Como são muito poucos os portugueses a necessitarem
de segurança objectiva em áreas superiores a 1 hectare, daquela que obriga a associação
de cameras de vigilância, sensores de passagem, canis de portas automáticas e
ao concurso duma matilha funcional, a maioria dos nossos cinotécnicos, por
inexperiência, ver-se-á a braços com a novidade dos problemas, em particular
durante a constituição da matilha funcional e na hora do seu escalonamento para
o serviço, porque os cães irão trabalhar em conjunto e sem liderança,
unicamente alicerçados no condicionamento efectuado. Os problemas serão ainda
maiores se a geografia do terreno, os limites da propriedade, os horários da
vigilância e o particular climatérico, obrigarem à constituição duma matilha
heterogénea constituída por indivíduos de raças ou grupos somáticos diferentes,
mesmo que todos os animais se conheçam e convivam desde tenra idade, já que
nenhuma matilha com essas características dispensa a prestação de uma ou mais
fêmeas.
Sempre será mais fácil
dotar uma matilha funcional só de machos, muito embora a sua eficácia saia comprometida
pelo uso fraudulento de uma cadela com o cio. Pela mesma razão e também por
outra de cariz social (a maioria dos canídeos é regida por um macho-alfa),
qualquer matilha funcional constituída só por fêmeas vê comprometida de
sobremaneira a sua eficácia. De qualquer modo e atendendo à necessidade do uso
de ambos os sexos, o maior problema acontecerá com as cadelas, porque são mais
belicosas entre si e naturalmente resistem ao trabalho em equipa, necessitando
por isso mesmo de regras e cuidados a observar, porque sem grande dificuldade
desinteressar-se-ão do intruso e bem depressa se atacarão umas às outras, o que
nos remete para a importância da idade dos indivíduos destinados à constituição
de tal matilha.
A melhor
matilha funcional é aquela advinda duma matilha animal previamente constituída,
que se fundamentou no aprendizado natural sem
o uso da violência para o seu escalonamento, pois não basta pegar num
grupo de cães para logo se alcançar uma matilha funcional. Primeiro há que
resolver o problema da hierarquia e só depois se poderá pensar no seu uso
operacional. Mesmo que os cães a agrupar tenham sido criados juntos, desde que
da mesma idade, isso não significa que não venhamos a encontrar algumas
dificuldades, especialmente quando adestrados para o efeito antes do alcance
das respectivas maturidades. Agregar cães adultos desconhecidos ou vindos de
diferentes procedências, por melhor treinados que estejam para o ofício, é uma tarefa
árdua de resultados duvidosos, porque perderemos mais tempo a resolver
escaramuças do que a adestrá-los para o efeito e nada nos garante que venhamos
a ser bem sucedidos.
Nenhuma matilha funcional
subsiste sem um macho-alfa digno desse nome, porque a ele compete dar o exemplo, garantir e
capitanear as acções do grupo ao seu encargo, mantenho-lhe a tenacidade na
defesa e garantindo-lhe o contra-ataque, necessitando para isso de pertencer ao
grupo dos dominantes (preferencialmente ao dos muito-dominantes). Nos dias que
correm é muito difícil encontrar um cão com estas características que seja
seguro e manobrável. Também nunca foi fácil escolher cachorros e é comum
encontrarmos promissores guardiões onde menos se espera, entre aqueles de
pedigree menos renomado ou badalado, a quem a endogamia não entrava, a
consanguinidade não obsta e a longevidade é maior. Encontrar o macho-alfa certo
é tarefa prioritária para quem deseja constituir uma matilha guardiã.
Casal-base: a
espinha dorsal do grupo guardião. Se o cão dominante é a cabeça do grupo, a espinha
dorsal da matilha irá assentar sobre ele e a fêmea que o deverá acompanhar, que
deverá ter a mesma idade, nunca mais velha do que ele, para que não se veja
obrigado “a puxar pelos galões” e a impôr à bruta a sua supremacia. Episódios
destes têm sido responsáveis pelo desinteresse e inutilidade das cadelas,
quando dolosos e frequentemente repetidos. Cadelas concorrentes,
invariavelmente, operam o mesmo prejuízo, em particular as de idade aproximada
ou de idêntico ciclo evolutivo social ou psicológico. Dizemos que o casal-base
é a espinha dorsal duma matilha funcional porque a partir dele se saberá quais as
características dos indivíduos a acrescentar-lhe, segundo as necessidades ou
carências verificadas e de acordo com as exigências específicas do serviço a
desempenhar (velocidade, resistência, atenção, melhor impulso ao conhecimento, excelente
máquina sensorial, presença intimidatória, força de impacto, tenacidade de
mordida, etc).
O porquê da diferença de
idades. Só
depois do conhecimento tangível e objectivo do casal-base teremos maior certeza
dos indivíduos a acrescentar ao grupo. Para que isso aconteça, é necessário que
já se encontrem adestrados e investidos, facto de impossível aferição antes do
alcance dos 10 meses de idade. Contudo, diante da inexperiência e no intuito de
diminuir a margem de erro, a diferença de idade ideal entre o casal-base e os
restantes membros da matilha deverá ser de 14 ou 18 meses, de acordo com o
alcance da maturidade emocional dos primeiros, porque os diferentes grupos
somáticos caninos atingem essa mais-valia em diferentes alturas. A somar a
isto, como o melhor exemplo para um cão vem doutro igual, tendo os primeiros
ensinados, mais fácil será treinar os segundos, porque eles aprendem por
observação e uns com os outros, reagindo posteriormente em uníssono e em bloco.
À parte disto e como maior vantagem, evita-se a confrontação, o carrego, a
rejeição e o ostracismo dos novos membros do grupo, já que dificilmente um cão
adulto morderá num cachorro antes deste atingir os 10 meses de idade.
Canis
separados ou repartidos? Como nota prévia e disso nunca fizemos segredo, não reconhecemos
como canil individual qualquer habitáculo para cães com uma área inferior aos
10m2, quer ele seja quadrado, rectangular, circular, triangular ou disposto em
dois ou mais planos. Como os machos dominantes, devido à sua individualidade e
carácter, nasceram para desafios maiores e não se divertem a medir forças com
outros cães, a menos que lutem por uma cadela com o cio ou sintam os seus donos
ameaçados, é de todo conveniente, quando tal for possível e normalmente é,
fazer coabitar o cachorro de 2 meses com o macho-alfa no seu canil até o
infante atingir os 6 meses de idade, para que cresça funcional e aceite
naturalmente a liderança do mais velho. Por outro lado, a criação dos laços
afectivos que essa coabitação induz, levará o cão adulto á protecção do cachorro.
Não obstante, o aspirante a guardião, deverá iniciar o seu treino individual
quando atingir a idade da cópia: aos 4 meses de idade. Como os cachorros de boa
qualidade bem depressa aceitam as investiduras de que foram alvo e respondem
afirmativamente às induções propostas, dentro dos bons auspícios da precocidade
e num quadro experimental variado e rico, que nunca perde de vista a função
para que foram chamados, aos 6 meses de idade é-lhes distribuído um canil só para
si, porque já aceitaram o viver social do grupo e a sua maturidade sexual não
tarda.
Porque não
juntamos cachorros com fêmeas adultas em igual período e nas mesmas condições? Porque as fêmeas são
zelosas do seu espaço, não gostam de ser preteridas, não vêem com bons olhos a
repartição de afectos e são fartas no impulso à defesa, especialmente as
vocacionadas e adestradas para guarda, apesar de ser muito difícil
encontrá-las, atendendo aos actuais critérios de selecção e ao conceito daquilo
que é uma boa cadela, já que as matriarcas cederam lugar às
“parideiras-leiteiras”, àquelas que parem 10 e criam 10 (igual qualidade se
exige às coelhas). Longe vai o tempo das cadelas que escolhiam os seus filhotes
e que escorraçavam a prole das suas concorrentes. Mas como ainda as há, todo o
cuidado é pouco e de nada vale correr riscos desnecessários, até porque o ciúme
pode causar danos irreparáveis às suas vítimas e rara é a cadela que não tem
disso uma pontinha (será territorialidade ou sentimento? Outros mais doutos o
dirão!). É evidente que há excepções, mas uma cadela depois de experimentar a
sua força, de ver o dolo que provoca e de nisso ser bem sucedida, dificilmente
deixará de agir assim diante dum cachorro que lhe é alheio, dum maçador que lhe
invade o território, dum imberbe bem distante do macho dominante que procura e
ao qual se subjugará sem maior resistência. Assim, as cachorras recém-chegadas,
deverão rumar a um canil individual, o que só lhes trará vantagens, porque
depressa transformarão o seu canil em castelo e transformar-se-ão em activas
sentinelas, o que será de suma importância para alertar o grupo. Também elas
deverão iniciar o treino aos 4 meses de idade.
Qual o número de cães e
cadelas recomendável para uma matilha funcional? As matilhas acima dos 5
cães obrigam a uma observação aturada e à recapitulação constante, são difíceis
de garantir a unidade de propósitos e propensas à divisão. Nenhuma matilha
funcional, quer seja de 3, 5 ou mais cães, dispensa o concurso de uma ou mais
cadelas. O trio constituído por 1 cão e 2 cadelas tem-se revelado o mais
eficaz. A presença de 2 cadelas nas matilhas de 5 tem sido a melhor das opções,
já que as constituídas só por machos exigem maior empenho da liderança,
constante norteamento e recondicionamento. Dois cães, quando devidamente
amatilhados para este fim, são a melhor arma disuasora para perímetros até 1.600m2.
Nos corredores de unidades fabris, na frente de residências oficiais e na
segurança de exposições ou museus (aqui o patrulhamento e a ronda tornam-se
indispensáveis), a cada 50m deverá ser instalado um cão e no último caso um
binómio. A saturação de cães num perímetro não o torna mais seguro, muito pelo
contrário, porque a ansiedade e a distracção canina aumentam, podendo dar azo à
troca de alvos. Em simultâneo, e isto acontece com alguma frequência, os cães
diminuem o seu raio de acção e optam pela defesa de um território cada vez
menor, considerando apenas seu o imediatamente ao seu redor, o que é óptimo e
próprio para a instalação de cordões de segurança.
Menos e
mais-valias do uso das fêmeas nas matilhas funcionais. A primeira desvantagem
das fêmeas, que sucede duas vezes ao ano, é o surgimento do cio, não podendo
nessa altura trabalhar junto com os machos. No entanto, e não estamos a aconselhar
ninguém a fazê-lo ou a deixar de o fazer, quando são castradas, esse problema
deixa de existir. Visando a melhor prestação, a castração das cadelas guardiãs
tem vindo a acontecer depois da sua aprovação no adestramento base e após
atingirem a maturidade emocional (por volta dos 2 anos). Quando uma matilha
funcional é constituída por 2/3 de fêmeas perde-se presença ostensiva, força de
impacto e tenacidade na luta. O mesmo não sucede se tiverem mais de 62.5cm de
altura, ultrapassem os 35kg, não excedam os 40kg e alcançarem uma velocidade
instantânea acima dos 36km/h, o que não é fácil de encontrar. Sempre será mais
fácil agrupar fêmeas do que machos, fenómeno intrinsecamente ligado ao seu
género e ao impulso à defesa que manifestam. As vantagens da incorparação das
fêmeas nas matilhas destinadas à guarda são muitas (mais do que as desvantagens),
porque fixam os machos, aumentam-lhes o ímpeto e reforçam-lhes a
terrritorialidade, são geralmente mais atentas, menos visíveis e capazes de
dissimular os seus ataques. Têm maior noção dos riscos, nunca descuidam a
rectaguarda, não disputam com os machos as zonas de entrada e sempre encontram
novos pontos de mordedura, provocando desequílibrios e reforçando os provocados
pelos seus parceiros masculinos. Por todas estas razões é que o ataque
instintivo de uma matilha animal (sem qualquer tipo de condicionamento para o
efeito), é geralmente muito doloso e pode resultar letal, já que recria o modus
operandi atávico canino.
Uma matilha
guardiã poderá ser comandada por uma fêmea? Sim. Tal é possível pela sobreposição do
condicionamento sobre o viver social canino. Contudo, até porque não estamos a
falar da estrutura matriarcal do Lobo Etíope, essa liderança é contra-natura e
imprópria, não esconde a precariedade dos machos, poderá obrigar à sua
substituição ou à procura de um genuíno macho-alfa. Eventualmente isso poderá
suceder por necessidade imediata (quando o macho-alfa se encontrar ausente,
estafado, doente, ferido ou convalescente), mas nunca por sistema, porque doutro
modo a matilha correrá o risco de se vir a desmembrar.
Quando se justificará o
recurso a uma matilha constituída por indivíduos de raças diferentes? Quando a variedade de pisos
e as limitações da propriedade assim o exigirem, também nas propriedades
mistas, aquelas que juntam habitações a pomares ou florestas. A policromia das
cores do local e as temperaturas ali mensuráveis também podem obrigar a isso.
Como não se pode dissociar a disciplina de guarda da captura, as razões serão
sempre operacionais e similares às encontradas para a formação de matilhas para
a caça grossa, onde diferentes raças, pela singularidade da sua prestação,
aumentam a eficácia e garantem o sucesso do grupo. Como o assunto é extenso,
vemo-nos obrigados a encerrá-lo por agora, não nos escusando a outros
esclarecimentos caso nos sejam solicitados, já que apenas levantámos a ponta do
véu.
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