Bem que
poderíamos servir-nos da “História de Caim e Abel” como introdução a este
artigo, mas como o José Saramago tinha uma especial predilecção por ela, ao
ponto da interpretar mesmo não sendo um exegeta, fiquemos com a imagem de dois
irmãos de costas viradas para explicar as diferenças entre estas duas
variedades cromáticas presentes no Cão de Pastor Alemão, criadas em paralelo,
eventualmente acopuladas e diametralmente opostas, considerando o tipo de
eugenia por detrás de cada uma delas e os seus reflexos para a raça, na
inevitável avaliação do seu passado, presente e perspectivas de futuro, segundo
a marcha do tempo e as diferentes filosofias que politicamente acompanharam o
“Cão de Stephanitz” até aos dias de hoje, nem sempre coincidentes ou
decorrentes do seu propósito original. Em simultâneo, desnudaremos as soluções
agora mais em voga e a sua validade, sabendo-se que o Cão de Pastor Alemão está
enfermo e menos apto, o que tem diminuído a sua popularidade e interesse,
levando alguns criadores oficiais a vender cachorros a 1/3 do valor de outrora,
flagelo de que a actual crise não é a única responsável nem tão pouco a maior
das suas causas.
Toda a gente sabe que o CPA nasceu debaixo dos
auspícios científicos da escola britânica, que os escritos de Darwin e Galton influenciaram
de sobremaneira os criadores que fundaram a raça, fazendo-a nascer e proliferar
pela eugenia positiva, signo que imediatamente transformou este cão num
auxiliar de e para o trabalho, princípio tantas vezes repetido por quem o
idealizou e criou, mas que apesar disso continua lamentavelmente a ser
desconsiderado, já que a validade laboral do Pastor Alemão nunca foi tão posta
em causa como actualmente, mercê da exagerada endogamia que mais enraizou
defeitos do que qualidades, ao ponto de, aqui e ali, se levantar o espectro da
hibridação, o que já aconteceu. A troca de eugenias na selecção da raça, como não
poderia deixar de ser, começa com a pressão dos nazis, que adeptos do “seu”
arianismo, o fizeram estender também ao Pastor Alemão, achaque que culminou com
a expulsão dos cães brancos. Depois da II Guerra Mundial, de uma maior
sensibilização sobre os direitos dos animais e da perca progressiva de
atribuições militares, o Pastor Alemão tornou-se cão-polícia e também nessas
funções se destacou. Gradualmente a biodiversidade da raça foi-se perdendo,
graças a opção castradora pela variedade preto-afogueada, que culminou com os
cães de beleza, modelos díspares dos seus protótipos, de utilidade duvidosa e
incapazes de devolver à raça as mais-valias que sempre a caracterizaram.
Entre o actual preto-afogueado e o ancestral
lobeiro grandes são as diferenças, porque o primeiro separa, oculta, tira,
prende e sobrecarrega, ao contrário do outro que une, revela, dá, alivia e
liberta. Ao tornar-se variedade de eleição, mais numerosa e dominante na raça,
o preto-afogueado oculta as variedades ancestrais, sonega a qualidade laboral, estagna-se
em si própria e sobrecarrega a endogamia, como se a cor fosse o que mais
implicasse na qualidade dos cães. Já o lobeiro estabelece a ponte entre o
passado e o presente, revela na sua construção a indispensável biodiversidade,
une e transporta as diferentes variedades cromáticas, alivia a consanguinidade
e liberta os cães dos malefícios da endogamia, devolvendo-lhes as aptidões que
desde sempre os destacaram. O actual preto afogueado é um “no place to go”, um
“Ende der Zeile”, porque se encontra estagnado e não consegue sair donde está,
a menos que dois ou mais exemplares dessa variedade se tornem recessivos noutra
e cruzem entre si, o que não nos garantirá, em absoluto, a qualidade das
variedades cromáticas ocultas por causa da dominância até aqui operada.
A precariedade do preto-afogueado há muito que é
reconhecida e não é por acaso que hoje se assiste ao advento dos lobeiros, uns
incólumes e advindos da eugenia positiva que o trabalhou seleccionou e outros
salpicados da eugenia negativa que produziu o preto-afogueado actual, baseada
na exclusividade da cor e nas delícias estéticas, a despeito do equilíbrio dos
cães (físico e psicológico), à revelia da selecção natural, contra a
perpetuação da raça e a sua evolução. Tudo isto tem contribuído para a sua
falência, facto comprovado pela diminuição das suas ninhadas e pelo aumento dos
criadores doutras variedades cromáticas, que como era de esperar, não cessa de
aumentar, ainda que aqui tenha acontecido tardiamente, ao que não é alheio o
menor número de classes de trabalho. Basear uma raça numa variedade bicolor
isoladamente e só nisso, é remetê-la para os instintos, legar-lhe inquietude,
insegurança e ansiedade, conservar-lhe a desconfiança predadora e comprometer a
cumplicidade, pois assim acontece com o lobo e outros canídeos selvagens, que
necessitam de camuflagem para perpetrarem ataques de surpresa. Afortunadamente,
talvez com alguns votos contra, alguém conseguiu segurar os negros e os
lobeiros dentro do estalão até hoje, caso contrário, o Cão de Pastor Alemão
estaria irremediavelmente perdido. Terá sido o histórico da raça que os
manteve? É bem possível!
Também os lobeiros não se sustentariam sem a
contribuição dos negros, apesar da sua excelente máquina sensorial, porque
exigem dietas mais ricas e variadas, tardam em se afirmar, delongam na
cumplicidade e por tendência ou são pequenos ou pernaltos, perdendo com isso
dissuasão, o que para companhias militares ou policiais seria impróprio ou
caricato, já que desfilar com um “esganarelo” ou um “baixinho” seria no mínimo
hilariante. A criação isolada de negros, erro em que alguns persistem, à
imitação do que acontece no preto-afogueado, passadas duas gerações, legará à
sua prole exemplares carentes de crânio e ossatura, o que tem obrigado esses
teimosos à aquisição sistemática de novos cães e ao aumento das suas despesas
para garantirem nas suas hostes a envergadura que a raça exige. O beneficiamento
histórico para o trabalho sempre resultou da junção do lobeiro com o negro e
hoje, algumas décadas depois e por necessidade, retornou e em força, sendo mais
numeroso do que os beneficiamentos operados entre o preto-afogueado com o
lobeiro ou com o negro, apesar de melhor servir à variedade unicolor a contribuição
do preto-afogueado, como tantas vezes experimentámos, fomos bem sucedidos e
recomendámos, muito embora os exemplares usados dessa variedade fossem
descendentes de lobeiros e raramente tivessem alguma ascendência na mais
recente linha estética.
Diz-se que “há males que vêm por bem” e isso
aconteceu com os lobeiros, que desprezados pelos criadores dos
preto-afogueados, viram-se obrigados durante décadas ao beneficiamento com
outras variedades cromáticas originais, umas ainda aceites pelo actual estalão
e outras somente admitidas nalguns países, maioritariamente recessivas, todas
elas seleccionadas a partir do trabalho, a quem ficaram a dever a sobrevivência
e a continuidade, exemplares azuis (cinzentos), brancos, cor de fígado, negros
e vermelhos, possibilitando assim a perpetuação dessas variedades unicolores e
alcançando para si 18 tonalidades de manto diferentes. Esse “virar de costas”
acabou por estabelecer a separação entre as ditas linhas de trabalho e de beleza,
a diferenciação a grosso modo entre “linha antiga” e “linha moderna”, como é
costume ouvir-se por aqui. A contribuição dessas variedades unicolores acabou
por dotar os lobeiros de maior autonomia funcional, mais firmeza e melhor
parceria, consoante a participação dos brancos, vermelhos e negros, desde que
equilibrados de carácter e sem qualquer insuficiência física. Disso
conhecedores, ainda que timidamente, alguns criadores de beleza começaram a
beneficiar os seus cães com lobeiros, dando origem a exemplares dessa
variedade, “cães de trabalho” que apenas se diferenciam dos outros pela cor do
manto, preto-afogueados camuflados em lobeiro.
É chegada a hora da reversão no Cão de Pastor Alemão, de reverter a beleza em trabalho e de retornar aos cães do passado recente, de devolver à raça a saúde e a qualidade laboral que sempre a destacaram, eliminando-se as disposições e os conceitos que tragicamente a carregaram até à presente data e que pouco a pouco a transformaram num “passarinho de quatro patas”. As disposições relativas à cor deverão ser revistas atendendo à necessidade da biodiversidade, da saúde articular, do equilíbrio psíquico e da concentração que induzem a um melhor impulso ao conhecimento e facilitam a parceria. Do ponto de vista morfológico importa dar combate ao abatimento de metacarpos, às mãos divergentes, ao descodilhamento, ao peito estreito, ao jarrete de vaca e à exagerada convexidade dorsal motivada pela excessiva angulação traseira, anomalias responsáveis por um conjunto de incapacidades locomotoras que obstam tanto à saúde dos animais quanto ao seu rendimento. A diferença de alturas entre machos e fêmeas deverá ser encurtada, para se acabar de uma vez por todas com o pernaltismo evidente nalguns exemplares, que se deve também à disparidade de pesos entre os sexos (de - 25 para 40kg). Mais do que na morfologia, sem contudo a descorar, a selecção da raça deverá considerar o trabalho como o primeiro dos seus pressupostos, já que para isso nasceu. Com isto não estamos a defender o desprezo pelas linhas actuais, até porque nelas se venceram flagelos como a displasia e outras imperfeições históricas, o que de algum modo as torna beneficiadoras, mas a manifestar-nos contra o seu uso exclusivo ou prioritário, uma vez que é sobejamente conhecida a sua insuficiente prestação laboral.
É chegada a hora da reversão no Cão de Pastor Alemão, de reverter a beleza em trabalho e de retornar aos cães do passado recente, de devolver à raça a saúde e a qualidade laboral que sempre a destacaram, eliminando-se as disposições e os conceitos que tragicamente a carregaram até à presente data e que pouco a pouco a transformaram num “passarinho de quatro patas”. As disposições relativas à cor deverão ser revistas atendendo à necessidade da biodiversidade, da saúde articular, do equilíbrio psíquico e da concentração que induzem a um melhor impulso ao conhecimento e facilitam a parceria. Do ponto de vista morfológico importa dar combate ao abatimento de metacarpos, às mãos divergentes, ao descodilhamento, ao peito estreito, ao jarrete de vaca e à exagerada convexidade dorsal motivada pela excessiva angulação traseira, anomalias responsáveis por um conjunto de incapacidades locomotoras que obstam tanto à saúde dos animais quanto ao seu rendimento. A diferença de alturas entre machos e fêmeas deverá ser encurtada, para se acabar de uma vez por todas com o pernaltismo evidente nalguns exemplares, que se deve também à disparidade de pesos entre os sexos (de - 25 para 40kg). Mais do que na morfologia, sem contudo a descorar, a selecção da raça deverá considerar o trabalho como o primeiro dos seus pressupostos, já que para isso nasceu. Com isto não estamos a defender o desprezo pelas linhas actuais, até porque nelas se venceram flagelos como a displasia e outras imperfeições históricas, o que de algum modo as torna beneficiadoras, mas a manifestar-nos contra o seu uso exclusivo ou prioritário, uma vez que é sobejamente conhecida a sua insuficiente prestação laboral.
Há que aproveitar a aldeia global em que vivemos,
enquanto é tempo, e reunir os pastores alemães dispersos pelos continentes
europeu e americano, unir os pequenos nichos de criação espalhados pelo mundo
para se evitar a saturação da raça, reencontrar o seu potencial original e
proceder a uma nova selecção. Se persistirmos somente em adquirir cães da
Republica Checa e da Áustria, breve estaremos com os mesmos problemas que
afectam hoje a variedade cromática dominante. Importa vencer o êxodo da raça
motivado pelas decisões políticas do pós II Guerra Mundial e proceder à
reunificação do Pastor Alemão, deitar mão aos velhos “alsacianos” e recrutar pastores
originários da África do Sul, da Bélgica, do Canadá, da Escandinávia, da
França, dos Estados Unidos, das Ilhas Britânicas e da Rússia, para se fazer
justiça a Stephanitz, vencer a consanguinidade e alcançar a multivariedade. E
os Lobeiros terão nisso um papel determinante!
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