sábado, 3 de agosto de 2013

ELAS SÃO PIORES QUE ELES?

Como são muito poucos os portugueses a necessitarem de segurança objectiva em áreas superiores a 1 hectare, daquela que obriga a associação de cameras de vigilância, sensores de passagem, canis de portas automáticas e ao concurso duma matilha funcional, a maioria dos nossos cinotécnicos, por inexperiência, ver-se-á a braços com a novidade dos problemas, em particular durante a constituição da matilha funcional e na hora do seu escalonamento para o serviço, porque os cães irão trabalhar em conjunto e sem liderança, unicamente alicerçados no condicionamento efectuado. Os problemas serão ainda maiores se a geografia do terreno, os limites da propriedade, os horários da vigilância e o particular climatérico, obrigarem à constituição duma matilha heterogénea constituída por indivíduos de raças ou grupos somáticos diferentes, mesmo que todos os animais se conheçam e convivam desde tenra idade, já que nenhuma matilha com essas características dispensa a prestação de uma ou mais fêmeas. 
Sempre será mais fácil dotar uma matilha funcional só de machos, muito embora a sua eficácia saia comprometida pelo uso fraudulento de uma cadela com o cio. Pela mesma razão e também por outra de cariz social (a maioria dos canídeos é regida por um macho-alfa), qualquer matilha funcional constituída só por fêmeas vê comprometida de sobremaneira a sua eficácia. De qualquer modo e atendendo à necessidade do uso de ambos os sexos, o maior problema acontecerá com as cadelas, porque são mais belicosas entre si e naturalmente resistem ao trabalho em equipa, necessitando por isso mesmo de regras e cuidados a observar, porque sem grande dificuldade desinteressar-se-ão do intruso e bem depressa se atacarão umas às outras, o que nos remete para a importância da idade dos indivíduos destinados à constituição de tal matilha. 
A melhor matilha funcional é aquela advinda duma matilha animal previamente constituída, que se fundamentou no aprendizado natural sem  o uso da violência para o seu escalonamento, pois não basta pegar num grupo de cães para logo se alcançar uma matilha funcional. Primeiro há que resolver o problema da hierarquia e só depois se poderá pensar no seu uso operacional. Mesmo que os cães a agrupar tenham sido criados juntos, desde que da mesma idade, isso não significa que não venhamos a encontrar algumas dificuldades, especialmente quando adestrados para o efeito antes do alcance das respectivas maturidades. Agregar cães adultos desconhecidos ou vindos de diferentes procedências, por melhor treinados que estejam para o ofício, é uma tarefa árdua de resultados duvidosos, porque perderemos mais tempo a resolver escaramuças do que a adestrá-los para o efeito e nada nos garante que venhamos a ser bem sucedidos. 
Nenhuma matilha funcional subsiste sem um macho-alfa digno desse nome, porque a ele compete dar o exemplo, garantir e capitanear as acções do grupo ao seu encargo, mantenho-lhe a tenacidade na defesa e garantindo-lhe o contra-ataque, necessitando para isso de pertencer ao grupo dos dominantes (preferencialmente ao dos muito-dominantes). Nos dias que correm é muito difícil encontrar um cão com estas características que seja seguro e manobrável. Também nunca foi fácil escolher cachorros e é comum encontrarmos promissores guardiões onde menos se espera, entre aqueles de pedigree menos renomado ou badalado, a quem a endogamia não entrava, a consanguinidade não obsta e a longevidade é maior. Encontrar o macho-alfa certo é tarefa prioritária para quem deseja constituir uma matilha guardiã. 
Casal-base: a espinha dorsal do grupo guardião. Se o cão dominante é a cabeça do grupo, a espinha dorsal da matilha irá assentar sobre ele e a fêmea que o deverá acompanhar, que deverá ter a mesma idade, nunca mais velha do que ele, para que não se veja obrigado “a puxar pelos galões” e a impôr à bruta a sua supremacia. Episódios destes têm sido responsáveis pelo desinteresse e inutilidade das cadelas, quando dolosos e frequentemente repetidos. Cadelas concorrentes, invariavelmente, operam o mesmo prejuízo, em particular as de idade aproximada ou de idêntico ciclo evolutivo social ou psicológico. Dizemos que o casal-base é a espinha dorsal duma matilha funcional porque a partir dele se saberá quais as características dos indivíduos a acrescentar-lhe, segundo as necessidades ou carências verificadas e de acordo com as exigências específicas do serviço a desempenhar (velocidade, resistência, atenção, melhor impulso ao conhecimento, excelente máquina sensorial, presença intimidatória, força de impacto, tenacidade de mordida, etc). 
O porquê da diferença de idades. Só depois do conhecimento tangível e objectivo do casal-base teremos maior certeza dos indivíduos a acrescentar ao grupo. Para que isso aconteça, é necessário que já se encontrem adestrados e investidos, facto de impossível aferição antes do alcance dos 10 meses de idade. Contudo, diante da inexperiência e no intuito de diminuir a margem de erro, a diferença de idade ideal entre o casal-base e os restantes membros da matilha deverá ser de 14 ou 18 meses, de acordo com o alcance da maturidade emocional dos primeiros, porque os diferentes grupos somáticos caninos atingem essa mais-valia em diferentes alturas. A somar a isto, como o melhor exemplo para um cão vem doutro igual, tendo os primeiros ensinados, mais fácil será treinar os segundos, porque eles aprendem por observação e uns com os outros, reagindo posteriormente em uníssono e em bloco. À parte disto e como maior vantagem, evita-se a confrontação, o carrego, a rejeição e o ostracismo dos novos membros do grupo, já que dificilmente um cão adulto morderá num cachorro antes deste atingir os 10 meses de idade.
Canis separados ou repartidos? Como nota prévia e disso nunca fizemos segredo, não reconhecemos como canil individual qualquer habitáculo para cães com uma área inferior aos 10m2, quer ele seja quadrado, rectangular, circular, triangular ou disposto em dois ou mais planos. Como os machos dominantes, devido à sua individualidade e carácter, nasceram para desafios maiores e não se divertem a medir forças com outros cães, a menos que lutem por uma cadela com o cio ou sintam os seus donos ameaçados, é de todo conveniente, quando tal for possível e normalmente é, fazer coabitar o cachorro de 2 meses com o macho-alfa no seu canil até o infante atingir os 6 meses de idade, para que cresça funcional e aceite naturalmente a liderança do mais velho. Por outro lado, a criação dos laços afectivos que essa coabitação induz, levará o cão adulto á protecção do cachorro. Não obstante, o aspirante a guardião, deverá iniciar o seu treino individual quando atingir a idade da cópia: aos 4 meses de idade. Como os cachorros de boa qualidade bem depressa aceitam as investiduras de que foram alvo e respondem afirmativamente às induções propostas, dentro dos bons auspícios da precocidade e num quadro experimental variado e rico, que nunca perde de vista a função para que foram chamados, aos 6 meses de idade é-lhes distribuído um canil só para si, porque já aceitaram o viver social do grupo e a sua maturidade sexual não tarda.
Porque não juntamos cachorros com fêmeas adultas em igual período e nas mesmas condições? Porque as fêmeas são zelosas do seu espaço, não gostam de ser preteridas, não vêem com bons olhos a repartição de afectos e são fartas no impulso à defesa, especialmente as vocacionadas e adestradas para guarda, apesar de ser muito difícil encontrá-las, atendendo aos actuais critérios de selecção e ao conceito daquilo que é uma boa cadela, já que as matriarcas cederam lugar às “parideiras-leiteiras”, àquelas que parem 10 e criam 10 (igual qualidade se exige às coelhas). Longe vai o tempo das cadelas que escolhiam os seus filhotes e que escorraçavam a prole das suas concorrentes. Mas como ainda as há, todo o cuidado é pouco e de nada vale correr riscos desnecessários, até porque o ciúme pode causar danos irreparáveis às suas vítimas e rara é a cadela que não tem disso uma pontinha (será territorialidade ou sentimento? Outros mais doutos o dirão!). É evidente que há excepções, mas uma cadela depois de experimentar a sua força, de ver o dolo que provoca e de nisso ser bem sucedida, dificilmente deixará de agir assim diante dum cachorro que lhe é alheio, dum maçador que lhe invade o território, dum imberbe bem distante do macho dominante que procura e ao qual se subjugará sem maior resistência. Assim, as cachorras recém-chegadas, deverão rumar a um canil individual, o que só lhes trará vantagens, porque depressa transformarão o seu canil em castelo e transformar-se-ão em activas sentinelas, o que será de suma importância para alertar o grupo. Também elas deverão iniciar o treino aos 4 meses de idade. 
O que fazer com as cadelas que se agridem mutuamente na ocasião dos ataques? Deveremos cessar de imediato as acções e separá-las, garantir-lhes ataques em grupo separadas e usá-las isoladamente como rondantes. Quando isto acontece, algo do que para trás se disse foi olvidado ou desrespeitado, porque as consequências estão aí e saltam à vista. Duas cachorras da mesma idade podem nunca vir a lutar entre si, desde que sobre elas um macho adulto exerça o seu domínio, bastando muitas vezes a sua simples presença. Como por norma as cadelas são mais precoces do que os machos, não convém que dividam o mesmo espaço, não vá o diabo tecê-las e o cachorro ficar acobardado (se ele for substancialmente maior, mais activo e mais robusto, não corremos esse risco). Cachorros que se viram em aperto com as suas congéneres nos ciclos infantis, não hesitarão mais tarde em atacar cadelas, que é proeza que ninguém quer e que comprometerá de sobremaneira a eficácia do grupo. 
Uma matilha funcional quantos cães deverá ter para defender uma área 10.000m2? Considerando o socorro, o alerta, a vigia, a ronda, a detecção, a captura e a pronta imobilização, deverá ter 5, respondendo cada cão por 2.000m2 e todos pelo perímetro. Por razões operacionais, os canis não deverão distar uns dos outros mais do que 30m, para que a divisão do grupo não aconteça e a distracção o comprometa. A atribuição dos 2000m2 por cão deve-se à celeridade operativa, que exige capturas sectoriais abaixo dos 6 segundos e nunca acima dos 12 de uma extremidade à outra da propriedade, também à inoperacionalidade temporária de uma ou mais cadelas e à incapacidade momentânea de algum macho. 

Qual o número de cães e cadelas recomendável para uma matilha funcional? As matilhas acima dos 5 cães obrigam a uma observação aturada e à recapitulação constante, são difíceis de garantir a unidade de propósitos e propensas à divisão. Nenhuma matilha funcional, quer seja de 3, 5 ou mais cães, dispensa o concurso de uma ou mais cadelas. O trio constituído por 1 cão e 2 cadelas tem-se revelado o mais eficaz. A presença de 2 cadelas nas matilhas de 5 tem sido a melhor das opções, já que as constituídas só por machos exigem maior empenho da liderança, constante norteamento e recondicionamento. Dois cães, quando devidamente amatilhados para este fim, são a melhor arma disuasora para perímetros até 1.600m2. Nos corredores de unidades fabris, na frente de residências oficiais e na segurança de exposições ou museus (aqui o patrulhamento e a ronda tornam-se indispensáveis), a cada 50m deverá ser instalado um cão e no último caso um binómio. A saturação de cães num perímetro não o torna mais seguro, muito pelo contrário, porque a ansiedade e a distracção canina aumentam, podendo dar azo à troca de alvos. Em simultâneo, e isto acontece com alguma frequência, os cães diminuem o seu raio de acção e optam pela defesa de um território cada vez menor, considerando apenas seu o imediatamente ao seu redor, o que é óptimo e próprio para a instalação de cordões de segurança.
Menos e mais-valias do uso das fêmeas nas matilhas funcionais. A primeira desvantagem das fêmeas, que sucede duas vezes ao ano, é o surgimento do cio, não podendo nessa altura trabalhar junto com os machos. No entanto, e não estamos a aconselhar ninguém a fazê-lo ou a deixar de o fazer, quando são castradas, esse problema deixa de existir. Visando a melhor prestação, a castração das cadelas guardiãs tem vindo a acontecer depois da sua aprovação no adestramento base e após atingirem a maturidade emocional (por volta dos 2 anos). Quando uma matilha funcional é constituída por 2/3 de fêmeas perde-se presença ostensiva, força de impacto e tenacidade na luta. O mesmo não sucede se tiverem mais de 62.5cm de altura, ultrapassem os 35kg, não excedam os 40kg e alcançarem uma velocidade instantânea acima dos 36km/h, o que não é fácil de encontrar. Sempre será mais fácil agrupar fêmeas do que machos, fenómeno intrinsecamente ligado ao seu género e ao impulso à defesa que manifestam. As vantagens da incorparação das fêmeas nas matilhas destinadas à guarda são muitas (mais do que as desvantagens), porque fixam os machos, aumentam-lhes o ímpeto e reforçam-lhes a terrritorialidade, são geralmente mais atentas, menos visíveis e capazes de dissimular os seus ataques. Têm maior noção dos riscos, nunca descuidam a rectaguarda, não disputam com os machos as zonas de entrada e sempre encontram novos pontos de mordedura, provocando desequílibrios e reforçando os provocados pelos seus parceiros masculinos. Por todas estas razões é que o ataque instintivo de uma matilha animal (sem qualquer tipo de condicionamento para o efeito), é geralmente muito doloso e pode resultar letal, já que recria o modus operandi atávico canino. 
Uma matilha guardiã poderá ser comandada por uma fêmea? Sim. Tal é possível pela sobreposição do condicionamento sobre o viver social canino. Contudo, até porque não estamos a falar da estrutura matriarcal do Lobo Etíope, essa liderança é contra-natura e imprópria, não esconde a precariedade dos machos, poderá obrigar à sua substituição ou à procura de um genuíno macho-alfa. Eventualmente isso poderá suceder por necessidade imediata (quando o macho-alfa se encontrar ausente, estafado, doente, ferido ou convalescente), mas nunca por sistema, porque doutro modo a matilha correrá o risco de se vir a desmembrar. 
Quando se justificará o recurso a uma matilha constituída por indivíduos de raças diferentes? Quando a variedade de pisos e as limitações da propriedade assim o exigirem, também nas propriedades mistas, aquelas que juntam habitações a pomares ou florestas. A policromia das cores do local e as temperaturas ali mensuráveis também podem obrigar a isso. Como não se pode dissociar a disciplina de guarda da captura, as razões serão sempre operacionais e similares às encontradas para a formação de matilhas para a caça grossa, onde diferentes raças, pela singularidade da sua prestação, aumentam a eficácia e garantem o sucesso do grupo. Como o assunto é extenso, vemo-nos obrigados a encerrá-lo por agora, não nos escusando a outros esclarecimentos caso nos sejam solicitados, já que apenas levantámos a ponta do véu.

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