para esse fim. Como o hábito não faz o monge e as
calamidades não escolhem as imediações dos quartéis, também porque a prestação
de socorro é por norma urgente, é de todo conveniente que as escolas caninas
civis também se dediquem ao resgate e salvamento nas suas múltiplas vertentes,
opção que as tornará mais válidas aos olhos da sociedade e que mais justificará
a sua existência e propósito.
Portugal,
apesar de ser pequeno, tem um clima ameno, é bem servido de auto-estradas e
rico na diversidade de ecossistemas, o que nos permite treinar todo o ano,
deslocar-nos facilmente e trabalhar onde precisamos, adestrando e
especializando os cães onde a sua ajuda é mais necessária. Convém não esquecer
que o País continental, no contexto da tectónica das placas, situa-se na placa
euro-asiática, limitada a sul pela falha Açores-Gibraltar, a qual corresponde à
fronteira entre as placas euro-asiáticas e a africana e a oeste com a falha
Dorsal do Oceano Atlântico, o que o coloca numa zona instável de actividade
sísmica (interplaca e intraplaca). Queira Deus que o Terramoto ocorrido em 1755 não se repita! Usufruir da companhia de um cão é
excelente mas treiná-lo para valer aos outros ainda é melhor!
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