Ao
tratarmos este tema vem-nos à memória a estória do rapaz, do velho e do burro,
que depois de cada um deles andar em cima do animal, à vez e em conjunto, acabaram
por carregá-lo às costas por força da pressão e do parecer alheios. Assim
procedem também muitos proprietários caninos, que na ânsia de tanto quererem
aos seus animais, acabam por prejudicá-los e abraçar o ridículo sem disso darem
conta (pelo menos de imediato). Estamos a referir-nos ao modo e aos meios
usados para o exercício destes animais, companheiros que a tudo se sujeitam e
que acabam arredados das práticas do seu agrado, responsáveis directamente pelo
seu bem-estar social, qualidade de vida e aumento dos seus dias. De tudo se vê
e imaginação não falta, será que alguns donos acabarão, desnecessariamente,
também por carregá-los às costas?
O espaço
que nos devem.
As autarquias continuam em falta com os proprietários caninos e atendendo ao
que por aí vai, assim continuarão por algum tempo, porque continuam a não
existir parques destinados aos cães e pistas para o seu exercício, apesar
desses cidadãos continuarem, não se sabe bem para quê, a pagar a “licença” dos
seus animais. Não merecerão estes contribuintes melhor atenção?
Como os cães não são burros, a avaliação que
fizemos dos exercícios que vulgarmente lhes destinam não esconde a nossa filosofia
de ensino, que é a de fazer que o cão se sinta bem ao lado do dono e não que o
dono abuse da sua posse, pois o adestramento é um namoro e dele resultará, se
for bem alcançado, o mútuo prazer que sustenta a cumplicidade. O sucesso
espera-vos, boas caminhadas!
Para
começo de conversa, o melhor exercício
para um cão (desde que a sua raça o permita) é a excursão diária, feita ao lado
do dono, desenvolvida em marcha, com uma légua de extensão e em diferentes
ecossistemas, numa cadência nunca
superior aos 5 km por hora, cuidado que respeita a propensão excursionista
canina e mantém o animal física e psicologicamente apto, radiante e ávido de
novas jornadas, que fortalece os vínculos afectivos com o dono e torna indivisível
a equipa homem-cão, sem estafas, ânsias ou atropelos. Mas como a maioria dos
donos se queixa da falta de tempo e de disponibilidade física para tal, o que
nem sempre corresponde à verdade, os cães acabam por se ver sujeitos a um
conjunto de exercícios que não os poupam e isentam os seus líderes de maior
esforço. Conhecedores dessa realidade, iremos analisar os mais vistos, tendo a
preocupação de realçar as vantagens e desvantagens que cada um deles tem para
os cães.
Das correrias atrás duma
bola ou de um disco. Para alguns proprietários caninos, o correr à desfilada atrás de uma
bola ou dum disco é o melhor dos exercícios para os seus cães, valendo-se para
esse efeito dos parques e jardins à sua disposição. As vantagens deste exercício são mais técnicas do que físicas, porque o
líder é o dono da bola e o brinquedo induz à sua supremacia, uma vez que por ele
toda a obediência pode ser desenvolvida e instalada de modo pronto, descontraído e alegre, o que basta aos condutores
civis, normalmente dispensados doutras exigências, responsabilidades e
desempenhos. Como o galope mais cansa do que muscula e exige um esqueleto já
consolidado, este exercício só pode ser
aconselhado aos cachorros quando o deixam de ser, logo após a chegada da
maturidade sexual, porque até lá os riscos para a sua saúde são enormes pela
sobrecarga das articulações. É importante não esquecer que os cães não
possuem clavículas e que a displasia (tanto a do ombro como a coxo-femural),
pode resultar doutra origem que não a genética. Pela mesma razão, os brinquedos
que na sua evolução disparam em diferentes direcções não devem ser usados nos
cachorros antes dos 7 meses de idade. É evidente que se não forçarmos e as
sessões de treino forem de curta duração, os riscos serão diminutos, muito embora se esteja a pedir aos
cachorros desenvoltura sem primeiro os robustecer, pela antecipação da
tarefa em relação à estrutura que a suporta, o que poderá levar a alterações
morfológicas indesejáveis e implicar na curva de crescimento dos indivíduos (por
encurtamento ou alongamento, sendo mais comum o 1º caso). Esta prática vicia os
cães nos brinquedos, tanto nos seus como nos alheios, podendo levar a luta pela
sua posse, dependendo isso do carácter dos indivíduos, do fim procurado, da sociabilização
de que foram alvo e da qualidade da liderança.
Acerca dos
cães atrelados a bicicletas ou coagidos
a acompanhar viaturas. Este tipo de exercício, típico dos donos que não abdicam dos
seus hobbies, pouco acostumados a cedências ou avessos à actividade física,
contudo preocupados com o exercício dos seus cães, garante a boa forma canina, o desenvolvimento dos seus indices atléticos
e condiciona os cães a não puxar graças à prisão em que se vêem. Dos pontos de vista social e cognitivo
pouco adianta, porque o cão vai à arreata tal qual macho em varais de carroça.
E daqui não veio grande novidade ao mundo, já que a prática é bastante antiga.
No tempo em que os ciganos usavam esse meio de transporte, era comum ver cães
debaixo dele e atrelados no seu eixo. Devido à territorialidade canina, os cães
bem depressa guardavam a carroça e pouco se interessavam pelo pessoa dos seus donos,
tendo com eles apenas uma relação de dependência por causa do seu sustento, daí
que esta “modernice” se perde pelos confins do tempo. Este tipo de exercício, quando usado em exclusivo, pela ausência da
cumplicidade necessária ao bom entendimento entre homens e cães, lança os
animais na apatia e pode comprometer o seu uso pela precária relação com os
donos, pelo que deverá ser substituído ou alternado com outro modo de
parceria.
Dos cães
sujeitos à tracção. Em primeiro lugar importa dizer que a tracção não transforma os fracos em fortes, antes agrava as suas
insuficiências ou menos valias, que só deverá ser aplicada nos cães
robustos e geneticamente dotados para isso, que por acaso não são muitos e que
por norma apresentam um baixo impulso ao conhecimento. Apesar de qualquer cão,
independentemente da sua raça, poder puxar, a maioria das raças caninas deverá
ser dispensada de tal carga, porque poderá morrer, incorrer em lesões
permanentes ou de difícil recuperação. Este exercício, que alarga o peito e
molda a garupa, mas que também sela o dorso e sobrecarrega os membros
dianteiros, há muito que é utilizado no treino dos cães de luta. Se o objectivo
for o de melhorar a frente do nosso cão, existem outros meios mais suaves, menos
dolorosos e mais eficazes para o seu alcance, tais como a natação, o aumento da
capacidade de impulsão e o concurso às rampas, exercícios que possibilitam a
convergência de membros que garante o desenvolvimento harmonioso do peito e da
espádua (os resultados serão melhores se soubermos aproveitar a fase plástica
dos cães). A tracção não reforça os
vínculos afectivos entre o cão e o seu dono, não torna o animal feliz, antes
desnuda um dono que se serve dele para usos bem distantes das suas respostas e
propensões naturais, transformando-o em pau para toda a obra ou numa rara
ocasião para o seu gozo. Convém não esquecer e olhando para trás, que o
atrelamento dos cães só aconteceu em ecossistemas onde não haviam outros
animais próprios para isso ou máquinas que os substituissem. Infelizmente para
os cães, eles não são como os burros, que, quando a carga é demasiada, empacam
ou jogam a carga no chão.
Dos cães
que marcham à volta dos donos sozinhos e em liberdade, em percursos previamente
determinados.
Esta opção, abraçada pelos donos menos disponíveis do ponto de vista físico ou
com alguma incapacidade locomotora, só é possível pelo ensino prévio dos cães e
consequente aprovação na disciplina de obediência. Os proprietários caninos
confinados no espaço urbano e sem trajectos imediatos ao seu redor, acabam por
proceder do mesmo modo por ausência doutras condições. O exercício consiste em
mandar o cão para diante e em torno do dono, em percursos circulares que podem
ter de raio de 6.5 a 12m, dividindo-se as voltas em metade para que o animal se
equilibre e curve nas duas direcções, circulando para a esquerda e para a
direita. Este exercício, substituto
por imperativo da excursão diária comum,
mantém os indíces atléticos dos animais e reforça a obediência canina,
nomeadamente a nuclear. O seu uso sistemático tende a saturar os cães e a levá-los à diminuição da cadência de
marcha, pela ausência de novidade e inexistência doutros desafios, obsta ao
desenvolvimento cognitivo canino pela persistência numa experiência repetitiva
e pobre, fragiliza os cães diante de novos ecossistemas e poderá comprometer o
“junto” a médio prazo, mesmo que amplamente recompensados. Ironizando, esta
opção lembra os burros a tirar água à nora, subsistindo no entanto uma
diferença, é que lhes vendavam os olhos para não ficarem tontos.
Dos cães que correm pelas quintas
à vontade! Os proprietários caninos urbanos, mais
preocupados com o seu bem-estar e com a economia familiar, optam quase sempre
por um cão pequeno, porque ocupa menos espaço e sai mais barato, o que nos
parece razoável. No entanto, pondo de parte essas razões, mas também por causa
delas, vende-se por aqui a idéia que os cães grandes são próprios para as quintas,
onde se sentirão mais felizes, a gosto e à larga, como se do cativeiro e do
isolamento grande benefício lhes sobrasse. Há quem diga ainda, um pouco por
ignorância ou na tentativa de se enganar a si próprio, que os cães podem fazer
exercício à vontade pelas quintas. Poder até podem, mas acabam por não o fazer
devido à ausência da liderança e à falta de motivação para tal, porque não se
vêem recompensados e acabam dominados pela apatia, comportando-se como borregos
nas horas de mais calor. Ainda que ao princípio ladrem aos portões, pouco a
pouco, com o passar do tempo, deixam de ser vistos e só aparecem para comer
(quando aparecem). A quinta outra coisa
não é que uma gaiola de ouro, algo parecido com um parque ampliado no Zoo, que
tenta atenuar a alteração do viver social dos animais, a falta do seu habitat e
a perca da sua liberdade. Os cães
que deambulam pelas quintas, por desintesse, tornam-se indolentes e pouco
propensos ao exercício físico, correndo esporadicamente e descansando de
imediato, não adquirem resistência nem sentem necessidade de maior preparo
atlético, a menos que o adquiram atrás dos gatos, a perseguir ratos ou a correr
atrás de libelinhas. É importante lembrar que a marcha muscula mais do que
o galope e que a perca da massa muscular induz a um maior esforço articular.
Dos cães
que concorrem aos obstáculos. O concurso
aos obstáculos é uma das práticas mais saudáveis para o exercício dos cães,
desde que os seus donos os acompanhem e os ajudem a vencer as dificuldades,
quando diversificados e de diferente categoria, próprios para o robustecimento
de carácter, para o desenvolvimento de novas aptidões, para a correcção
morfológica e necessários para a sobrevivência dos animais. O trabalho
sobre os obstáculos não dispensa o aquecimento prévio e deverá acontecer dos
mais simples para os mais complicados, numa toada progressiva que respeite a
morfologia dos indivíduos, o progresso dos seus indíces atléticos e a
observação dos seus ritmos vitais. Atendendo à necessidade de aquecimento, a
disposição dos obstáculos deverá obedecer à transição ascendente dos andamentos
naturais presentes nos cães, assim como obedecer às suas sequências naturais,
devendo começar-se por aqueles que dispensam o galope e que propiciam o preparo
dos musculos, independentemente da sua natureza ser elevadora, extensora,
concêntrica ou mista. Por ausência de
pistas tácticas e de quem as saiba montar, por questões ligadas ao
desconhecimento biomecânico, enraizou-se entre nós a idéia que os obstáculos
apenas se destinam aos cães de competição, sendo a maioria deles arredada do
seu benefício, nomeadamente aqueles que mais necessitariam deles. Por tudo
isto, muitas escolas apresentam-se mal vestidas ou “carecas” de obstáculos,
carregadas de “bonecos” impróprios, tornados obsoletos e sem préstimo, o que em
nada as abonará. Bem sabemos que uma
pista táctica é dispendiosa e que o valor médio das mensalidades dificilmente sustentará
a sua montagem e manutenção.
Dos cães
entregues a obstáculos mecânicos e eléctricos. Cá por casa esta prática
não está muito difundida e também não nos faz grande falta, fará a quem não
quer fazer nada ou àqueles que se vêem obrigados a tudo. Nalguns hóteis caninos
doutras latitudes, menos sujeitas à crise que nós passamos, existem obstáculos
mecânicos e eléctricos à disposição dos hospedados que irão sair dali mais
fortes e musculados. Uns são de uso individual e outros de uso colectivo, sendo
os últimos parecidos com os carroceis da criançada. Alguns tiram partido do
movimento animal (a exemplo da guia mecânica para os cavalos) e a maioria deles
é accionada à distância por meios eléctricos ou electrónicos, o que permite
trabalhar mais cães ao mesmo tempo, funcionando como serviço extra a acrescentar
ao preço da hospedagem. Por razões óbvias, duvidamos que esta opção seja
rentável em Portugal. Não obstante, já muita gente constrói e se serve de
dispositivos mecânicos e eléctricos para a musculação dos seus cães, sendo a
passadeira eléctrica a mais comum. Esta opção, que até se compreende e aceita
por necessidade terapêutica ou esclarecimento clínico, é geralmente tomada
pelos donos deficientes, pelos incapacitados, pelos pouco propensos ao
exercício físico e por aqueles que se dizem de pouca disponibilidade, ficando
por saber neste último caso, porque carga de água foram buscar um cão.
Atendendo ao incómodo, só o uso terapêutico canino justificaria essa sobrecarga
ou dor de cabeça. Ainda que daqui
resultem melhorias físicas significativas para os seus involuntários e
desconsiderados praticantes, nenhuma mais-valia técnica, social ou cognitiva
lhes sobra, a não ser que as escadas rolantes façam parte do seu dia-a-dia e se
vejam obrigados a subi-las ao contrário com os donos ou necessitem de aprender
a caminhar sem fim à vista, descomandados e por sistema, o que não nos parece
ser do agrado dos cães por ausência de motivação.
Da natação. Será que virá o dia em
que as pistas destinadas aos cães deixarão de ter um aspecto provisório,
desapetrechado, descuidado e mal-amanhado? Oxalá que sim! Agora, com a falência
de muitas sociedades recreativas de bairro, aldeia e freguesia, os centros de
treino caninos ocuparam os seus campos de futebol há muito abandonados,
aproveitando assim (a custo zero), a luz, a água, os balneários e as bancadas
desses recintos desportivos, sem contudo operarem qualquer melhoramento digno
desse registo, o que nos lança uma vez mais para o carácter suburbano, inóspito
e degradado dos espaços dedicados ao adestramento. Centro de treino que se
preze, para além doutras condições, deverá ter uma piscina própria para
exercitar os cães, considerando os benefícios advindos da natação, numa
dimensão mínima de 24m2 e com um volume de água de 36m3. A natação possibilita a recuperação de lesões e o desenvolvimento
muscular dos cães, harmoniza a sua morfologia, robustece o seu carácter, pode
corrigir aprumos, mantém a sua boa forma física e alivia as suas articulações,
é obrigatória na disciplina de salvamento e é do agrado dos animais, apesar de muitos não saberem nadar
convenientemente e de necessitarem de ser ensinados, o que é tarefa obrigatória
para quem ensina, diante do País que
temos e honrando a nossa aposta na sobrevivência animal. Todavia é um exercício complementar e não absoluto, porque lidamos
com animais terrestres que têm outro tipo de locomoção preferencial.
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