terça-feira, 22 de janeiro de 2013

MANIFESTAÇÕES DE UM CÃO MUITO PERIGOSO: O COBARDE

Desenganem-se os mais confiafos: o cão cobarde é um animal muito perigoso, em bruto ou aproveitado, e não deverá ser interpretado como inofensivo. A cobardia presente nalguns cães actuais deve-se a um resquício atávico que ainda não eliminámos ou não quisemos eliminar, directamente ligado ao lobo e a outros canídeos usados na construção das distintas raças, naturalmente instintivos e desconfiados. Também por isto, pelo entender que nos deu a experiência e pela observação das selecções operadas por outros, dizemos: um cão é tanto melhor, quanto menos lobo tiver! Ainda antes do Ocidente ter conhecimento objectivo do Lobo Checo, coisa facilitada pela Perestroika, já nós (Acendura Brava), alguns criadores holandeses e grande número de norte-americanos, se havia dedicado à criação e estudo dos híbridos provenientes do Lobo. Uns e outros viram o seu trabalho desperdiçado e os americanos acabaram sujeitos a um conjunto de disposições legais, mercê do dolo perpetrado pelos seus híbridos.  O Lobo Italiano, cruzamento entre o Lobo da Sardenha e o CPA, que acontece mais tarde, dentro do mesmo propósito, teve como objectivo a produção de animais excepcionais para acções de resgate, policiais e militares. Duvida-se que os italianos tenham conseguido padronizar um comportamento e um desempenho aceitáveis. À parte disto e como mostra do nosso empenho, na companhia do Sr. Filipe Pereira, assistimos algumas vezes à primeira ninhada de lobos nascida no Centro de Recuperação do Lobo Ibérico (a do Sândalo e da Morena), seguindo as orientações do Sr. Robert Lyle, seu fundador, depois de visitarmos amiúde a alcateia residente na Tapada Real de Mafra. Será quem ainda subsiste, apesar do flagelo da leishmaniose e de tanta consanguinidade?
Há por aí muita cobardia entendida como valentia que a muitos encanta ou engana, em especial os incautos, os menos esclarecidos ou os mais engenhosos, porque os primeiros nada esperam, os segundos andam deslumbrados e os últimos sempre espreitam vantagem. O cão cobarde é pródigo em ataques de surtida, carrega sobre os mais fracos e submete-se aos mais fortes, prefere observar do que ser visto, desconfia naturalmente de estranhos por se sentir ameaçado, usa a manha para não trabalhar, faz chantagem emocional, mostra-se injustiçado, reage negativamente a alguns fenómenos naturais, tende ao isolamento, treme diante da repreensão, abomina o trabalho de equipa e pode morder por pânico. Diante dum panorama destes, o que dizer da necessidade da sociabilização, enquanto pilar da reeducação e da reabilitação? Será que todas elas se destinam somente aos cães valentes? Claro que não! A sociabilização é também o melhor dos meios para a reabilitação destes cães.
Podemos transformar um valente num cobarde, acorbardá-lo parcial ou totalmente? Sim! Certo tipo de condicionamento criminoso a isso induz, através de retrocessos pedagógicos que procuram respostas instintivas parciais ou absolutas. No entanto, duvidamos das intenções desses “pedagogos” e pomos em causa, como é óbvio, o seu amor pelos cães, que não deve ser nenhum! Se à ausência da sociabilização (inter pares, com outros animais e com os humanos), que já é mal que chegue, somarmos o isolamento forçado, a restrição absoluta de contacto, um encarceramento austero, prolongado e mal iluminado, a prática sistemática de maus tratos, a proibição de algumas expressões verbais, a alteração das rotinas, o recurso à fome e à sede, a substituição das dietas e a proibição de sair à luz do dia, qualquer cão se acobardará e virará bicho! Há ainda para além disto, engenhosos que adicionam, esporadicamente, pequenas quantidades de salitre, carvão e enxofre à razão de 75, 15 e 10%, sujeitando os cães a convulsões dolorosas no intuito de lhes reavivarem os instintos, chegando alguns a padecer. A castração continua a ser o meio mais “limpo” e usado para quebrar o ímpeto aos valentes e tem agravado a insegurança e a dependência dos cobardes, limitando-lhes de sobremaneira a autonomia, e tudo isto em abono da comodidade dos donos!
Não é difícil condenar o que acima se descreveu, mas há muita gente que continua deliberadamente a encerrar os seus cães em espaços exíguos e mal iluminados, por razões estéticas ou pseudo-funcionais,  enjaulados dentro de boxes por horas a fio e cães condenados à morte por causa disso, ou por outra: por serem considerados perigosos! Mesmo sem a terapia de choque adiantada no parágrafo anterior (que rasa a tortura), qualquer cão pode manifestar acções cobardes, quer elas sejam herdadas, aproveitadas, induzidas ou disfarçadas. Temos por norma usar o treino para dar combate à cobardia, muito embora  possa ser usado para a aproveitar ou escamotear. O seu aproveitamento, por exemplo, facilita a ocultação e o ataque de surpresa de alguns cães, que geralmente atacam pelas costas e quando menos se espera. A habilidade de dissimular a cobardia, própria dos adestradores mais engenhosos, passa pela familiarização que evita o pânico e que garante a experiência feliz pela recompensa. Ao longo da vida temos ouvido enaltecer aqueles cães que, não mordendo à entrada, só atacam os visitantes á saída. A maioria destes animais, por muitos entendidos como extraordinários, não foi objecto de algum treino específico ou capacitação para isso, antes arranca movida por um ou mais instintos. Se por acaso for mal sucedida, bem depressa abandonará a façanha e permanecerá escondida por mais tempo. É evidente que qualquer valente, depois árduo trabalho e uma vez o alcançado o condicionamento, poderá comportar-se de igual modo e se necessário contra-atacar. É importante relembrar, nesta caminhada que tem dezenas de milhares de anos, que ontem como hoje, a escolha dos cães tem assentado sobre os indivíduos mais dóceis e manobráveis, o que muito tem facilitado o treino e as suas prioridades: o controlo dos instintos, a potenciação dos impulsos herdados e o robustecimento do carácter canino. Não obstante, porque é mais fácil e exige menos empenho, nesta era “do aqui” e “agora”, há quem procure cães mais instintivos e use métodos que apenas visam o seu aproveitamento, cambiando a verdade objectiva pela subjectiva que a muitos engana e satisfaz, já que a maioria das pessoas tem medo de cães, ainda que o não diga e que acabe por adquirir um.
Poderá um dono cobarde induzir, voluntária ou involuntariamente, um cão à cobardia? Sim, sem dúvida, por inacção, desprendimento, refreamento, punição ou castigo. No entanto, os donos mais medrosos tendem a fazer cães valentes e os donos mais tesos a subjugá-los em demasia, uns pela impropriedade da liderança e os outros pelo abuso da autoridade. Só a regra poderá evitar os ataques instintivos, mormente os cobardes e de difícil controlo, o que nos obriga a dizer que o treino de guarda é mais do que necessário para certo tipo de cães, porque põe em pé de igualdade a prontidão e a cessação dos ataques, induz à escolha certa dos alvos, estabelece protocolos e submete as acções caninas à ordem expressa, factores que aumentam exponencialmente o domínio sobre o lobo doméstico, tornando-o eficaz e quase absoluto. O antropomorfismo presente nalguns donos, que os leva a considerar os cães seus iguais, quando lamechas, tem um efeito contrário, porque pode suscitar protecção desnecessária e motivar os cães para ataques instintivos, inesperados e de surtida. A verdadeira relação de paridade é aquela que reconhece as diferenças, distribui as tarefas e procura a complementaridade.
O combate à cobardia canina está por detrás de todos os métodos presentes no adestramento, quer se ensine obediência ou outra das suas disciplinas clássicas. O aproveitamento da cobardia pressupõe acções fratricidas, tiradas a partir dos instintos caninos, desconsidera os seus efeitos e despreza o bem-estar animal. Os cães que se tornaram cobardes, reflectem a ausência duma liderança objectiva e o abandono de que foram vítimas, muito embora a cobardia de alguns resulte da falta de escrúpulos dos seus proprietários, mais apostados no dolo do que na coabitação pacífica, sendo também eles cobardes, gatos escondidos com o rabo de fora!  Não nos custa acreditar que grande número dos cães abatidos ou era cobarde ou foi vítima de algum tipo de cobardia. Voltaremos a este assunto.  

A PRIMEIRA COISA A FAZER


A primeira coisa a fazer na progressão ordenada para um obstáculo, é não consentir que o cão baixe a cabeça, porque de outra forma será surpreendido pela linha de transposição, marcará mal o salto, será obrigado a um esforço maior e poderá comprometer a sua integridade física e anímica. A correcção desta tendência não dispensa o uso da trela até ao alcance do condicionamento desejado. 

QUAL DOS TRÊS SOLTAVA?


Alarmado com os assaltos ao redor de sua casa, determinado proprietário canino, dono de três pastores alemães (um cão e duas cadelas), todos treinados para guarda, vê-se obrigado a escolher um para policiar a sua casa, deixando os outros dois encerrados dentro dos canis. Como uma das cadelas está com o cio, qual dos três acha que ele deveria soltar?

PIPES AND DRUMS


Lá para a Velha Albion e também noutros lugares da Commonwealth, o desempenho dos cães militares é irreprensível, tanto no serviço quanto nas paradas e festivais onde se fazem presentes. Por lá, os oficiais podem conferir os alinhamentos sem correr o risco de serem mordidos, movimentar-se à vontade sem o incómodo dos cães a ladrar. A ordem unida é para todos e o cumprimento imediato das ordens não surpreende os animais. Nem mesmo o som dos tambores e das gaitas os afectam ou fazem arredar pé, permanecendo imóveis ao lado dos seus tratadores, pacientemente a aguardar ordens. Diante dum cenário destes, a Marcha de Elgar, a de Pompa e Circunstância, faz todo o sentido. Será que os militares ao serviço de Sua Majestade treinam afincadamente, familiarizam os cães com os instrumentos e escolhem os melhores para as apresentações? Será isso que faz a diferença entre os seus cães e os dos outros? Esses normandos, celtas e saxões são levados da breca!  

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

NÃO SEI O QUE LHE HEI-DE FAZER. MANDAR MATÁ-LO, NÃO SOU CAPAZ!



As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas”.

 Com este verso de Sophia de Mello Breyner Andersen, que denuncia aquela sensibilidade hipócrita do “longe da vista, longe do coração”, que procura o encobrimento de actos deliberados, passamos à história real de um pequeno cão doméstico em apuros, a decorrer à mesmo hora em que vos escrevemos.
Numa família constituída por um septuagenário levemente entrevado, a sua esposa acamada e um neto desta a rasar a maioridade, furtivo, obstinado, revoltado, nada prestável e dado ao disparate, vive um pequeno cão mestiço, bonito, simpático, tido como perigoso, com menos de meia dúzia de anos. O animal, que não ultrapassa os 10kg, segundo o que nos foi contado, ganhou o hábito de morder no pessoal lá de casa. Alarmado com o sucedido, o dono, que até nem achava graça nenhuma a cães, procurou um treinador e optou por teiná-lo. O treino correu  às mil maravilhas e o cão nunca evidenciou qualquer comportamento ou atitude hostil, saindo dali sociabilizado, a andar em liberdade a obedecer prontamente ao seu dono, e tudo isto num só mês!
Por razões não confessas, provavelmente ligadas a algumas indisponibilidades do seu proprietário, fáceis de adivinhar,  o pequeno cão foi privado do treino, apesar de muito se ter instado para que nele continuasse, se necessário gratuitamente. Dois meses após o seu abandono, o dono bate de novo à porta do treinador, sem cão, acabrunhado, à procura de conselho e ajuda. Ao que parece, depois de confinado ao terraço e à varanda, aproveitando uma distracção, o cão fugiu para cima da cama da dona e dali não queria sair. A incomodada senhora forçou a sua saída e recebeu algumas dentadas na mão que pôs por fora dos lençóis. O dono do cão, que entretanto desenvolveu vínculos afectivos com o animal no treino, não lhe querendo agravar a culpa, acusa o rapazola de não o ter passeado convenientemente, porque antes do sucedido, como sempre fez, não teve mais de cinco minutos com ele na rua. Apesar da relação passeio-ataque não justificar de modo algum o desfecho, ficámos sem saber porque razão o dono não saíu com o animal, delegando noutro essa tarefa, uma vez que se encontrava em casa.
Decidido a ver-se livre do cão, o dono foi pedir ajuda a várias associações que se dedicam à recolha de animais, ao momento superlotadas e sem vagas. Não encontrando ali solução, procurou o treinador e o seu conselho, sujentando à aprovação deste a hipótese que lhe parecia mais viável – a do abandono do animal, já que irá viver para a província e perto duma quinta muito grande. Como o cão nem tem microchip, bastaria jogá-lo do portão para dentro e pronto. O treinador ficou estupefacto, de imediato sem palavras, recuperou o fôlego e disse-lhe que mais valia mandar abatê-lo, ao que o homem respondeu não ter coragem para tanto. O objectivo do cinotécnico foi o de chamar o dono à razão, ainda que abruptamente, para que ele tomasse conhecimento da gravidade do acto a que se propunha, o que parece ter resultado, pois o cão continua vivo e ainda não foi abandonado. Talvez seja uma questão de tempo, porque o desespero pode “obrigar” este proprietário canino, mais uma vez, ao propósito de abandonar o pobre animal. A história está contada, o cão ignora o seu drama e o veredicto que sobre ele cairá. Se algum dos nossos leitores o quiser adoptar, contacte-nos o mais rápido possível. O tempo urge. Obrigado.
PS. E já agora, não digam ao dono que sabem qual seu propósito original, porque é uma pessoa muito sensível!

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

QUINTO IMPÉRIO OU O QUINTO DOS INFERNOS?


Quando virá o “Portugal que há-de cumprir-se”? A resposta é aguardada por todos os portugueses! Será um império terreno ou celestial, um deslocamento para oriente ou para o ocidente, uma metrópole que se expandirá ou que será absorvida? Será que esse Império já veio e já se esfumou? Onde raio teriam ido Camões e Pessoa buscar tal idéia? Seriam videntes ou simplesmente patriotas infamados, porta-vozes de uma esperança popular sustentada pelo desalento e oriunda de tempos imemoráveis? Seria de todo conveniente que esse império chegasse para fazer frente ao quinto dos infernos em que vivemos! O que sabemos é que Portugal nunca se cumpriu, que ao longo da sua história sempre viveu de “buchas”, da pimenta da India, do comércio de escravos, do ouro do Brasil e agora da torneira a fechar-se da CEE. Esta Nação flutuante lembra a Arca de Noé, será que algum dia as águas da miséria secarão ou seremos  uma eterna Fénix?


Há quem diga, do seu alto saber, que esse império será de natureza cultural, já que os portugueses tendem a fundamentar a cultura popular por onde passam, muito embora, nós como os outros, tenhamos passado o século XX dominados pelo pensamento de três judeus ashkenazi: Einstein, Freud e Marx. Pode ser, e agora dizemos nós, não tão doutos quanto outros e na singeleza do nosso ofício, que devido à política do actual governo, nesta ocidental praia lusitana, de matar os velhos e de fazer emigrar os novos, o ADN português passe doravante de recessivo a dominante, conhecida que é a nossa propensão histórica para a misciginação, o que faria perpétuar Portugal por todo o Mundo. As nossas limitações impedem-nos de vislumbrar outros meios para o alcance de tal império, pois custa-nos a acreditar que os extraterrestres venham a considerar o fado património do universo intergaláctico.


De um modo ou de outro, e mais uma vez, sendo poucos e partindo endividados, com uma mão atrás e outra à frente, caberá aos mais novos catapultar esta velha Nação para o futuro, fazer dela um Atlântida ou um 5º Império - cumprir Portugal. Oxalá não repitam os erros do passado, queira Deus que isso lhes sirva de lição e que alcancem outros mares, onde não conseguimos chegar.   

A FOME QUE OS FAZ CORRER, OBEDECER, FAREJAR E MORDER


Como se já não bastasse o acontecido na Guerra da Crimeia (1853-1856) e o sucedido na Batalha de Stalingrado (1942-1943), ainda há gente que continua a abraçar métodos e procurar resultados a partir da fome dos cães, o que lembra de sobremaneira os leões do Circo Romano, que só depois de esfomeados, eram soltos nas arenas. É evidente que estes animais “correm que se desunham”, sedentos de alimento e movidos pelo instinto de sobrevivência. Valerá a pena tamanho sacrifício? Os donos dirão que sim e os cães não se poderão pronunciar, muito embora uns queiram medalhas e os outros somente comer. Prova a prova, a saga repete-se, a plateia entusiasma-se, estoiram os aplausos e só no final da feira… os cães irão comer! Estas guerras de mirandum, porque de simulacros se tratam, pressupõem o bem-estar animal? Será esta a melhor forma de aplicar o reforço positivo? Há gente que nunca aprende e que dificilmente se livra da pedra no sapato. Igual método usou um aluno nosso para ensinar os seus periquitos a comer à mão - e foi bem sucedido!

Há nisto tudo uma tremenda confusão: depois de havermos transformado o lobo em cão, queremo-lo de volta? Afinal em que é que ficamos? E diante da actual lei sobre os cães perigosos, será isso razoável? Esta técnica, se for digna desse nome, porque arte não será concerteza, há muito que a vimos lá para a Rua das Portas de Stº Antão, em Lisboa, no nº 96, quando toda a casta de animais divertia a criançada. Será possível usar sem abusar? Nós acreditamos que sim. O cão merece ser respeitado!

ICH HATT’ EINEM KAMERADEN


Apesar de nunca se ter feito um levantamento acerca do número de mortos, todos os dias morrem cães de guarda em todo o Mundo, vítimas de ladrões violentos que os têm de enfrentar. A chacina é mais comum nos países miseráveis ou naqueles onde o distanciamento entre ricos e pobres, por ser tão grande, chega a ser escandaloso (infelizmente ainda não se descobriu uma solução eficaz contra a pobreza). Treinar um cão para guarda, ainda que poucos pensem nisso, é colocá-lo no “lugar do morto”, especialmente se trabalhar isolado e distante do socorro dos donos. Este companheiro que dará, se preciso, a vida por nós, como até hoje tem feito, é normalmente esquecido e raramente é objecto de um memorial ou de um vulgar monumento, o que a ninguém espanta, já que também são poucos os erigidos aos cães polícias e militares, apesar da grandeza do seu serviço e do mérito das suas acções. Uma vez abatidos, serão sepultados no silêncio familiar e ninguém cantará para eles “Ich Hatt’ Einem Kameraden” ou outra melodia que evoque o seu valor e sacrifício, o que nos remete para as palavras de um velho e experimentado perrero: “a gratidão neste mundo habita nos quartos traseiros de uma mula”. Queremos aqui prestar homenagem aos cães que morreram no cumprimento do serviço e exortar os treinadores para que melhor treinem os actuais, dando-lhes a vantagem da surpresa, maior eficácia e melhores subsídios para a sua sobrevivência.

A NECESSIDADE DE ARRANJAR UM CULPADO



Apesar de Adão ter culpado Deus por lhe ter dado Eva, por esta o ter induzido à desobediência, Cristo pagou o preço das nossas transgressões e morreu por todos nós. Não obstante, continuamos à procura de culpados, exactamente na mesma cegueira que leva um cão a correr atrás da própria cauda. Sem dificuldade, descaradamente, reclamamos para nós todo ou bem que nos sucede e atribuímos aos outros todo o mal que nos aflige. Esta reacção instintiva, que alguém há-de explicar porquê, coloca-nos em pé de igualdade com os ditos irracionais e nada abona em nosso favor. Como finitos, todos estamos votados ao insucesso e a idéia não nos agrada. Mas não aprenderá o homem com os seus erros? Donde lhe virá o acerto?

No adestramento, quando o insucesso escolar é por demais evidente, contrariamente ao que se prega, não havendo mais ninguém a quem culpar, são os cães que arcam com as culpas e que servem de bode expiatório, como se as suas atitudes não fossem reflexas e não surgissem como resposta às acções dos líderes. Quer queiramos ou não, por detrás da excelência de um cão, está um condutor não menos excelente que melhor soube aproveitar o animal. Infelizmente o inverso também é verdade e irá bater á porta de alguns, o que torna actual a milenar história da burra de Balaâo, já que não é raro, perante os desacertos dos donos, assistirmos ao conserto dos animais.

Ninguém chega ao adestramento vindo do nada e todos carregamos as marcas do que somos e donde viemos, predicados que poderão ou não constituir-se em mais-valias e que implicarão de sobremaneira  na nossa capacidade de resolução. Todos chegamos á cinotecnia já feitos e a maioria de nós irá sofrer profunda alteração, crescer ou decrescer para alcançar a comunicação interespécies. Como o cão é um animal de hábitos e vive dependente das rotinas que vai assimilando, estipuladas ou toleradas por quem o alimenta, não é de estranhar que denuncie alguns características presentes nos seus donos (o cão do improvisador raramente atravessa a estrada pela passagem de peões; o do desregrado pede comida à mesa; o do inactivo torna-se pachorrento; o do desmiolado flui pelo disparate; o do pouco esforçado transforma-se em manhoso; o do muito tolerante tende ao abuso e por aí adiante).


O homem, enquanto por cá andar, dificilmente se queixará de si próprio e reconhecerá a culpa dos seus passos, o engano das suas estratégias, o desacerto das suas opções e a sua falta de empenho, porque lhe é mais próprio queixar-se dos outros, dizer-se vítima da má sorte, furtado de dons e atribuir ao fado a causa dos seus enganos. E quando pega num cão e as dificuldades surgem, essa mnemónica tende a ladaínha e o animal irá aumentar, ainda que sem saber como, o rosário das suas penas. Treinar cães é adestrar homens, é capacitar os donos para a liderança até ao alcance palpável da resposta que garante o trajecto comum sem sobressaltos. Ensinar cães sempre foi fácil, os donos nem tanto!

CORREIO DOS LEITORES: RESPOSTA AO SR. PEDRO GUEDES


Recentemente, o Sr. Pedro Guedes foi obsequiado com um cachorro CPA de presente e gostava que o infante viesse a ser treinado o melhor possível, de preferência por ele. Como não temos nenhuma escola na área da sua residência e não conhecemos ali nenhuma que possamos recomendar, adiantaremos aqui alguns subsídios para o pré-treino do cachorro que servirão de base para o treino vindouro, uma vez que no próximo dia 23 fará 4 meses.


Antes de mais, importa comprar um comedouro e bebedouro reguláveis, para que o cachorro se desacostume a comer na linha do solo e não venha a morrer envenenado, regulando-se o bordo superior dos pratos a menos 5cm da sua altura. Essa diferença (5cm) deverá ser actualizada de acordo com o crescimento do animal. Esta simples medida preventiva irá evitar maiores delongas no ensino da recusa de engodos, evitará o abatimento exagerado dos metacarpos, não contribribuirá para a divergência de mãos e dará combate à indolência, impossibilitando assim o cachorro de comer deitado. Convém que o Pedro procure um veterinário conhecedor da raça, do seu desenvolvimento e das suas afecções ou doenças mais comuns. Será ele que irá estabelecer os calendários das desparasitações e das vacinas e que deverá acompanhar o cão por toda a vida. A ração a dar ao cachorro deverá ter 30% de proteína e 20% de gordura, ter um percentual de digestibilidade elevado e ser distribuída quatro vezes ao dia (nós somos adeptos de a ter à descrição durante os ciclos infantis). E porque importa vigiar o crescimento do cachorro, ele deverá ser pesado semanalmente e o seu valor comparado com os valores indicados na tabela de crescimento da raça que breve enviaremos. De qualquer modo, aos 4 meses de idade, o cachorro deverá pesar entre 18 e 21.750kg, havendo exemplares mais robustos que poderão ultrapassar estes valores. Valores abaixo dos mencionados darão cães pernaltos e com ausência de envergadura. O Pedro deverá também comprar um “trem de limpeza”, constituído por uma cardeira, três pentes de diferente espaçamento, uma luva e um pano de camurça. Deverá evitar dar banhos ao cachorro e escová-lo diriamente, usando pó talco para evitar os maus odores. Os pormenores relativos ao que aqui adiantamos serão explicados por telefone, bem como todas as dúvidas que possam surgir ou possíveis omissões.


Do ponto de vista técnico, considerando os cães para a utilidade, temos por hábito seguir o “Quadro de Crescimento Funcinal”, uma tabela que comtempla as quatro disciplinas básicas do adestramento (obediência, ginástica, guarda e pistagem), de acordo com os ciclos infantis dos cachorros e segundo o método da precocidade preconizado por Trumler, o que melhor prepará os infantes para o treino escolar, através de tarefas indutoras do agrado dos animais (enviaremos este quadro por email ao Sr. Pedro Guedes). Assim, neste momento (3 meses e meio), o chachorro já deverá dar pelo nome, ser conduzido á trela suavemente pelo lado esquerdo do condutor, conhecer o comando de “junto” e responder ao comando de “aqui”. Correr atrás de uma bola ou outro brinquedo, saltar obstáculos de 20cm e subir pequenas rampas de baixa inclinação. Deverá também agarrar num trapo ou churro, habituar-se a diferentes ecossistemas e marcHar diariamente 1km, ainda que dividido em duas ocasiões (uma tarde e outra de manhã). Já deverá procurar o dono, os seus esconderijos e conhecer o comando de “busca”. Estas simples tarefas irão reforçar a liderança, estabelecer a cumplicidade, robustecer fisica e psicologicamente o cachorro, despertar-lhe o instinto de presa e garantir- lhe a hegemonia do faro como sentido director. Apesar de termos um programa de “Ensino à Distância”, porque é mais fácil, aconselhamos o Pedro a procurar uma escola canina nos arredores da sua casa. Não havendo essa possibilidade e mantendo-se o seu empenho, não hesitaremos em enviar-lhe o programa acima citado.

O PROVEITO DOS OBSTÁCULOS


Consideramos pobre ou inadequado todo o treino canino que não pressupõe o concurso aos obstáculos, quer eles sejam naturais, artificiais ou específicos, tendo em conta as vantagens que oferecem. Para além dos aspectos ligados à avaliação dos impulsos ao movimento e ao conhecimento, indispensáveis para a recomendação dos reprodutores, os obstáculos facilitam ainda a detecção de menos valias biomecânicas, sensoriais e funcionais nos animais que a eles concorrem. E o seu proveito não se esgota nisso, porque ainda oferecem aos cães a melhoria dos seus indíces atléticos, o robustecimento físico, o aumento dos seus níveis de confiança, a supressão de medos e fobias, a reprodução das tarefas e obstáculos quotidianos, preparação específica multidisciplinar, um melhor aproveitamento da biomecânica individual, a ratificação da liderança e tudo isto dentro de um desempenho alegre e feliz.


Se a riqueza do adestramento reside na superior qualidade da preparação, não entendemos porque razão tantas escolas ou centros caninos não têm obstáculos, e quando os têm, porque convidam somente um número reduzido de binómios para a sua prática. Será que os cães não merecem ou porque é imperioso amealhar? Desprezará qualquer preparação específica a componente atlética? Não será o parque de obstáculos o melhor cartão de visita de uma escola?

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

SEMPRE DA MESMA AÇORDA



Lá para os lados de Murça, terra da porca, nasceu um pastor que acabou fardado em Lisboa, um moço divertido que nunca esqueceu as canhonas (ovelhas), devoto incondicional do deus Baco, tão simples quanto perspicaz, que não conseguimos esquecer. Há mais de vinte cinco anos que não sabemos nada dele, mas as suas “sentenças”, tal qual legado, permanecem entre nós, porque nos fazem rir, espelham a cultura popular e lembram o Portugal de tempos idos. Dele sempre ouvimos: “ quem dá o pão, dá o pau e o pau é o pai da humanidade”. Ainda que a frase possa prestar-se a várias interpretações, as suas premissas desnudam a conclusão: bater faz parte da educação e garante a boa ordem! Mas será que faz?


Apesar de entendermos que à pancada não se educam crianças nem cães, porque todos somos mais ou menos violentos (instintivamente propensos), sempre subsistirão por aí vítimas a querer vitimizar, gente desesperada a apelar á violência, pais a descarregar nos filhos e adeptos do estalo na altura certa, para já não se falar daqueles que simplesmente adoram molhar o bico. O tema transporta-nos para as décadas de cinquenta, sessenta e princípios da seguinte, quando nas escolas primárias imperava a lei da réguada. Passados estes anos, lembrando os que mais apanhavam e aquilo que são hoje, vemos que a pancadaria não gerou doutores e pouco fez pela sua ascenção social, havendo alguns que abraçaram profissões prà traulitada e próprias para descarregar nos outros.


O recurso à violência é uma opção atabalhoada que trava momentaneamente problemas que tendem a perpetuar-se, já que desconsidera as suas causas e não descortina as verdadeiras soluções, sendo por vezes uma manifestação de impotência face á dificuldade de alguém em se fazer compreender. O desespero que despoleta a violência, próprio dos indivíduos menos apetrechados e mais emocionais, também daqueles que nela se deleitam (que afortunadamente são poucos), é uma incapacidade de difícil eliminação porque acontece automaticamente e não resulta de qualquer tipo de aprendizagem. Se considerarmos a violência uma manifestação inquívoca de fratricismo, o que dizer daquela que vitima os cães?


Todos os anos somos confrontados com um par de condutores violentos, gente que substitui os procedimentos pelo castigo e que carrega quando não é obedecida, apesar de nada fazer para ser compreendida. Para estes indivíduos o cão é sempre merecedor de castigo, “porque sabe o que eu quero e está armado em mula!” Sabemos nós, graças aos anos que por cá andamos, que as coisas não são bem assim e que raros são os cães que desobedecem proposital e deliberadamente. Ao invés, o incumprimento da esmagadora maioria deles, se assim se puder chamar, fica a dever-se ao pouco preparo dos seus condutores, que à revelia do que lhes é dito e esquecendo-se que também eles necessitam de instrução, malbaratam os comandos, adulteram a técnica, desprezam os exercícios e não procedem à recapitulação doméstica dos subsídios adiantados na escola. Tal qual tropa paisana e ministro de falso currículo, diante do insucesso e perante o sucesso dos outros, sai um valente esticão, cai uma correada, uma projecção ao solo, uma suspensão inusitada e outras tantas traições que podem ir até ao abandonono da classe. Quando vimos isto, lembramo-nos do filme Casablanca e da célebre frase “ Play it  again Sam!”, porque estamos cansados de assistir ao mesmo filme e do seu elenco de furibundos - enjoados com a mesma açorda. O sucesso no adestramento passa por nos fazermos compreender e a obediência canina pela paciência que clarifica a mensagem e possibilita a sua absorção. O âmago do adestramento não assenta sobre a “lei do mais forte”, mas na transfiguração que leva á identidade, justifica a liderança e constitui o binómio. Como alguém já disse: “adestramento não é doma”, apesar da diversidade das domas por esse mundo fora.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

QUE DIRECÇÃO TOMAR PARA O ENCONTRAR?


Durante anos, mais por aperto alheio do que por desejo nosso, acabámos por ajudar na procura de cães fugitivos ou desaparecidos com bastante sucesso. E se não encontrámos todos, isso ficou a dever-se ao roubo de alguns e ao anúncio tardio da fuga de outros. Neste último caso, infelizmente, alguns cães já haviam perecido, maioritariamente por atropelamento. Afortunadamente, a fuga dos cães não é muito comum, apesar de existirem raças que mais concorrem para o fenómeno. Pretendemos com este artigo adiantar alguns subsídios para a procura dos cães domésticos em fuga, orientações que agilizarão o seu reencontro e socorro. Para além da análise das causas indutoras à fuga, também adiantaremos algumas medidas preventivas para que ela não aconteça. Comecemos pelas causas.
As causas que induzem os cães à fuga podem ser de natureza instintiva, social ou ambiental, resultando todas elas de algum tipo de carência ou necessidade específica, geralmente despoletadas por estados de ansiedade que podem ser crónicos, continuados, cíclicos ou esporádicos, em consonância com os particulares genético e habitacional de cada indivíduo. Estamos na presença de uma causa instintiva quando o cão sai para caçar, copular ou é impelido pelo instinto de sobrevivência. Os cães que fogem por receio aos fenómenos naturais (avalanches, desabamentos, trovoadas, ciclones, inundações, fogo, etc.), fazem-no movidos por este último instinto e podem reagir do mesmo modo diante réplicas de fabrico humano (explosões, fogo de artifício, fogueiras, foguetes, tiros, etc.), mesmo que accionadas à distância e sem qualquer risco imediato para os animais. O instinto de sobrevivência irá ainda ser responsável pela procura de água e de alimento.
Exceptuando as razões traumáticas acima adiantadas, as fugas por causa instintiva, que tendem a repetir-se e são mais frequentes nos cães sem qualquer tipo de condicionamento (treino), estão geralmente ligadas ao carácter excursionista e predador de alguns animais assim como à sua satisfação sexual. Por norma, os fugitivos por pânico não se afastam muito das redondezas da casa e procuram algum esconderijo, podendo permanecer escondidos durante alguns dias até que a situação se normalize (têm por hábito responder afirmativamente ao chamamento dos donos). Dependendo da boa ou má instalação doméstica, os cães caçadores voltarão ou não para casa, podendo embrenhar-se por charnecas e valados bem distantes do lar, o que poderá dificultar e até mesmo impossibilitar o seu regresso.
Os cães que partem à procura das cadelas com o cio, geralmente detectáveis até 2km da área reservada aos machos, em condições desfavoráveis, porque onde chegar o ouvido de um cão, o seu nariz não tardará, estão preparados para aguentar três semanas de espera sem comer e perder entre 12 e 25% do seu peso corporal, contudo não dispensam a água e nalgum lado terão de a encontrar, o que se transforma numa vantagem para quem os procura, já que a procurarão em cortejo. Costumam voltar após o final do cio das fêmeas, estafados e escanzelados, isto se não forem vítimas de atropelamento ou de outro acidente fatal. Os grupos somáticos caninos que mais engrossam as fileiras das fugas instintivas são os vulpinos e os bracóides, porque a maioria dos lupinos não abandona o seu território e os molossos manifestam pouca tendência excursionista, preferindo a proximidade do tacho da comida à aventura duma refeição incerta. E porque existem excepções, é quase impossível um Labrador pôr-se em fuga ou um Husky deixar de o fazer. Como os cães possuem poucos instintos e não os seguem cegamente, aconselha-se a aprovação no adestramento dos cães ou raças mais instintivas, incompreensivelmente pouco vistos nas escolas caninas, para se evitar a sua fuga e desaparecimento precoce. A participação nas classes escolares de cadelas com o cio, mais cedo ou mais tarde, acabará por instalar a supremacia dos comandos sobre os instintos dos machos. Como é óbvio, os cães caçadores estarão onde houver caça, os “Don Juan” na companhia das cadelas e todos terão por perto uma ou mais linhas de água.
 
As fugas de natureza social, mais comuns nos cães excepcionalmente gregários ou tornados cúmplices pela afeição, acontecem pela necessidade de amatilhamento ou pela procura do dono ausente, e tanto podem suceder no lar, em qualquer hotel canino ou noutro tipo de habitação temporária. Os cães territoriais, perante a novidade da liderança e do território, especialmente os aprovados na contra-ordem, pelo desconforto causado, encetam muitas vezes fugas de retorno a casa, sendo também elas de origem social. As fugas causadas por razões ambientais encontram-se cativas, essencialmente, aos seguintes factores: instalação doméstica imprópria, fome, falta de higiene, ausência de exercício regular e de saídas, confinamento demasiado restrito, hostilidade, violência, agressões, tratamento abusivo, relacionamento deficitário ou distante, isolamento e marginalização. Diante de um quadro destes não se justificará a fuga de um cão? Certamente que sim. Se vier a encontrar um lar onde o tratem melhor, quererá voltar para casa? Certamente que não! Apesar de ser vergonhoso, os cães continuam a fugir por fome, maus tratos e ausência de bem-estar. Nem sempre o destrinçar das causas é fácil, porque a fuga poderá suceder pela combinação de duas ou de todas, porque a inexistência de bem-estar e o isolamento acabam por despoletar os mais básicos instintos caninos, transformando uma fuga de cariz ambiental ou social numa evasão instintiva.
Aconselhamos, mal se constacte a fuga do cão, que de imediato se comunique o seu desaparecimento à GNR ou PSP, Guarda Florestal, Protecção Civil, Bombeiros, canil camarário, veterinários da área, centros de treino mais próximos e rádios locais. As rádios locais solicitarão aos seus ouvintes notícias sobre o paradeiro do animal, geralmente após os noticiários e de modo gratuito. Tudo isto, como se depreende, não irá dispensar o nosso empenho na busca. Quando se intenta procurar um cão em fuga há que considerar 7 factores, a saber: o perfil psicológico do cão, a hora em que o animal desapareceu, a estação do ano, os ventos dominantes na área, a geografia do local, as linhas de água e os locais passíveis de fornecer alimento.
Como não existem direcções previsíveis ou percursos obrigatórios na fuga dos cães, importa considerar primeiro o perfil psicológico do animal, se submisso ou dominante, já que os submissos se afastarão, de início, das localidades e das pessoas, enquanto os dominantes não hesitarão em andar no meio delas, podendo inclusive enfrentá-las. A hora da fuga dar-nos-á uma ideia aproximada da distância percorrida, porque os cães atingem maior celeridade com temperaturas mais baixas e com graus de humidade mais elevados, o que os favorece na retenção da água e os alivia no que à fadiga diz respeito. A estação do ano pode ser determinante para o resgate do animal, isto se a causa da fuga não for de natureza sociológica, já que os cães no Inverno tendem a caminhar para Sul e no Verão para Norte, porque necessitam de condições mais favoráveis para a sua evolução. Nas estações intermédias (Primavera e Outono), dependendo das condições climatéricas, procederão de igual modo. Os ventos dominantes na área também nos podem dar alguns indícios. No princípio da fuga o cão usá-los-á para detectar água, comida e buscar, congéneres, marchando contra eles, atitude que normalmente cessa após 2 horas de caminhada, marchando posteriormente ao favor do vento para retemperar as forças, retomando depois a mesma rota. É evidente que nos estamos a reportar ao Hemisfério Norte, ao nosso particular geográfico (português), e às suas circunstâncias climatéricas, fortemente determinadas pela formação peninsular, pelo Mediterrâneo, pela proximidade do Sahara, pelo anticiclone dos Açores e pelos ventos continentais em direcção ao mar e vice-versa. Alguns cães parecem ser portadores de biosensores que os levam a orientar-se pelo magnetismo terrestre, percorrendo enormes distâncias até ao alcance dos seus alvos.  
A geografia e a topografia locais, nomeadamente a altitude, podem também fornecer-nos pistas, excluindo-se os pontos mais altos por serem inóspitos, escassos em água e não oferecerem abrigo. Por outro lado, os cães citadinos mostram natural aversão por matos altos e vegetação densa e espinhosa. Atendendo a isto, convém ter em mão uma carta topográfica da zona. Actualmente com o advendo das novas tecnologias tudo se torna mais fácil. A procura de água norteará e definirá o trajecto a seguir pelo cão. Para poder continuar a marcha, ele irá necessitar dela para se refrescar e reidratar, voltando atrás se no caminho à sua frente não a puder alcançar. Nem mesmo a maioria dos cães de caça come as suas presas (geralmente matam-nas e raramente as comem). Assim, independentemente do grupo somático a que pertence e da função para a qual foi treinado, o cão irá necessitar de comida nos seus percursos de evasão, necessidade que se tornará imperativa a partir do 3º dia de fuga. Não a encontrando, o seu faro levá-lo-á para junto das habitações ou para os locais de abrigo de outros cães. Os cães acostumados ao dia de jejum semanal têm, em média, uma autonomia até mais dois dias e os acostumados à fome muito mais.
De qualquer modo, por razões ligadas à procura do dono, à exaustão e à fadiga, à fome e ao insucesso, a partir do 3º dia de fuga, alguns cães tentarão encetar percursos de retorno. Apesar desses percursos terem características universais, eles serão delimitados pelos condicionalismos individuais de cada animal, raramente são lineares e apresentam uma evolução círcular de acordo com a extracção dos círculos odoríferos. Irá ser o faro o primeiro dos sentidos que o animal utilizará na procura do ecossistema abandonado, ainda que acompanhado pelo ouvido na procura dos sons que lhe soam familiares, muito embora a rapidez dos percursos fique a dever-se à sua memória visual. Dependendo da distãncia a que o cão se encontra do lar, ele poderá parar, uma ou mais vezes, para se abastecer de água e comida. Para que o percurso de retorno aconteça é necessário que o animal se encontre apetrechado de uma excelente máquina sensorial, tenha excelentes impulsos herdados e seja robusto dos pontos de vista físico e psicológico. Nas grandes distâncias, inexplicavelmente, alguns cães parecem valer-se de algum tipo de percepção extra-sensorial, regressando mediante subsídios inantingíveis pelos seus sentidos.
Porque é tão diminuto o número de cães que regressa a casa? Basicamente por incapacidade, ausência de vínculos afectivos, excessiva carga instintiva, adopção de um novo lar ou grupo, roubo, captura, mutilação e morte. Queremos aqui dizer sem pruridos e à boca cheia, que consideramos falho ou impróprio todo o treino que não aproveita, potencia e desenvolve o olfacto canino, já que um número substancial de cães não regressará a casa pelo desuso desse sentido director. Alguns cães não retornarão porque encontrarão quem  melhor os estime, outros não sentirão essa necessidade por desajuste instintivo, um pequeno número deles será adoptado ou roubado e muitos acabarão mutilados ou mortos, vítimas de abate, afogamento, atropelamento, congelação, desidratação, electrocutamento, envenenamento, estrangulamento, exaustão, fraqueza, fulminação e também dos bons ofícios dos canis terminais municipais. Após consulta dos nossos arquivos relativos ao resgate de cães, descobrimos que 98% dos cães fugitivos (na sua maioria machos), não usufruiram de qualquer tipo de ensino, vivendo à corrente ou isolados em quintas e moradias, o que realça a importância do adestramento também nesta matéria.
E porque ainda se roubam cães, agora aqueles cujos donos vivem sem grandes apertos, é mais do que obrigatório ensinar aos bichos acções e percursos de evasão, para que mais depressa se livrem dos seus carcereiros e retornem a casa. Nadar, saltar, escalar, rastejar, escavar, cortar corda e abrir portas, são algumas das acções a incentivar e a desenvolver, assim como advertir os cães para que não ladrem junto aos portões e debaixo do raio de acção dos sprays, porque a manigância passa agora pela latinha dos proventos, com duas borrifadelas vem o cão para as costas sem tugir nem mugir! Depois vem a recompensa, e só por sorte é que o dono não acabará assaltado. Não se esqueça: nunca vá só quando for resgatar o seu cão, quanto mais acompanhado melhor!
Ainda não temos entre nós um serviço que se dedique à procura de cães desaparecidos e é com invulgar relutância que alguém o faz, apesar das recompensas serem avultadas, do trabalho não faltar, de sobrarem por cá cães pisteiros e da tarefa ser de fácil assimilação. Sem disso darem conta, as escolas caninas têm uma bitola mais estreita do que a visível nas linhas dos nossos comboios, já que todo o cão que foge irá necessitar de ensino para não repetir a “proeza”. Não será melhor ir ao encontro das necessidades do que passar dificuldades?
O adestramento é antídoto mais eficaz contra a fuga dos cães, porque prepara em simultâneo homens e animais para a constituição binomial, convidando-os para tarefas comuns com base na cumplicidade que não dispensa o proveito dos vínculos afectivos entre ambos. O cão não nasceu para estar só e passa a esperar do homem aquilo que o bando lhe daria, porque é um animal social que busca aprovação e não dispensa o bem-estar. Duma forma ou de outra, a fuga dos cães sempre aponta para um responsável – o homem. Esperamos que os subsídios que adiantámos sejam válidos e colocamo-nos à disposição de todos aqueles que necessitarem do nosso auxílio.

O SUOR E A GLÓRIA:


Todos gostaríamos de ser bem sucedidos na vida, de viver desafogadamente e dentro do maior conforto, despreocupados e com acesso a tudo. Infelizmente só uma minoria o irá alcançar, porque grande é o abismo entre a absorção do conceito e a sua aplicação. Os resultados no adestramento também não são gratuitos e muito menos imediatos, requerem persistência e apego aos procedimentos, constância nas acções e um ânimo inabalável. Se conseguirmos isso, o dia da glória chegará.

O NOSSO AMIGO WITTGENSTEIN


Chega a espantar, ao reparar nos métodos, pressupostos e conteúdos de ensino, a pobreza doutrinária presente no adestramento, onde prática evolue sem teoria e se transforma em dogma, sucumbindo o conhecimento erudito às mãos de doutrinas forjadas pela imitação e adaptadas às habilidades de cada um, o que implica em retrocesso e induz à subjectividade, na substituição da verdade científica pelo deleite antropomórfico. Cada escola deverá ter como alicerces, para justificar a sua existência e diferença, à priori, um filósofo, um etólogo e um cinólogo, e explicar aos seus alunos porque optou por esses e não por outros, para que saibam ao que vão e aquilo que os espera, já que o adestramento é uma arte que não dispensa o contributo da ciência no seu avanço. No que nos diz respeito, para melhorarmos a comunicação interespécies, depois de lermos muitos (Granderath, Gersbach, Hägendorf, Orberländer e os modernos cinólogos anglo-saxões), demos ouvidos a Desmond Morris, comprovámos Konrad Lorenz, optámos por Trumler e surpreendentemente, valemo-nos de Wittgenstein, um filósofo judeu da escola vienense, para muitos o maior vulto da filosofia do século passado, apesar de ser pouco conhecido entre nós. Nos diálogos que encetámos com o as “Investigações Filosóficas”, conseguimos extrair subsídios para melhor valermos aos nossos condutores e conservar neles a vontade de ir mais além, levando-os à compreensão e necessidade da liderança. Para os amantes do conhecimento lançamos aqui um convite: conheçam Wittgenstein!