Duas simpáticas alemãs, mãe e filha, entendidas
primeiro como inglesas por quem as servia, co-proprietárias de um kindergarten
com apoio estatal nos arredores de Frankfurt, encantadas com a sua primeira visita
a Portugal, depois de terem comido sardinhas e bebido copiosamente uma garrafa
de vinho branco, felizes e relaxadas, descansavam na esplanada onde foram
servidas, para além da hora do seu fecho e com a lua a brilhar sobre as suas
cabeças. Por delicadeza, o pessoal que as servia não as queria mandar embora,
até porque os turistas são cada vez menos e há que conservá-los, apesar dos
actuais terem os bolsos mais vazios que os de outrora e andarem de mochila às
costas a conferir os preços. Segundo se diz para aí, os melhores são os
franceses, apesar de se apresentarem agora mais austeros e de serem mais
exigentes. Ingleses e alemães comportam-se como ávaros, os espanhóis têm tirado
a barriga da miséria a muitos (não obstante serem cada vez menos) e os brasileiros
estão na moda. Por todo o lado se ouve dizer que a restauração está pela lei da
morte (ao que parece já teve dias bem melhores). Voltemos às alemãs.
A
determinada altura, no meio da conversa que entabulámos com elas, cujo tema foi
a actual crise económica, a mais velha, sem se fazer rogada, soltou em tom
solene: “sabe, nós (os alemães) trabalhamos muito”, o que nos pareceu abusivo e
despropositado. Quem já andou por esse mundo afora e viu portugueses a
trabalhar entre os demais, sabe que poucos são mais sacrificados do que eles,
que se destacam pela sua capacidade de trabalho e que sobem a pulso onde outros
não singram. Para elucidarmos a convicta senhora, valemo-nos do exemplo do
criado que a serviu, um jovem a
trabalhar 90 horas semanais, com direito a um dia de folga e a auferir um
salário mensal de 650€ (comidos e bebidos), o que na actual situação até nem é
mau de todo, muito embora o seu contrato lhe garanta somente seis meses de
trabalho. Ali mesmo comprovámos o que tínhamos dito, chamando o empregado que
se fez acompanhar do seu último recibo de vencimento. Surpreendidas e mudas, as
alemãs olharam uma para a outra, soltando depois, entre dentes, um pequeno
comentário na sua língua mãe (só sonseguimos entender “scheisse”), seguido dum
sorriso deslocado e sensaborão. Como resultado do nosso esclarecimento, o
criado acabou por recerber de gorjeta 1/3 do valor do jantar de ambas,
exactamente 7€, o que muito estranhou e melhor agradeceu. Para seu agrado, as
alemãs acabaram clientes da casa durante o mês em que tiveram o flat alugado
nas redondezas.
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